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Impactos da interação entre as dinâmicas da participação popular e

A abordagem de diferentes autores e teorias sobre movimentos sociais tratou, como destaquei no primeiro capítulo, o problema da interação entre a ação institucional e a ação não-institucional de forma problemática ou insuficiente. Tanto as diversas versões do paradigma do comportamento coletivo quanto a Teoria de Mobilização de Recursos, com abordagens diametralmente opostas acerca dos movimentos sociais, estabeleceram uma distinção radical entre estas duas dinâmicas309. Já a Teoria dos Novos Movimentos Sociais inverteu o sentido da separação entre a política institucional e não-institucional, enfatizando a disputa dos movimentos sociais por projetos culturais no interior de um espaço social apartado do Estado e do Mercado.

No entanto, o arcabouço conceitual da Teoria do Processo Político e do

Contentious Politics permitiu, ao longo desta dissertação, a realização de uma análise

que se apoiasse no espaço turvo da interação entre as ações dos atores institucionais (especialmente dos parlamentares da Constituinte) e as ações dos atores extraparlamentares. As fronteiras entre os atores foram analisadas tendo em vista a sua permeabilidade, nem o Estado nem a sociedade foram vistos como entidades “monolíticas”. O primeiro foi representado, na ANC, por grupos múltiplos de parlamentares de todo o espectro político, com maior ou menor grau de abertura à participação popular e com alianças diferenciadas em relação ao poder Executivo. A

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Para o Paradigma do Comportamento Coletivo, a ação institucional-convencional, orientada pelas normas sociais vigentes, seria incompatível com o comportamento coletivo não-institucional, que (por ser uma consequência de situações indefinidas e não-estruturadas) provocaria, enquanto durasse, o colapso dos órgãos de controle social ou o colapso da integração normativa. Já para a Teoria de Mobilização de Recursos, a distinção se dá pela visão de que as ações não-institucionalizadas por meio da mobilização coletiva são formas pelas quais os grupos desprovidos de certos recursos, face às barreiras da política institucional, buscam a realização de interesses.

sociedade também foi vista sob a ótica dos seus grupos diversos de atores, incluindo tanto os setores mais progressistas quanto os mais conservadores, que se mobilizaram para influir na opinião pública e, principalmente, para interferir nos trabalhos da Constituinte.

O que fica evidente com a análise da mobilização social na Constituinte, é que a interação entre os atores extraparlamentares e parlamentares foi muito mais complexa e profícua do que a literatura sobre o tema havia explorado. Esta interação alterou a dinâmica da ANC e resultou em picos de mobilização, em geral associados com as mudanças na Estrutura de Oportunidades e Ameaças Políticas que ora os movimentos conseguiram criar, ora foram ditadas pelo contexto do processo legislativo.

Essa complexidade se tornou visível a partir do uso de uma compreensão ampla do repertório de ações coletivas, incluindo tipos de ações que alguns autores deixam de observar e que se mostraram extremamente importantes no contexto analisado, principalmente, as reuniões com constituintes. Além disso, também foram importantes as reuniões de formação/consolidação de algum movimento social específico; as reuniões destinadas à articulação entre os diferentes movimentos; o uso de propagandas televisivas e de exposições artísticas; e outras ações de caráter mais “institucional” relacionadas às especificidades da ANC (como as campanhas das emendas populares).

Mesmo com esta compreensão ampla do conceito, foi possível observar que o repertório de ações coletivas empregado foi supreendentemente estreito, tendo sido mais diversificado apenas num curto espaço de tempo (nos três meses da terceira fase de mobilização social). Isto, somado às mudanças observadas no uso desses repertórios de ação nas diferentes fases da Constituinte, indica que os movimentos adaptaram as suas estratégias para serem mais eficazes e aproveitarem melhor as oportunidades (e reagirem às ameaças) que caracterizaram cada etapa.

A principal adaptação aconteceu por conta da inclusão do dispositivo de “emendas populares” no Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte (RIANC). Este foi certamente o principal mecanismo de legitimação e de conquista de poder efetivo dos movimentos sociais. Ele foi complementado por outros dispositivos presentes no RIANC, como as audiências públicas nas subcomissões e a possibilidade de que Assembleias Legislativas, Câmaras de Vereadores, Tribunais e entidades representativas de segmentos da sociedade enviassem sugestões às

comissões e à Presidência da ANC. Também foram asseguradas a publicidade das votações, através da regulamentação da presença nas galerias do Plenário e da exigência de que as matérias constitucionais fossem votadas pelo processo nominal (e não por votação simbólica ou secreta).

A consequência mais profunda desse conjunto de dispositivos, conquistados no Regimento Interno por meio da aliança entre movimentos sociais e parlamentares tanto de esquerda quanto de centro, foi a institucionalização da interação entre os atores extraparlamentares e os parlamentares. É certo que nem toda interação foi institucionalizada, mas o norte geral das relações foi estabelecido pelas oportunidades abertas pelos mecanismos do Regimento Interno, que vieram acompanhadas da normatização de canais de diálogo e de formas de ação.

De um lado, a dinâmica político-legislativa se transformou com a presença popular. Incorporou-se, à rotina da ANC, a presença constante de ativistas nos seus corredores e gramados, que defenderam as mais diversas propostas e interpelaram todos os constituintes presentes. Ainda, o próprio trabalho inicial das subcomissões e comissões temáticas contou com quase duas centenas de audiências públicas. Como vimos no capítulo anterior, 974 especialistas e representantes de entidades da sociedade foram ouvidos pelos constituintes e tiveram a oportunidade de apresentar as suas sugestões. A diversidade e a riqueza das contribuições foi ressaltada pelos constituintes e participantes310, produzindo uma influência dispersa nos anteprojetos escritos pelas subcomissões e comissões temáticas311.

A dinâmica político-legislativa foi novamente marcada pela presença popular regulamentada em um espaço institucional (desta vez, na Comissão de Sistematização) na ocasião da apresentação das 83 emendas populares que cumpriram todas as exigências regimentais. Apesar da queda na mobilização social no período e da modesta presença de constituintes nas sessões de defesa das emendas populares (pelas razões já expostas no capítulo anterior), este espaço institucional serviu para esclarecer os constituintes (especialmente o relator Bernardo Cabral) acerca do conteúdo e das razões de cada emenda popular (cada qual legitimada por milhares de assinaturas). Em alguns casos, como o das emendas sobre os direitos da criança e do adolescente, o efeito foi imediato (com a inclusão do conteúdo já no projeto da

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Ver COELHO, João Gilberto Lucas. Uma Constituinte que ousa. In: Jornal da Constituinte. Brasília, DF, n. 3, 15 jun. 1987.

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Anteprojetos das Subcomissões e Comissões Temáticas que foram responsáveis por 42% da redação final dos dispositivos contidos na Carta Magna. Cf. Praça & Noronha, opus cit., 2009, p. 8.

Comissão de Sistematização); em outros casos, como o dos direitos indígenas, o espaço serviu para colocar temas na agenda pública (da ANC e da mídia), contribuindo para as posteriores ações coletivas em defesa das respectivas emendas populares.

Para além destes dois conjuntos de eventos onde o espaço institucional da ANC foi protagonizado por atores extraparlamentares, houve também uma série de momentos nos quais a dinâmica político-legislativa extrapolou os seus limites em função da interação com estes mesmos atores extraparlamentares. Isto, longe de ser uma exclusividade da ANC, foi reforçado pela intensificação desta interação no período da Constituinte de 1987-88.

Explico, para muitos parlamentares os eventos promovidos pelos movimentos em torno das emendas populares eram uma oportunidade para entrarem em contato com os seus eleitores e com ativistas que defendiam causas semelhantes às suas. De fato, dos 225 eventos promovidos por movimentos, associações e sindicatos, um quarto (57 eventos) contou com a participação de constituintes312. Não era só o “povo” que ia até o Congresso, os próprios constituintes também buscavam ir até o “povo”. A despeito das possíveis demagogias e das diferenças numéricas e ideológicas desta participação constituinte nos espaços populares, a sua frequência foi significativa, reunindo, por vezes, parlamentares de todo o espectro político em um mesmo evento. Esta participação constituinte esteve, em boa parte dos casos, relacionada aos canais criados pela interação institucionalizada.

É emblemática a literal transposição da Assembleia Nacional Constituinte para fora do Congresso Nacional: no dia 6 de maio de 1987, a Subcomissão das Populações Indígenas realizou uma Audiência Pública Extraordinária na Aldeia Gorotire, no sul do Pará313. O próprio mecanismo das emendas populares também teve parte deste efeito simbólico por ter possibilitado aos eleitores de todos os estados a expressão das suas preferências em emendas que tramitaram no interior da ANC – de certa forma, a Constituinte também esteve presente nas mãos das mais de doze milhões de pessoas que assinaram as emendas populares.

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Destes 57 eventos em que houve a presença de constituintes, temos notícias do número exato ou aproximado de parlamentares em 13 casos: em 8 casos a participação foi superior a 10 constituintes; em dois casos ela foi de cerca de 50 constituintes e em outros três casos ela chegou a cerca de 100 constituintes.

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Faziam parte da comitiva recebida pelos caciques Kayapó, os constituintes Ivo Lech (presidente da Subcomissão; PMDB-RS), Benedita da Silva (PT-RJ), José Carlos Sabóia (PMDB-MA), Salatiel Carvalho (PFL-PE) e Ruy Nedel (PDT-RS).

Ainda, cabe relembrar a análise da Estrutura de Oportunidades Políticas no processo de redemocratização (capítulo 2), na qual um dos reflexos das crises do estado desenvolvimentista e político-institucional foi o cenário de fragmentação do poder na Constituinte314 (especialmente no seu primeiro ano). Neste contexto onde os setores conservadores demoraram para se reorganizar, a institucionalização da participação popular, por ter sido aproveitada principalmente (mas não exclusivamente) pelos movimentos, sindicatos e associações de caráter mais progressista, acabou por potencializar a ação do grupo minoritário de parlamentares de esquerda e centro-esquerda ao longo da Constituinte, inclusive ao reagir (e limitar) ao avanço conservador depois do advento do Centrão315.

Um exemplo de como a bancada de parlamentares da esquerda aproveitou a pressão exercida pelos movimentos sociais para conseguir algumas conquistas no processo constituinte é relatado em entrevista pelo ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio:

“Bom, fizemos o primeiro turno. Aí ia para a Comissão de Sistematização. Quando nós começamos a ganhar na Sistematização, a direita se assustou. Eu não tenho elementos, tudo isso aconteceu fora do meu alcance, isso contavam para mim. Eu estou convencido que foi gente de fora. E foi multinacional forte, deve ter vindo Volkswagen, deve ter sido a Ford, esses banqueiros grandes. Reuniram-se num hotel chamado Carlton. Um nome muito sugestivo, Hotel Carlton. Nome de hotel de mistério. Reuniram-se lá e disseram “Não, isso não pode continuar. Isso precisa dar um breque, isso é um absurdo”. Porque o que aconteceu? Com a pressão popular, o quadro da CUT e essa atividade tremenda – 30 mil pessoas a vaiar o sujeito da direita, a jogar moeda no Plenário quando eles votavam contra a classe trabalhadora -, eles vinham e ficavam na nossa bancada. De lá, subiam na galeria e jogavam moeda no pessoal lá

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Fragmentação do poder expressa: pela ausência de um anteprojeto oficial; pelo arranjo regimental descentralizador; pela desorganização dos atores políticos mais conservadores no momento inicial da Constituinte; e pela diminuição do poder de condução do processo Constituinte por parte do Executivo (em função das oscilações na base de apoio ao governo Sarney e aos questionamentos acerca da legitimidade da duração do seu mandato).

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A reação ao Centrão foi mais significativa no caso do movimento sindical, que radicalizou as suas ações, denunciando as manobras e as intenções dos deputados do Centrão. Radicalização esta que não o excluiu (talvez até tenha fortalecido as suas credenciais para participar) da mesa de negociações acerca dos direitos trabalhistas. No entanto, as ações mais agressivas do movimento sindical ao mesmo tempo em que fortaleceram as credenciais para as negociações, também limitaram as suas capacidades de formar acordos e amplos apoios político-partidários: “Além da articulação dos empresários, o "lobby" dos trabalhadores irá enfrentar resistências políticas das mais variadas facções. "Estamos órfãos", reclama Jair Meneguelli da CUT. Ele acredita que as posições que defende só encontrarão eco junto a representantes do PT, PDT e PSB. E diz que o diálogo com algumas lideranças do PFL, PDS e até mesmo do PTB foi impossibilitado "a partir de algumas ações da CUT".” (O movimento sindical traça suas estratégias para o segundo turno. Gazeta Mercantil, São Paulo, p. 8, 21 de junho de 1988).

embaixo. Então, os deputados da direita sumiram do Plenário. E quando eles sumiram do Plenário, nos deram uma vantagem enorme, que era a seguinte: para funcionar tem que ter um quórum mínimo. Se não tem o quórum mínimo, só funciona se os líderes não pedirem verificação de voto, de presença, de quórum. E a nossa moeda de troca era a seguinte: quer funcionar? Tem que passar alguma coisa nossa. Como nós não estávamos na radicalidade absoluta, mas numa fórmula de conciliação, funcionava. Nós ganhávamos. O termo intermédio a gente conseguia e eles sumiram do Plenário, até porque tinha uma eleição municipal e eles estavam preocupadíssimos em eleger o pessoal deles.”316

De forma inversa, os deputados dos partidos de esquerda também aproveitaram as suas prerrogativas parlamentares para potencializar as emendas populares na ANC. Um expediente utilizado pelo PT, segundo relato do constituinte José Genoíno, era a ordem de entrada das emendas para ir ao debate:

“Se vocês olharem, toda a lógica do Regimento Interno era a seguinte: as emendas ingressavam por ordem de entrada, pelo número de entrada. Por isso que eu às vezes dormia na Câmara, para ser o primeiro a entregar a emenda na fila. Então, quem está lá, se pode, quer abrir às oito. Aí eu entregava do mesmo assunto três emendas, três: uma radical, uma moderada e uma intermediária. Fazia um festival de emendas! A bancada do PT era pequena, tinha 16 deputados. Então, como era por ordem de entrada, não adiantava o PMDB entrar com emenda, porque a minha estava em primeiro. A gente botava as emendas populares na frente. Como a gente tinha uma aliança com as iniciativas populares, a gente botava na frente, para poder ir ao debate”317. Do outro lado, a dinâmica da participação popular também foi transformada de forma significativa pela institucionalização da interação com a política-legislativa. Como vimos no terceiro capítulo, a maior parte da mobilização social ao longo da Constituinte girou em torno das possibilidades e dos limites criados pelos dispositivos presentes no RIANC. O uso do mecanismo das emendas populares, a despeito das suas restrições, foi o principal responsável pelo crescimento do número de mobilizações relacionadas à Constituinte, que passou de 7 eventos em março de 1987 (quando se assegurou o mecanismo no Regimento Interno) até o seu ápice de 24 eventos em agosto de 1987 (quando os movimentos entregaram as emendas).

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Entrevista com Plínio de Arruda Sampaio. Grupo de Pesquisa “Em Busca do Processo Constituinte, 1985-88”. Projeto CNPq nº 485363/2007-0. 28 de setembro de 2008, pp. 10-11.

317

Entrevista com José Genoíno. Grupo de Pesquisa “Em Busca do Processo Constituinte, 1985-88”. Projeto CNPq nº 485363/2007-0. 04 de julho de 2008, p. 5.

Os mecanismos regimentais que alteraram a dinâmica da participação popular também mudaram, ao menos no período da Constituinte, os posicionamentos característicos de alguns movimentos em relação ao Estado. Ana Maria Doimo, ao analisar o caso brasileiro pós-70, defende que há uma ambiguidade característica dos movimentos sociais cuja raiz estaria na dupla face em que estes movimentos operam ao realizarem ações-diretas contra os detentores de poder: uma “face expressivo-

disruptiva, pela qual se manifestam valores morais ou apelos ético-políticos tendentes

a deslegitimar a autoridade pública e a estabelecer fronteiras intergrupos, e a face

integrativo-corporativa, pela qual se buscam conquistar maiores níveis de integração

social pelo acesso a bens e serviços, não sem disputas intergrupos e a interpelação direta aos oponentes”318. Deste modo, em um processo de democratização e de abertura da sociedade, tornou-se mais premente a escolha dos movimentos entre interagir positivamente com a institucionalidade política ou adotar uma perspectiva expressiva, de poder duplo e autônomo, negando qualquer conexão com o Estado ou as suas agências. Sendo frequente, ainda, a adoção de uma posição mista e dúbia. A urgência e importância desta escolha aconteceu (e ainda acontece) também por conta da intensificação do que Habermas chamou de “colonização do mundo da vida” pela razão instrumental; impondo uma lógica economicista e de resultados, de eficácia e eficiência no âmbito dos movimentos sociais319.

Na Constituinte, a institucionalização da interação da participação popular com a política-legislativa (principalmente por meio da conquista do mecanismo das emendas populares no regimento interno) contribuiu para a superação do dilema dos movimentos que se apresentava no período pré-constituinte, qual seja, entre a proposta do Movimento Nacional pela Constituinte de promoção de “Constituintes Populares Paralelas” (potencializando a “face expressivo-disruptiva”) versus mobilizar a sociedade para exercer uma pressão focalizada em cima dos trabalhos constituintes, buscando vitórias concretas na nova legislação (potencializando, portanto, a “face integrativo-corporativa”). A percepção, por parte dos ativistas, de que a possibilidade de interferência direta no processo legislativo abria novas perspectivas na Estrutura de Oportunidades Políticas fez com que eles priorizassem os mecanismos conquistados. Isto balizou as mobilizações e minimizou os conflitos em relação àquela disputa de estratégia.

318

DOIMO, A Vez e a Voz do Popular, opus cit., p. 69.

319

A defesa e a incorporação desta institucionalização da interação junto à esfera político-legislativa significou, consequentemente, uma legitimação (apesar de todas as polêmicas sobre a exclusividade e a soberania que envolveram a convocação e instauração da ANC) daquele processo institucional. Em suma, os movimentos populares aceitaram as “regras do jogo” e procuraram desenvolver estratégias para maximizar a sua influência sobre os deputados e aproveitar o seu poder de interferência direta no processo constituinte.

Esta limitação no repertório de ações dos movimentos320 se manifestou também na virtual ausência de ações disruptivas, levando-nos à conclusão de que a institucionalização da participação popular no processo Constituinte resultou numa supremacia do uso de ações pacíficas e no respeito à ordem institucional321. Mesmo o movimento sindical, que foi mais assertivo em alguns momentos, em geral se manteve dentre dos limites institucionais do processo constituinte322 e priorizou as “pressões intramuros”323. Assim, apesar do número significativo de ações coletivas e de toda a diversidade dos atores sociais que participaram do processo Constituinte,

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Expressa pelo abandono da estratégia de realizar “Constituintes Populares Paralelas”.

321

Como já discutimos no capítulo anterior, além da influência da priorização dos mecanismos de participação popular, outros fatores reforçaram (em menor grau) a opção por ações pacíficas dos atores extraparlamentares, como: o receio dos movimentos em provocarem algum retrocesso no frágil processo de transição democrática; as limitações impostas pela posição (no período pré-Constituinte) de defensores da soberania da Constituição também fragilizava qualquer ação mais disruptiva contra a ANC; assim como a avaliação da maioria dos movimentos de que a melhor opção estratégica em 1988 seria defender as vitórias (insuficientes, mas significativas) presentes no projeto de Constituição que saiu da Comissão de Sistematização e nas emendas populares apresentadas, colocava-os não numa disputa externa do “tudo ou nada”, mas sim no interior do processo de negociação.

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A única exceção foi no dia em que o Centrão conseguiu 290 votos para alterar o Regimento Interno da constituinte. Os membros das entidades sindicais (CUT, CGT e CNTI), que realizavam uma reunião em um dos auditórios do Congresso Nacional, foram alertados pelo deputado Paulo Paim (PT-RS) da vitória iminente do Centrão, imediatamente os sindicalistas tomaram conta das Galerias gritando “Para o Centrão, o paredão!” e “passaram a agredir os parlamentares com qualquer material que lhes caía a mão: papel higiênico, moedas, canetas – até uma sandália havaiana foi jogada sobre o plenário. (...) Mais tarde, quando o Centrão completou seu 280º boto, a baderna tornou-se ainda pior – os deputados passaram a ser atingidos por cusparadas. Quando deixavam o plenário, eram perseguidos, nos corredores, por bandos de sindicalistas que ameaçavam espancá-los.” (O voto ganha do grito. In: VEJA. São Paulo: Ed. Abril, 9 de dezembro de 1987, pp. 36-37). Apesar do episódio de confronto com os deputados do Centrão, os sindicatos logo voltaram às estratégias menos disruptivas, realizando uma série de reuniões com os constituintes do Centrão para negociarem as pautas. Apesar do veto do