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O ARCEBISPO EM TEMPOS DE REPRESSÃO E AUTORITARISMO

D. AVELAR: PRIMAZ DO BRASIL E CARDEAL DA IGREJA

Bahia: Desenvolvimento e exclusão

A Bahia desenvolveu-se consideravelmente entre as décadas de 50 e 70, se alinhando à perspectiva industrial do Sul-Sudeste do Brasil. O Estado foi contemplado com vultosos investimentos da Petrobrás e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Os investimentos pesados do governo Federal principalmente nos setores de metalurgia, mecânica e química alavancaram o desenvolvimento do estado. Desse processo surgiu o Centro Industrial de Aratu (CIA), em 1966, e no final da década de 70, o Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC). A Região Metropolitana de Salvador foi uma área de grande desenvolvimento econômico e experimentou uma enorme transformação sociocultural.1

Até a década de 40 do século XX, a economia baiana estava estagnada. A base econômica do estado ainda se alicerçava em um modelo agroexportador. Entre os produtos de exportação da economia baiana destacavam-se o cacau, o açúcar e o fumo. A dependência em relação aos commodities limitava a possibilidade de expansão para a economia da região, já que era suscetível as inconstantes variações dos preços no mercado internacional. Até a metade do século XX, a Bahia permanecia um dos estados menos urbanizados do país. Salvador, a capital do estado, encontrava nas atividades de comércio e administração pública, seu principal suporte econômico. (BRANDÃO, 1985, p.88-90)

As indústrias na Bahia, apesar de certa diversidade, representavam economicamente muito pouco ao estado. A indústria têxtil e fumageira eram insuficientes, sendo um apêndice do modelo primário-exportador. A participação da Bahia no produto industrial brasileiro correspondia a 1,3% do país em 1940. Problemas na má infraestrutura viária, o fraco mercado interno, baixos níveis de escolaridade da população, atraso tecnológico só agravavam a situação: “a economia baiana conheceu, do final do século XIX aos anos 1930-1940, um período de lento crescimento, marcado pelo

1 A Região Metropolitana de Salvador (RMS), conhecida também como Grande Salvador, foi criada em

1973 e compreende os municípios de Camaçari, Candeias, Dias d'Ávila, Itaparica, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Mata de São João, Pojuca, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Simões Filho, Vera Cruz além de Salvador.

débil dinamismo ou pela instabilidade de suas atividades agroexportadoras (...) e, ainda, por baixas taxas de expansão urbana e industrial.” (ALMEIDA, 2008, p.20

Durante a década de 50, esse cenário começou a se reverter. O Governo Federal tentando solucionar o problema do atraso do Nordeste brasileiro buscou proporcionar mudanças estruturais à região e o estado da Bahia foi um dos mais beneficiados, recebendo altos investimentos estatais nesse período. O Banco do Nordeste do Brasil (BNB), criado em 1952, apoiava financeiramente este processo de industrialização e a criação da SUDENE, em 1959, expandiu a oferta de financiamentos públicos. A Bahia - especialmente Salvador e cidades circunvizinhas – desenvolveu-se aceleradamente. A conclusão da ligação rodoviária Rio-Bahia (BR-116), em 1949, permitiu o rápido desenvolvimento do comércio interestadual e acelerou o processo de conexão entre a economia regional e o centro industrial do país. A construção da usina hidroelétrica de Paulo Afonso (1954) ampliou a oferta de energia elétrica para o consumo industrial no estado, eliminando um dos principais pontos de estrangulamento da economia regional.

Um dos mais importantes agentes de desenvolvimento econômico do período no estado foi a Petrobrás, criada em 1953, que se concentrou na exploração e refino do petróleo no Recôncavo baiano. O estado durante décadas foi o principal produtor de petróleo do Brasil. A estatal assumiu e dirigiu a importante refinaria Landulpho Alves (RLAM), em Mataripe, que tinha sido criada ainda em 1950, ampliando a extração de petróleo. Os investimentos da empresa estatal provocaram um incremento considerável da renda gerada no estado. Em 1959, os investimentos da Petrobrás na exploração e refino do petróleo foram equivalentes a 59,9% do PIB industrial da Bahia e a 7,9% do seu PIB total (CEPLAB, 1978, p. 14). A partir do final da década de 50, a indústria química já tinha se tornado uma importante força econômica no estado.

Em 1967, foi criado o Centro Industrial de Aratu (CIA), um complexo industrial multissetorial, localizado nos municípios de Simões Filho e Candeias. O CIA se consolidou como um polo de crescimento industrial com empreendimentos nos segmentos químico, metal-mecânico, de minerais não metálicos, plásticos, fertilizantes, entre outros. Quando a década de 60 chegou ao fim, a Bahia já tinha entrado em um processo de industrialização sem volta e que se acentuaria ainda mais na década de 70, principalmente com a criação do Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC), em 1978. Como afirma o economista Gustavo Pessoti (2014, p.151) “foi, justamente, na época em que vigorava o regime militar brasileiro, o período de maior industrialização da Bahia”. Entretanto, essa industrialização e desenvolvimento no estado não se traduziu em

uma busca pela equidade e como consequência se ampliou a desigualdade social, o crescimento desordenado da capital do estado e o aumento da pobreza.

Todas essas transformações pelos quais passava o estado naquele momento estão reproduzidas nos documentos da Arquidiocese de Salvador. Os planos anuais da arquidiocese demonstram a percepção do governo arquidiocesano perante aquele momento histórico e os problemas que o clero encontrava. Em 1965, a Igreja baiana confirmava o desenvolvimento que o estado passava: “O Estado da Bahia (...) vem se firmando como ponto estratégico para o desenvolvimento do Brasil, tanto pelas possibilidades do subsolo como pela nascente industrialização”.2 Mas, como os próprios

documentos da arquidiocese destacaram os problemas sociais só se acentuariam.

No Plano de Pastoral de Conjunto de 1967 demonstrava o problema do inchaço que a capital do estado estava sofrendo: “Salvador, onde se desenvolve, nos últimos 25 anos, um enorme desordenado crescimento demográfico”. Segundo o documento, o Censo de 1940 registrava uma população de um pouco mais de 290 mil pessoas na cidade, enquanto para o ano de 1960 já tinha ultrapassado 650 mil pessoas. Ou seja, em 20 anos a população mais que dobrou. Como consequência direta desse crescimento desordenado, na década de 1970, as invasões se tornaram um grande problema social da capital, tanto pelos desastres (enchentes, deslizamentos, incêndios etc....) que matavam os moradores; quanto pela truculência do Estado em usar a força bruta para desalojar quem morava nestas invasões. Esta era a outra face do desenvolvimento da capital: “Embora Salvador participe duma parcela privilegiada do surto industrial que se registra no Estado nesses últimos anos, cresce cada dia (aumento quantitativo, por migração) a população marginal e a falta de alojamentos. Em poucos centros urbanos do país verifica-se uma porcentagem tão elevada de subempregos”.3

A capa do Plano de Pastoral da arquidiocese do ano de 1968 é sugestiva dos problemas que o desenvolvimento do estado estava passando capitaneado pela indústria petrolífera:

2 Arquidiocese de Salvador Atividades desenvolvidas em 1965 e Plano de Pastoral de Conjunto para

1966. (Arquivo do Seminário Central São João Maria Vianney)

3 Plano de Pastoral de Conjunto da Arquidiocese de Salvador – 1967. (Arquivo do Seminário Central São

Plano de Pastoral de Conjunto da Arquidiocese de Salvador 1968. Arquivo do Seminário Central São João Maria Vianney

Como o clero alertava: “As já tão familiares torres de petróleo trazem profundas transformações à secular sociedade rural sem que a vida da fé do povo esteja preparada para acompanha-las”. O desenvolvimento do estado não era motivo de comemorações: “De outro lado, 1967 foi um ano decisivo para a implantação da cidade (sic) Industrial de Aratu. Se este parque industrial promete aliviar o peso do subemprego para Salvador, não deixará de criar também novos problemas humanos e pastorais”. E, avisava: “A explosão demográfica não foi acompanhada nem por um aumento proporcional de empregos, nem por planejamento urbanístico, nem por serviços de saúde e educação”.4

Nesses documentos está presente uma denúncia constante da falta de empregos ou da criação apenas de subempregos para a maioria da população, apesar do grande desenvolvimento do estado. Essa aparente contradição explica-se pelo tipo de indústrias implantadas na Bahia como nos mostra o economista Paulo Henrique Almeida (2008, p.26): “A opção por uma indústria de bens intermediários, centrada em grandes plantas automatizadas de produção contínua, resultou em limitada criação de empregos diretos.”

4 Plano de Pastoral de Conjunto da Arquidiocese de Salvador 1968. (Arquivo do Seminário Central São

É interessante no entanto constatar que nesses Planos Pastorais que estavam abordando os problemas da industrialização no estado, em momento algum responsabiliza-se o Governo Federal ou Estadual pelo modelo de desenvolvimento excludente que estava sendo implementado. Era como se esse processo de industrialização tivesse sido criado do nada. Criticava-se as consequências, mas não se procurava analisar as causas. Apontava a fumaça, mas não se via o fogo.