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O “capeta” foi ser seminarista

Era 13 de junho de 1912, dia de Santo Antônio de Pádua, um dos santos mais queridos do Nordeste do Brasil, conhecido como o santo casamenteiro. A cidade agropecuária de Viçosa, no estado de Alagoas, com um pouco mais de 30 mil habitantes, estava animada pelas comemorações que davam início às festas juninas. Neste dia festivo, dona Isabel Brandão Vilela, mais conhecida como dona Bilinha, casada com um primo, o dono do engenho Mata Verde, Elias Brandão Vilela, de alcunha Capitão Sinhô, trazia ao mundo o seu sexto filho. Como era comum na época, a linhagem era numerosa e ela ainda seria mãe mais 4 vezes completando uma prole de 10 filhos divididos igualmente entre 5 homens e 5 mulheres. Como combinado entre os pais, Capitão sinhô escolheria o nome dos meninos, enquanto Dona Bilinha escolheria o das meninas. E nesse dia nasceu um garoto. O pai resolveu batizá-lo com o nome de Avelar Brandão Vilela. (VASCONCELOS FILHO, 2012, p.19-31)

A família do menino Avelar era de tradicionais senhores de Engenho. O seu avô paterno, José Aprígio Vilela, foi um famoso proprietário que fez fortuna e marcou a história da cidade. O seu pai herdou o engenho Mata Verde, mas nunca se mostrou muito ligado ao trabalho com a terra como seu genitor. Apesar de não ter feito uma carreira de nível superior, amava ler os livros e jornais que chegavam da capital Maceió. Passava horas na rede lendo. Senhor Elias achava que a vida na agricultura não dava futuro, e por isso não queria que seus filhos seguissem o mesmo caminho. Assim que completassem uma certa idade mandava-os estudar fora da cidade para não seguir a sina do pai. Queria ver os filhos “doutores”.

Viçosa era uma cidade pequena na zona de mata alagoana. A região é cortada pelo Rio Paraíba e seus afluentes. O relevo é muito acidentado, com serras e vales, por isso, no passado, a região foi escolhida pelos negros que fugiam dos engenhos para abrigar parte do quilombo dos Palmares. A economia estava em forte desenvolvimento e era centrada na criação de gado e no plantio de cana-de-açúcar. Era uma das cidades mais importantes do estado de Alagoas. As famílias Brandão e Vilela eram duas das mais

tradicionais da localidade. Entretanto tinham reconhecimentos diferentes. Os Brandão tinham fama de sisudos e os Vilela de pândegos. Havia um ditado popular que dizia “onde tem zabumba, cachaça e mulher, tem Vilela”. Talvez seja por isso que o menino Avelar sempre se apresentaria como Brandão, enquanto o irmão Teotônio, como Vilela. (ALVES, 1983, p.33).

Aquela geração familiar que fazia parte Avelar seria ilustre para Alagoas e para o Brasil. Além de sair um futuro Cardeal e um Senador da República, Teotônio Vilela; o primogênito da família, José Aloisio Brandão Vilela, foi um reconhecido folclorista alagoano, autor de vários livros sobre o assunto e membro da Academia Alagoana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.1 Um primo muito próximo da família, Theotônio Vilela Brandão, conhecido como Théo Brandão, grande amigo de Teotônio Vilela, foi um outro expoente no estado. O intelectual mais respeitado da família. Médico, folclorista e professor universitário, também foi membro da Academia Alagoana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, e autor de importantes trabalhos sobre o folclore em Alagoas, tornando-se uma referência até hoje nos estudos sobre a temática.2

Todos os filhos da família Brandão Vilela começavam a aprender o ABC e a tabuada com a mãe. Ela cobrava as lições enquanto costurava. Eles já iam para a escola com algum conhecimento básico. A primeira professora fora de casa do menino Avelar foi dona Eufrosina Maria Silva que, segundo ele, “plantou no meu espírito que então se abria, curioso e tímido, para os apelos da vida intelectual, as primeiras sementes do saber”. Depois ele teria como professor, o baiano João Domingues Moreira, proprietário do Ginásio Viçosense a quem, segundo ele, o “preparou com esmero para iniciar o curso de ensino médio, no seminário de Maceió.” Por ter sido sempre um ótimo aluno, Avelar Brandão não sentiu “sua vibrante régua disciplinar e sua respeitável palmatória sempre tão temidas”.3

O professor João Domingues também trazia boas lembranças de Avelar Brandão. Como relatou, o menino “era vivo, robusto de corpo e de talento, nas sabatinas e nas rixas escolares tundava os companheiros.” Segundo ele, nas matérias estudadas em sua escola

1 “José Aloisio, Alma do povo”. Jornal de Alagoas, 10-09-1976

2http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=1

80&Itemid=1. Acesso em 03-01-2018

- português, francês, inglês, história do Brasil, história universal, geografia, matemática, ciências físicas e naturais – “Avelar passou por elas galhardamente”. E ainda concluiu: “como vi que o menino tinha asas aquilinas para se arremessar pelas alturas infinitas, procurava sempre saber notícias dele. Eram ótimas”. (VASCONCELOS FILHO, 2012, p.27)

Descontando os arroubos do professor que foram proferidos depois que Avelar já era um bispo, de fato o menino era um ótimo aluno, gostava de aprender. Esforçava-se para se destacar. Tinha personalidade forte. Neste momento já era enfatizada a vaidade do garoto que queria ser sempre o melhor aluno. Esse é um pecado capital que ele carregaria durante toda a vida. Além disso era um menino que adorava andar a cavalo, brincar, jogar bola, gamão. O garoto Avelar era muito traquino, como lembrou seu irmão Teotônio Vilela: “eu era o contrário do Avelar, que era um capeta (...) o Avelar pintava o raio, inventava cores e tal, aquela trapalhada”. (VILELA, s/d, p.12).

Teotônio Vilela falava do irmão Avelar com respeito e admiração. O respeito não era só filial com o irmão mais velho. Avelar sempre foi a maior influência da família no menino e depois no homem, Teotônio, a quem ele pedia conselhos. Mesmo depois de adulto, tratava-o com deferência. Quando D. Avelar ia visitá-lo em sua casa, ele não fumava e nem bebia. Aliás, ele largou o vício justamente no mesmo ano que o seu irmão se tornou Cardeal. (MARCHI, 2017, p.108) Sua primeira viagem internacional foi justamente para ver D. Avelar tornar-se Cardeal, e ele fez questão de relatar isso na tribuna do Senado com toda a emoção que poderia descrever:

De súbito, é pronunciado o nome de Avelar, que se aproxima de Paulo VI, recebe a imposição do barrete cardinalício. Eis o Cardeal Vilela, filho de Elias e Isabel, nascido no município de Viçosa de Alagoas. Senti o coração comprimir-se, como num estrangulador afago íntimo, para depois dilatar-se, tal qual um balão de sopro nos lábios de criança (...) o menino de engenho que comigo cresceu no universo de Engenho Mata Verde (...) nossa imaginação e nosso ardente viver repousavam unicamente no engenho. Dali saiu Avelar para o seminário e eu para o colégio (...) Nos braços do meu irmão e amigo, as palavras não diziam nada: éramos duas crianças chorando de alegria e paz. (ANAIS DO SENADO, 1973, p. 202-203)

Avelar, sempre que visitava Teotônio, ficava horas jogando gamão e conversando sobre todo tipo de assunto. Uma das conversas mais difíceis do menestrel de Alagoas com o irmão foi quando ele tentou explicar, o porquê, em 1977, votaria a favor da Emenda constitucional que instituiria o divórcio no Brasil. Ele queria a permissão de D. Avelar que era categoricamente contrário a esta Emenda. Depois de um debate difícil, os irmãos

se entenderam. Como em um teatro de faz de conta, D. Avelar fingia que liberava Teotônio para votar de acordo com sua consciência e Teotônio fingia que precisava dessa aprovação. (MARCHI, 2017, p.109-110)

O menino Avelar Brandão viveu em um ambiente familiar católico. Foi batizado, crismado e fez a primeira comunhão na mesma paróquia de Viçosa, pelo Monsenhor Cândido Machado, o padre Machadinho, como era conhecido. O pai não gostava de religião, para ele era coisa de mulher. Gostava menos ainda dos padres. Não entendia para que eles serviam. Ficavam sem fazer nada vivendo das rendas dos que trabalhavam. Pensamento corrente em muitas pessoas da região. A religião entrava na casa através de dona Isabel: “Se meu pai não era um homem fervoroso na prática religiosa, minha mãe, em compensação, vivia, respirava e transmitia os valores cristãos”, recordaria Avelar Brandão. 4 Dona Bilinha era uma católica fervorosa. Encontrava na sua fé a explicação

para a vida, sempre estava em contato com os seus santos de devoção. Como relembrou Teotônio Vilela: “Minha mãe, Isabel, era extremamente religiosa, santamente religiosa, e nós a chamávamos de Santa Isabel. (...) eu me lembro que via minha mãe no oratório que ela fez para o santinho dela, ajoelhada, rezando, de madrugada.” (VILELA, s/d, p.11)

Havia também uma tradição religiosa muito forte na família de Avelar. Um primo distante dele foi o primeiro bispo de Alagoas, Dom Antônio Brandão; um tio-avô materno, o padre Loureiro, tinha sido vigário em Viçosa e um tio materno, Eloy Brandão, também era padre. Era natural que vocações religiosas pudessem florir naquele ambiente: “Minha vocação foi espontânea, e surgiu desde a infância. Minha mãe foi um exemplo de piedade sincera e de fé ardente e pura”, e como recorda: “De outro lado, havia também uma tradição de família. Ao longo de minha vida de criança e de jovem, não pensei em outra coisa. O ideal de ser padre me acompanhou sempre, tranquilamente” (LIMA, 1989, p.55).

Mas, para concretizar essa sua vocação, ele primeiro teria que enfrentar a resistência do seu pai que quando soube da notícia não gostou nem um pouco: “Quem lhe meteu isso na cabeça? Que função tem padre? Eu não entendo... para que padre?” (LIMA, 1989, p. 57). Mas, o menino se mostrou decidido na sua vontade, além disso recebeu o apoio da mãe e do meio-irmão do senhor Elias, Manoel Brandão Vilela, a quem ele respeitava muito. Não seria a primeira e nem a última vez que Capitão Sinhô perderia um

4 Dom Avelar Brandão Vilela. Resposta do Questionário Entrevista para a “Manchete”.

filho seu para a Igreja. Antes de Avelar, a sua filha Nair Brandão Vilela, a contragosto do pai, entrou no noviciado das Irmãs da Caridade, no Rio de Janeiro. Muito tempo depois, a filha Francisca Brandão Vilela se tornaria monja beneditina em Pernambuco.

Em março de 1925, acompanhado pelo tio e padrinho Manuel Brandão Vilela, D. Avelar entrava no Seminário Menor de Nossa Senhora da Assunção, em Maceió. Esse seminário tinha algo de especial para o menino já que tinha sido fundado pelo seu parente D. Antônio Manuel Brandão, falecido em 1910. Começava uma nova etapa da sua vida. Como regra do Seminário, a sua roupa foi queimada quando recebeu a batina. Agora ele era seminarista. Um outro garoto contemporâneo de D. Avelar, Medeiros Neto, lembrava esse momento: “o menino Avelar era chorão, demasiadamente saudoso da casa grande do engenho de seus avós e pais.” E concluía: “ele era manso, silente, tranquilo, como se refletisse o açúcar da sua vida adocicada, desde que nasceu senhorial”.5

A Igreja Católica brasileira adentrou o século XX passando por um momento muito delicado. Com a instauração da República, em 15 de novembro de 1889, e o fim do padroado, ela teve de reorganizar-se para enfrentar os novos tempos. Com a promulgação da Constituição em 1891, sob forte influência positivista, a Igreja Católica viu-se alijada do poder. Para Thomas Bruneau (1974, p. 64-68), o Governo Provisório e depois a Constituição “promulgaram leis que refletiam uma deliberada desconsideração para com a religião e a Igreja”.6 Vendo-se então sem a proteção do Estado e sem o seu

financiamento, e estruturalmente deficitária, a Igreja teve que se reinventar. Porém, a hierarquia eclesiástica procurou ajustar-se à nova conjuntura política, esforçando-se para não entrar em conflito com o novo Governo.

Se, por um lado, a Igreja Católica brasileira se viu privada dos privilégios que desfrutava no Império; por outro, passava a ter um maior contato com o Vaticano. A Cúria Romana, desde a segunda metade do século XIX, estava buscando uma maior centralização das Igrejas nacionais ao seu poder. O Vaticano esforçou-se para fortalecer a Igreja brasileira e procurou ajudar na sua reestruturação, incentivando a vinda de várias ordens religiosas para o Brasil a fim de suprir a carência de padres no país. Também

5 NETO, Medeiros. “Menino de Viçosa”. O Dominical, Teresina, 10 de janeiro de 1965, p. 5.

6 Em 7 de janeiro de 1890, o Governo Provisório acabou com o padroado. A constituição que não

foi declarada “em nome de Deus” confirmou a separação entre Estado e Igreja. Assegurou às confissões religiosas direito de culto e liberdade de crença; a partir daquele momento, apenas os casamentos civis seriam reconhecidos oficialmente e os cemitérios foram secularizados. O ensino religioso foi banido das escolas públicas e o clero, privado de direitos políticos.

começou a ampliar o número de dioceses para um melhor trabalho pastoral e procurou incentivar a formação de um clero mais em sintonia com o modelo de sacerdócio que o Vaticano queria.

Desde o século XIX, a Igreja Católica tinha iniciado um processo de reforma no clero. Desejava mudar a imagem construída do padre com família e pouco afeito as questões eclesiásticas quanto às mundanas. Sua preocupação recaiu nos seminários e na seleção dos novos candidatos ao sacerdócio. Estes, regidos por severa disciplina, destinavam-se a moldar um novo tipo de padre: virtuoso, obediente e celibatário. Tinha como modelo os seminários europeus e seu tipo de educação. A partir do século XX, foram criados dezenas de seminários que educaram milhares de homens e tornaram-se uma das mais importantes instituições educacionais do Brasil. (SERBIN, 2008, p. 11) Foi nesse modelo de seminário que o menino Avelar começou a estudar em Maceió.

Avelar Brandão Vilela, garoto inteligente, um ótimo aluno, vindo de uma família tradicional, estava predestinado ao sucesso na carreira eclesiástica é o que narra os biógrafos oficiais e oficiosos do arcebispo. Mas como ele descobriria logo, a vida tem seus dissabores. O livro Vida e obra de D. Avelar Cardeal Brandão Vilela escrito por Aristides Fraga Lima, é obra fundamental para entender a vida de Dom Avelar, pelo que ela revela e também pelo que ela omite. Aristides Fraga tinha sido aluno de D. Avelar no seminário, é natural que a obra procure engrandecer a posição do seu mestre. Entretanto, D. Avelar foi professor dele no seminário de Aracajú e não no de Maceió. Esta mudança de seminários entre dioceses diferentes é tratada de forma marginal no livro. Em um momento, a obra deixa escapar uma conversa aparentemente sem sentido, quando afirma que “alguém” perguntou a D. Avelar se não teve “vontade de abandonar a carreira sacerdotal” e Avelar respondeu: “ – Não. Jamais. Resolvi mudar de Seminário” (LIMA, 1989, p.57).

Entretanto, essa mudança de seminário é algo pouco explorada pelos biógrafos próximos do arcebispo e Dom Avelar nunca falou abertamente sobre o assunto, sobre os motivos. Nessa obra, ele apenas afirma que resolveu mudar de seminário e ponto final. Mudar de Seminário não era tão simples assim, não era como trocar de batina. Esta omissão revela muito mais do que pode parecer à primeira vista. Para montar o quebra- cabeça as falas do deputado Luís de Medeiros Neto e do padre Luis Sarmento, que foram seminaristas contemporâneos a D. Avelar, em Maceió, são fundamentais.

Medeiros Neto além da carreira eclesiástica tornou-se interventor Federal durante o Estado Novo (1937-1945) e deputado constituinte em 1946. Sobre a relação com D. Avelar, no Seminário de Maceió, ele se gabava: “Sem falsa modéstia, apraz-me memorizar que éramos nós dois os mais estudiosos da classe e concorrentes de notas por matérias. Os graus de promoção e aproveitamento, até a terceira série, sempre nos foram de efetivas disputas das melhores colocações”. Medeiros Neto transferiu-se provisoriamente no terceiro ano ginasial para o Seminário Episcopal Sagrado Coração de Jesus para completar os estudos, em Aracaju, e depois retornaria a Maceió: “Surpreendi- me quando ao regressar das férias de 1930, tomara conhecimento de que meu colega Avelar também se transferira para o Seminário, que Dom José Gomes fundara para os filhos de seus diocesanos.”7

O quebra-cabeça completa-se com a fala do padre Luís Sarmento que lembra de D. Avelar, que era o prefeito do Seminário (geralmente o “prefeito” era um bom aluno que supervisionava os outros alunos, uma espécie de vigia dos superiores), como um garoto “tímido e ensimesmado” que vivia muito na capela e “quem não o encontrava ali é porque estava na banca preparando as lições ou estudando português. Era muito estudioso e prefeito da primeira divisão.” Continua o padre Sarmento: “Tinha algo de enérgico, mas sempre muito diplomata. Nunca foi de levar casos à Reitoria ou fazer queixas a ninguém. Ele resolvia tudo sozinho.”. Entretanto, no ano de 1929, antes do fim do período letivo, Avelar Brandão fez críticas a respeito dos sermões do diretor espiritual da casa, o cônego Luiz Barbosa, a colegas do seminário. E foi parar no ouvido do Reitor:

Ah, rapaz! Não prestou. O assunto rendeu e foi levado ao reitor, que na época era o cônego Antônio Tobias. E este, com aquele seu gênio às vezes explosivo, chamou à Reitoria o Avelar para que repetisse o que tinha feito. E ele confirmou: - Eu disse e acho que as pregações do cônego Luís são muito enjoadas a cansativas. Pronto! Foi a espoleta! Levou um carão danado e chegou a ser aconselhado a deixar o Seminário. Naquela noite, quando eu voltava da banca, encontrei o Avelar chorando, sozinho, de joelhos, na capela. Depois ele saiu de férias e nunca mais voltou ao Seminário. Soubemos que ele estava cursando Filosofia em Aracaju. Do imprevisto, quase que deixava de ser padre. É fato, que, para continuar, muito trabalharam os cônegos Cícero Vasconcellos e Antônio Valente. Eles tiveram o cuidado de contornar as coisas e mudar o rapazinho.8

7 NETO, Medeiros. “Menino de Viçosa”. O Dominical, Teresina, 10 janeiro de 1965, p. 5.

8 SARMENTO, Padre Luis. “Nosso cardeal quase não se ordenava padre”. Maceió. Gazeta de

Esse episódio deve ter marcado demais o ser humano Avelar, justamente por ele nunca ter abordado publicamente o caso e também pela memória oficial da Igreja Católica sobre o arcebispo ter tratado de esconder.9 Acredito que muito que o marcou foi o fato de ser um seminário simbólico para ele e para sua família, pois foi fundado por um parente dele. Ele certamente só não foi expulso – e apenas transferido para uma outra diocese - por ser de uma família abastada e de forte tradição religiosa. Não podemos ver no seminarista Avelar, aquele bispo diplomata, conhecido por ser habilidoso nas negociações que ele se tornaria depois. A sua afronta ao Reitor do Seminário demonstrava isso. Nesse momento, ele era apenas um jovem inteligente, vaidoso, polemista, obstinado, que queria desde muito cedo ser padre.

Se o jovem Avelar Brandão, que era um grande leitor da Bíblia, gostasse de ler os Evangelhos de Mateus (6:34), deveria ter se reconfortado com as palavras sábias do Evangelista: “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.” A sua ida a Aracajú faria com ele conhecesse o religioso que seria o mais importante em sua vida: o bispo D. José Thomaz Gomes.

O padre de Dom José

Do século XVI até o final do Império brasileiro em 1889, o Brasil só tinha criado 12 dioceses. A partir da República, o Vaticano intensificou a criação de dioceses para uma melhor forma de trabalhar da Igreja local. Quando chegou em 1930, o país já teria 82 dioceses (HOORNAERT, 1973, p.117-138). Como observou Sérgio Miceli, nas criações destas dioceses se percebiam também que existia uma tendência da Igreja de seguir o modelo republicano de organização do Estado. Ou seja, descentralizar a administração para estar mais próximo dos fiéis e das elites governamentais locais. O autor fala de uma “estadualização” do poder eclesiástico, isto é, cada estado teria sua própria diocese. (MICELI, 1988, p. 59-60).

Seguindo essa estratégia, foi que, em 3 de janeiro de 1910, o Papa Pio X criou a diocese de Aracajú através da Bula Divina Disponente Clementi, desmembrando-a da