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Avanços e Limites da Nova Carta Magna: impactos diretos da mobilização

A análise das interações entre atores parlamentares e extraparlamentares tornou possível a superação da frequente visão binária acerca dos resultados da relação entre movimentos sociais e Estado, na qual os resultados possíveis são sempre ou o fracasso do movimento ou a sua institucionalização (seja pela incorporação da sua demanda ou dos seus agentes).

As especificidades da Constituinte tornaram este processo algo muito mais amplo ao se estabelecer um ciclo de confrontos em que múltiplos movimentos e organizações procuraram influenciar diferentes pautas. A soma da mobilização acabou se tornando maior do que cada caso específico e a interação que caracterizou o processo Constituinte acabou estimulando transformações expressivas na dinâmica da participação popular e na dinâmica político-legislativa.

No entanto, além do impacto em ambas as dinâmicas (foco da investigação desenvolvida nesta dissertação), a interação entre atores parlamentares e extraparlamentares resultou em impactos diretos no ordenamento jurídico produzido pela Constituinte329. Para a análise dos principais impactos diretos das diversas campanhas discutidas anteriormente, cabem algumas considerações teóricas.

A análise dos resultados diretos dos movimentos sociais foi tratada de forma detalhada por William Gamson, que os separou em duas categorias: novas vantagens (benefícios decorrentes do resultado das ações e demandas de um movimento); e

aceitação (quando um movimento social organizado ou um grupo contestador é visto

pelos seus alvos como um representante de um conjunto legítimo de interesses). Assim, o cruzamento destes dois resultados gerais produziria quatro resultados

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Outros tipos de consequências possíveis que não serão tratadas aqui em função do recorte (temporal,

geográfico e temático) da pesquisa são as mudanças na biografia dos participantes e as alterações dos quadros interpretativos de cada um dos movimentos.

específicos: resposta total (novas vantagens e aceitação); cooptação (aceitação sem novas vantagens); preempção (novas vantagens sem aceitação); e colapso (sem aceitação e sem novas vantagens)330.

Entre as críticas à classificação de Gamson, destacam-se as de Piven e Cloward em Poor People’s Movements (1977), no qual questionam o uso da categoria de aceitação de um movimento como evidência do sucesso do mesmo. Isto porque a construção de organizações de massa seria, segundo os autores, prejudiciais aos pobres e a aceitação de um movimento teria pouca importância para os “beneficiários” caso eles não ganhem nada diretamente331.

Em que pese o determinismo332 de Piven e Cloward e o radicalismo de sua crítica, ela é útil para percebemos o peso excessivo que Gamson deu à categoria de aceitação quando discutia os impactos dos movimentos sociais. Uma adaptação das categorias de Gamson é a tipologia elaborada por Daniel Cress e David Snow para investigar os impactos da mobilização dos sem-teto nos Estados Unidos. A classificação dos autores é útil para a compreensão de que existem duas categorias de favorecidos pelos impactos diretos da ação coletiva: a população beneficiária, que pode ser favorecida por novos direitos adquiridos ou por novas políticas de assistência desenvolvidas pelo Estado; e as próprias organizações de movimentos sociais, que podem ganhar poder por meio de representação ou de recursos (por exemplo o controle da gestão de serviços públicos terceirizados, ou ainda dividendos organizacionais como escritório, materiais, etc.)333.

Entretanto, embora a tipologia de Cress e Snow seja importante para a análise de impacto dos movimentos sociais contemporâneos, um limitador é a especificidade do tipo de resultado que eles denominam de representação. Isto porque os autores restringem o indicador de aceitação organizacional de Gamson para meramente a participação formal de membros do movimento social em conselhos e comitês das

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“The full response and collapse categories are relatively unambiguous successes and failures – in the on case, the achievement of both acceptance and new advantages, in the other, the achievement of neither. The remainder are mixed categories: co-optation is the term used for acceptance without new advantages and preemption for new advantages without acceptance.” (GAMSON, William A (1988).

The Strategy of Social Protest. Belmont: Wadsworth Publishing (2 ed.), 1990, p. 29). 331

Cf. PIVEN, Francis Fox & CLOWARD, Richard A. Poor People’s Movements. New York: Vintage Books, 1977, p. xx-xxi.

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Um bom exemplo do determinismo da dupla é a ideia de que “protesters win, if they win at all, what historical circunstances has already made ready to be conceded.” (Piven & Cloward, opus cit., p. 36).

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CRESS, Daniel & SNOW, David A. The Outcomes of Homeless Mobilization: The Influence of Organization, Disruption, Political Mediation, and Framing. In: American Journal of Sociology. The University of Chicago, vol. 105, nº 4 (January 2000), pp. 1066-1068.

organizações que são os alvos de influência. A restrição, talvez adequada para a metodologia da pesquisa feita com os movimentos dos sem-teto, é limitadora para o caso da Constituinte. Opto aqui pela utilização do conceito de aceitação, que torna mais densa a investigação, incluindo assim elementos mais informais como consultas, negociações e reconhecimento ao lado da representação formal.

De fato, a presente análise da mobilização social na Constituinte mostrou como a institucionalização da interação entre atores extraparlamentares e parlamentares acabou resultando na construção de um mecanismo institucional de aceitação de grupos e movimentos enquanto portadores de interesses: legitimados por milhares de assinaturas nas emendas populares e, em alguns casos, legitimados pelo conhecimento técnico-científico quando seus representantes eram convidados para participarem das audiências públicas nas subcomissões e comissões temáticas.

É claro que, além deste meio institucional de legitimação, outros caminhos informais também foram importantes e que dependiam: das circunstâncias e conjunturas nas quais o movimento estava inserido; da força e organização do movimento (tanto na sociedade quanto no parlamento, sob forma de apoio político- partidário); do grau de unidade do movimento (por exemplo, mais de um grupo reivindicando a representação de determinada causa poderia fazer com que nenhum fosse legitimado a representá-la334); e, por fim, da existência ou não de movimentos e/ou grupos de parlamentares contrários à reivindicação.

Um bom indicador dos grupos que conseguiram esta legitimidade (seja pela via institucional, pela informal ou por ambas), foram as reuniões com constituintes que desempenharam papéis centrais no processo e que, portanto, exerceram uma função informal de avalizar certos movimentos – além de Ulysses Guimarães e Bernardo Cabral, alguns líderes do governo e do Centrão como Carlos Sant’Anna e Guilherme Afif Domingos também desempenharam esse papel na última fase da ANC.

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Cabe relembrar a importância que as emendas populares tiveram no sentido de construir consensos e articulações entre diferentes movimentos, associações, grupos e ativistas (formando, em alguns casos, movimentos temporários em torno de determinada causa). Assim como, em caso de disputa, a quantidade de assinaturas que determinado grupo angariou acabou servindo como um critério. No entanto, salvo os casos em que os objetivos eram opostos, as pequenas diferenças entre os movimentos que geraram emendas populares diferentes (como no caso da reforma agrária, com a CONTAG e o MST apresentando propostas distintas) não criaram maiores empecilhos no período de negociação, visto que o que estava em pauta era a aprovação ou não da ideia geral (no exemplo, dotar ou não o Estado com o instrumental jurídico necessário para a realização de uma ampla reforma agrária).

Assim, a aceitação de movimentos enquanto representantes legítimos teve, na Constituinte, um ritual e um sentido próprio. No que tange a conquista de novas vantagens, esta aceitação foi uma variável importante para o sucesso da pressão dos atores extraparlamentares. Além disso, embora fuja do escopo desta pesquisa, é possível supor que a aceitação de certos movimentos, sindicatos e associações que conseguiram se destacar na Constituinte perdurou para além do período; ou seja, a legitimidade que certos movimentos adquiriram no período pode ter influenciado a disputa entre grupos congêneres após 1988.

A busca por recursos como o controle da gestão de serviços públicos terceirizados ou como certos dividendos organizacionais (espaço de escritório, materiais, etc.) para os movimentos sociais foi secundário no período da Constituinte. O que estava em pauta na interação com os deputados e senadores constituintes estava em outra alçada. No entanto, algumas organizações se beneficiaram de todo os esforços para estruturar campanhas nacionais com alto grau de articulação com outros movimentos sociais, sindicatos e associações. Tanto os sindicatos quanto a CNBB montaram estruturas em Brasília para acompanhar os trabalhos constituintes e coordenar as ações nos estados. Os grupos que compunham os Plenários Pró- Participação Popular na Constituinte constituíram uma associação para o mesmo propósito, com um comitê executivo que contou com o importante auxílio do Centro de Estudos e Acompanhamento da Constituinte da Universidade de Brasília (CEAC- UnB).

Tanto a União Brasileira de Empresários quanto a União Ruralista Brasileira levantaram somas milionárias entre os seus membros e simpatizantes para custear as caravanas e as estruturas de lobby montadas em Brasília. O crescimento de 360% no número de associados da União Democrática Ruralista – passando de 50.000 membros em 1986 para 230.000 em 1987– reflete a força que a entidade foi conquistando, especialmente entre os pequenos e médios produtores rurais. A UDR também passou por um processo de capilarização, aumentando 440,54% o número de sedes: a entidade tinha apenas 37 em 1986, já em 1987 ela passou a contar com 200 sedes. De fato, a Estrutura de Oportunidades e Ameaças Políticas favoreceu este crescimento surpreendente do movimento ruralista. Isto porque, as recompensas negativas (ameaças políticas) são “intrinsicamente mais motivadoras do que as suas contrapartidas positivas (as oportunidades políticas) (Berejikian 1992; Goldstone &

Tilly, 2001)”335. De fato, Tilly explica em seu livro From Mobilization to Revolution que os grupos respondem de forma mais veemente às ameaças porque eles tendem a inflar o valor dos recursos que já estão sob o seu controle, superestimando potencial negativo das ameaças336. Da mesma forma, estes recursos existentes geralmente estão conectados a redes sociais já estruturadas e que podem ser facilmente mobilizadas para a defesa dos seus interesses. É claro que esta motivação adicional só pode ser aproveitada a partir do trabalho eficaz das lideranças ruralistas em difundir a percepção destas ameaças entre os seus pares. Pode-se especular que as lideranças empresariais, sem a mesma penetração nas bases, não conseguiram construir e difundir um enquadramento interpretativo que esclarecesse e simplificasse as diversas ameaças postas (com a exceção da estabilidade no emprego). Assim, a percepção do conjunto de ameaças que a EOP impunha ao empresariado não foi tão ampla quanto no caso do movimento ruralista.

Um exemplo de como o processo constituinte estimulou a articulação de diferentes grupos e a formação de movimentos nacionais é o caso do movimento ambientalista: “Neste processo, grupos ambientalistas tiveram que consolidar conexões e estabelecer acordos sobre certas questões para que pudessem agir juntos. A existência de um inimigo comum e a necessidade de achar aliados foi crucial para superar a fragmentação prévia entre grupos autônomos. O Centrão forçou os grupos ambientalistas a colocarem de lado as suas diferenças e a agiram em conjunto, o que, consequentemente, os deu a capacidade de ser influentes na regulamentação legal das questões ambientais. Ao menos momentaneamente, eles transcenderam as suas identidades como grupos separados para acharem uma identidade comum enquanto movimento ambientalista”337.

Os impactos diretos que atingiriam a população (como um todo ou somente certos grupos beneficiados) sob a forma de novas políticas de assistência desenvolvidas pelo Estado também não eram o foco da mobilização social na Constituinte. No entanto, o ciclo de protestos que marcou o período, ao potencializar o grau de organização e articulação dos movimentos, assim como disseminar um cenário de contestação ampla, contribuiu para que uma série de mobilizações

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JENKINS, J. Craig & JACOBS, David. Political Opportunities and African- American Protest, 1948–1997. In: American Journal of Sociology, Volume 109, Number 2 (September 2003), p. 282.

336

Cf. Tilly, 1978, opus cit., pp. 134-135.

337

ALONSO, Ângela; COSTA, Valeriano; MACIEL, Débora. The Formation of the Brazilian

Environmental Movement. Brigthon: Institute of Development Studies Working Paper, 2005, (tradução

paralelas ganhassem força. A crise econômica, a dívida externa e as disputas em torno dos reajustes salariais levaram os sindicatos a organizarem greves que, ao mesmo tempo em que contribuíram para criar uma espiral de confrontação social (pressionando as elites políticas e econômicas a cederem em alguns pontos, seja na disputa da Constituinte ou seja nas negociações salariais), criavam dificuldades para a mobilização em prol das emendas populares, desviando recursos como tempo, dinheiro e ativistas de Brasília338.

Da mesma forma, a caravana à Brasília do dia 2 de outubro de 1987, que reuniu 8.000 agricultores sem terra, minifundiários e líderes sindicais com o objetivo principal de pressionar a aprovação da emenda popular sobre a reforma agrária, também foi utilizada para pressionar o Tribunal Federal de Recursos, que mantinha engavetados 160 processos de desapropriação339. Do lado oposto, as caravanas e manifestações de massa da UDR serviam também para negociar pautas econômicas, como preços, financiamentos e taxas de juros340.

Finalmente, o principal impacto da mobilização social na Assembleia Nacional Constituinte foi a influência que os ativistas tiveram na aprovação de alguns dos direitos sociais presentes na nova carta magna. As emendas populares que tiveram maior impacto foram aquelas relativas ao meio ambiente, saúde, educação, reforma urbana, direitos das crianças e adolescentes, direitos da mulher, direitos dos trabalhadores e a emenda sobre a iniciativa popular de lei. Segundo Dalmo Dallari, a

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De fato, a greve geral convocada pela CUT foi tema de polêmica entre os participantes das mobilizações em torno das emendas populares, especialmente aqueles ligados ao Plenário Pró- Participação Popular, para quem a greve geral enfraqueceria a campanha das emendas populares (Cf. Michiles et all, opus cit., p. 70).

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Agricultores gaúchos partem para Brasília. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 3, 02 de outubro de 1987.

340

Em 12 de fevereiro de 1987, a União Democrática Ruralista (UDR), a Sociedade Brasileira Ruralista (SBR) e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) coordenaram uma grande passeata composta por uma massa de agricultores vinda de diversas partes do país – estimada em pelo menos 15.000 pessoas pela polícia e entre 20.000 e 25.000 pelos organizadores A passeata representou as transformações no comando e na representação dos agricultores, assim como a preferência da base por ações diretas: “Na semana da grande safra e do grande protesto, ele parece ter consolidado sua liderança: era [Ronaldo] Caiado, líder de uma entidade privada e “não reconhecida” pelo governo, quem falava pelos agricultores, em vez das lideranças cartoriais encasteladas em órgãos como a Confederação Nacional da Agricultura. À força de vaias, elas foram corridas do comando das manifestações. Fundador da UDR, originariamente criada para combater a reforma agrária, Caiado saiu de Brasília, com autoridade reconhecida pelos seus pares, depois de apenas 5 minutos de discurso, nascido a partir de uma recusa do presidente José Sarney em cumprimentá-lo durante uma solenidade no Palácio do Planalto. (...) Com os microfones desligados, [Caiado] pôs em votação, falando com um megafone, uma lista de protestos que inclui uma paralisação nacional do campo, com as máquinas fechando estradas e cidades, para o próximo dia 10, a inadimplência do crédito rural e a retirada de depósitos num grande banco, ainda a ser escolhido, num mesmo dia.”(VEJA. A Grande Safra. São Paulo, 18 de fevereiro de 1987, p. 21)

direita também soube aproveitar o instrumento, “promovendo as emendas populares pela criação do Estado do Tocantins e manutenção da estrutura do Sesc e Senac, do Sesi e Senai”341.

Segundo João Gilberto Lucas Coelho, na época diretor do Centro de Estudos e Acompanhamento da Constituinte da UnB e relator de várias emendas populares apresentadas pelos movimentos sociais, “Ao contrário do que muita gente pensa, o aproveitamento pela Constituinte das propostas populares foi bastante razoável. (...) A grande exceção ficou por conta da emenda popular que tratava da reforma agrária. Infelizmente, por causa de tantos impasses, esta proposta foi praticamente ignorada” 342 . As vitórias dos setores mais progressistas, parlamentares e extraparlamentares, nas etapas das Subcomissões, Comissões Temáticas e Comissão de Sistematização foram passos centrais para o aproveitamento de algumas emendas populares, especialmente porque 68% dos dispositivos presentes no texto final tiveram origem nestas etapas. O caminho de muitas emendas passaram pelo relatório da Comissão de Sistematização, no qual Bernardo Cabral aproveitou sugestões de 42 emendas populares, rejeitando integralmente 36 e considerando prejudicadas outras três emendas populares343.

Apesar de não haver ainda um levantamento rigoroso sobre o aproveitamento de cada dispositivo das emendas populares na Constituição promulgada, os dados da assessoria da Comissão de Sistematização da Constituinte e dos técnicos do Serviço de Processamento de Dados do Senado deram uma dimensão do sucesso das emendas populares, com um índice de aproveitamento superior ao das propostas dos próprios constituintes. Segundo o órgão, das 64.058 emendas apresentadas pelos constituintes, 17.375 (27%) foram aproveitadas. Ao mesmo tempo, das 122 emendas populares, 43 (35%) foram aproveitadas (na íntegra ou parcialmente) na nova carta Magna344.

Em outro levantamento feito pela pesquisadora Ernestina Gomes de Oliveira (do Núcleo de Estudos Constitucionais da Universidade Estadual de Campinas), o aproveitamento das emendas populares foi ainda maior. Ela calculou que “18

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Eleição em 1988 tem origem em emenda popular. O Globo, Rio de Janeiro, p. 2, 23 de novembro de 1987

342

João Gilberto traz texto popular. Correio Braziliense, Brasília, nº 9147, p. 7, 03 de maio de 1988.

343

Cf. SILVA, José Gomes da. Buraco negro: a reforma agrária na Constituinte de 1987-1988. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 167.

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Carta inclui as emendas populares. O Globo, Rio de Janeiro, p. 7, 03 de julho de 1988. É importante lembrar que, tendo havido emendas contrárias e favoráveis ao mesmo tema, logicamente a aceitação de uma significou a rejeição da outra.

emendas populares foram aprovadas na íntegra (representando 14,75% das emendas e 14,98% do número total de subscritores); 49 parcialmente aprovadas (40,17% das emendas e 50,91% dos subscritores); e 55 consideradas rejeitadas (45,08% das emendas e 34,1% dos subscritores). Portanto, 67 das 122 emendas populares haviam obtido algum aproveitamento de conteúdo no texto constitucional ao final do primeiro turno de votações”345.

Ressalta-se, entretanto, que mesmo quando aproveitadas (integral ou parcialmente), não necessariamente a aprovação se deu como causa direta de determinada campanha por uma emenda popular. Como qualquer impacto de movimentos sociais, o estabelecimento de uma relação causal depende muito de uma análise apurada sobre as especificidades de cada caso (especialmente porque certas matérias constitucionais tiveram várias origens, como sugestões, audiências, emendas populares e emendas individuais de constituintes). Mesmo assim, a partir da reconstrução histórica que permitiu a presente análise da mobilização social na Constituinte, é possível afirmar que várias emendas populares (patrocinadas ativamente pelos seus promotores) conseguiram influenciar a agenda de negociações. Isto é comprovado por Adolfo Oliveira (PL-RJ), um dos relatores-adjuntos da Constituinte, ao relatar que, durante os acordos de lideranças que precederam as votações no primeiro e no segundo turno da Constituinte, o conteúdo de muitas emendas populares foi discutido e aproveitado parcialmente ou integralmente346.

Dessa forma, ora exercendo o protagonismo ora sendo uma força auxiliar, os atores extraparlamentares contribuíram de forma significativa para o estabelecimento de um conjunto de leis e direitos. Para João Gilberto Lucas Coelho, “Hoje é possível afirmar que valeu a pena o enorme esforço participativo da população e longe esteve de ser desconsiderado, muito menos de haver sido pífio o aproveitamento dos conteúdos propostos. Produziu efeitos concretos sobre a norma constitucional e também outros resultados políticos, sociológicos e culturais” 347.

345

COELHO, João Gilberto Lucas. Processo Constituinte, Audiências Públicas e o nascimento de uma nova ordem. In: BACKES, Ana Luiza, AZEVEDO, Débora Bithiah de; & ARAÚJO, José Cordeiro de (orgs.). Audiências Públicas na Assembléia Nacional Constituinte: A Sociedade na Tribuna. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009, pp. 45-46. Ver também: Unicamp analisa os temas polêmicos. Gazeta Mercantil, São Paulo, p. 6, 18 de julho de 1988.

346

Povo reúne 12 milhões de assinaturas. Jornal de Brasília, Brasília, nº 4844, p. 7, 05 de outubro de 1988.

347

COELHO, João Gilberto Lucas. Processo Constituinte, Audiências Públicas e o nascimento de uma nova ordem. In: BACKES, Ana Luiza, AZEVEDO, Débora Bithiah de; & ARAÚJO, José Cordeiro de

Um dos complicadores para o trâmite e para o seu acompanhamento ao longo da Constituinte foi o processo de desdobramento das emendas populares, com a reapresentação do conteúdo em várias emendas individuais e coletivas de parlamentares. Isto foi uma estratégia utilizada pelos partidos de esquerda e pelos movimentos por trás das emendas para superar as redações extensas e generalizadas das propostas populares348. Outra razão para a manobra foi a tentativa de assegurar,