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2. Revisão Bibliográfica

2.8. Bagaço de cana de açúcar

O bagaço de cana de açúcar (BCA) (Figura 2.32, p.59) é um importante subproduto da indústria sucroalcooleira e é considerado um dos mais abundantes resíduos celulósicos da agroindústria (PANDEY et al., 2000). Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), no Brasil, foram produzidas cerca de 658,7 milhões de toneladas de cana de açúcar na safra 2015/2016, gerando consequentemente, uma grande quantidade de bagaço de cana de açúcar. Um dos usos mais comuns para este subproduto é na produção de energia por

meio de combustão, podendo ser usado ainda, na geração de eletricidade, produção de etanol,

fabricação de papel e papelão, alimentação de animais entre outros fins. Contudo, uma grande parte do BCA ainda acumula-se nas fábricas e é descartada como resíduo agrícola podendo causar problemas ambientais. Assim, o aproveitamento desse excedente é uma interessante

maneira de conferir valor econômico ao BCA e também de contribuir para a preservação ambiental. (ROCHA et al., 2015; RESENDE et al., 2011; NEUREITER et al., 2002; SENE et

al., 2002).

O BCA é composto por aproximadamente 50% de celulose, cerca de 25% de hemicelulose, 25% de lignina (Sene et al., 2002) e pequenas quantidades de extrativos e sais minerais (cinzas) (ROCHA et al., 2015).

Figura 2.32 -Bagaço de cana de açúcar residual de indústria Sucroalcoleira

As hemiceluloses são carboidratos que auxiliam na rigidez da parede celular dos tecidos lignificados das plantas. Elas encontram-se intimamente associadas à celulose e à lignina, formando com esses compostos, ligações de hidrogênio e ligações covalentes, respectivamente. As hemiceluloses são uma classe de polímeros constituídos de várias unidades de açúcares com a composição variando de acordo com o tipo de planta. Elas podem ser classificadas como xilanas, unidades de -1,4-D-xilose ligadas, mananas, unidades de -1,4- D-manose ligadas, arabinanas unidades de -1,5-L-arabinose ligadas e galactanas unidades de - 1,3-D-galactose ligadas. No bagaço de cana de açúcar, as principais hemiceluloses são as xilanas (Figura 2.33, p. 60) (GURGEL, 2010; REN e SUN, 2010).

Figura 2.33- Estrutura das xilanas

O HO O OH O O HO O OH O O HO O HO O O O O O O O O HO O OH HOOC O O HO HOOC O OH H3C O C CH3 O OH C CH3 O O H2C OH O HCC O CH H3CO HO OH

A lignina é um hétero polímero natural existente em todas as plantas terrestres e em alguns organismos aquáticos. Ela contribui para conferir resistência mecânica e impermeabilização em vegetais lenhosos, bem como para a proteção física e química da celulose e da hemicelulose em plantas (MAZIERO et al., 2012). Lignina é um polímero fenólico derivado de três unidades primárias, o álcool p-cumarílico (I), o álcool coniferílico (II) e o álcool sinapílico (III) (GURGEL, 2010; LU e RALPH, 2010). Os monômeros de lignina diferem

unicamente pelo grau de substituição de seus anéis fenólicos que são comumente designados como p-hidroxifenila (H), guaiacila (G) e siringila (S). Na Figura 2.34 são mostradas as estruturas dos álcoois precursores e dos monômeros da lignina.

A composição química do BCA permite que essa biomassa possua diversas aplicações e possibilita a sua modificação para produzir materiais com diferentes propriedades. A matéria prima BCA ou os produtos dela derivados, apresentam grande capacidade para substituir materiais que são caros, não biodegradáveis, sintetizados artificialmente e que requerem altos custos de pré- tratamento, extração e modificação (LOH et al., 2013; FITZPATRICK et al., 2010; PANDEY et al., 2000).

Os diferentes tipos de pré-tratamento atuam sobre os constituintes do BCA de forma peculiar a cada processo. Eles podem, por exemplo, remover seletivamente lignina e/ou hemicelulose, reduzir o GP e a cristalinidade da celulose. Portanto, escolher adequadamente o processo de pré-tratamento é essencial para garantir o sucesso da modificação do BCA (RESENDE et al., 2011).

Figura 2.34- Unidades primárias e monômeros da lignina OH OH OH OH OCH3 OH OH OCH3 H3CO OH OH OCH3 OH OCH3 H3CO

Álcool p-cumarílico (I) Álcool coniferílico (II) Ácool sinapílico (III)

O BCA tem grande aplicabilidade no campo da adsorção de poluentes em meio aquoso. Por apresentar grupos hidroxila fenólicos, grupos hidroxilas primárias e secundárias ele pode ser usado em reações químicas para produzir materiais com novas propriedades (KARNITZ et al., 2010). Entre as modificações mais comuns do BCA estão aquelas que acontecem por meio de esterificação das cadeias de celulose. Para uso como adsorvente, existem diversas rotas sintéticas para potencializar a capacidade de fixação de poluentes orgânicos e inorgânicos por essa biomassa, algumas delas estão descritas a seguir. Em geral, as modificações químicas da celulose acontecem no conteúdo celulósico presente nessa biomassa. Por isso, muitas vezes as

reações para a modificação do BCA são semelhantes às reações de modificação da celulose.

Gurgel et al. (2008b) modificaram bagaço de cana de açúcar com anidrido succínico e

posterior tratamento com NaHCO3 para a remoção de Cu(II), Pb(II) e Cd(II) em solução

aquosa. Para a modificação foram usados o BCA mercerizado e não mercerizado. O material produzido pela succinilação do BCA não mercerizado (SBC 2) apresentou capacidade de adsorção para os íons Cu(II), Cd(II) e Pb(II) iguais a 185,2 mg/g, 212,8 mg/g e 416,7 mg/g, respectivamente. Já o material produzido através do BCA mercerizado (MMSCB 2) exibiu capacidades de adsorção para o íons Cu(II), Cd(II) e Pb(II) iguais a 185,2 mg/g, 256,2 mg/g e 500,0 mg/g respectivamente. Em estudos posteriores realizados por Gusmão et al. (2012), o SBC 2 apresentou capacidades de adsorção iguais a 478,5 mg/g e 1273,2 mg/g para os corantes azul de metileno e violeta cristal respectivamente. O esquema da síntese dos materiais pode ser visto na Figura 2.35.

Figura 2.35- Produção dos adsorventes SBC 2 e MMSBC 2

OH

MMSCB: Celulose II, lignina residual e polioses

OH OH OH

SCB: Celulose, ligniina e polioses

OH OH O O O Piridina O OH O O O OH O O NaHCO3 SCB1 e MMSCB1 SCB2 e MMSCB2

Jiang et al. (2012) modificaram BCA mercerizado com epicloridrina e tetraetilenopentamina (Figura 2.36), para adsorver o corante eosina Y em solução aquosa. A capacidade de adsorção do eosina Y pelo BCA modificado (TEPA-MSB) foi de 399,04 mg/g.

Figura 2.36- Produção do adsorvente TEPA-MSB

OH

OH

+

Cl

O BCA mercerizado epicloridrina

25°C, 24 h etanol O NH NH NH OH NH NH2 OH NH NH NH NH2 O O

+

Trietilenopentamina NH2 25°C, 24 h etanol TEPA-MSB OH

Ferreira et al. (2015) modificaram BCA com ácido de Meldrum em reação livre de solvente (Figura 2.37). O material produzido (SMA), mostrou capacidade de adsorção para o corante violeta cristal igual a 692,1 mg/g.

Figura 2.37 - Produção do adsorvente SMA

+ O O O O OH O HO O O O O O + NaHCO3 (aq) CO2 + H2O Na

BCA Ácido de Meldrum SMA forma ácida SMA forma básica

Além das modificações acima citadas a literatura descreve inúmeros métodos de transformar o BCA em materiais com aprimoradas capacidades de adsorção para diversos poluentes, como exemplos tem-se a funcionalização do BCA com grupos tiol para a remoção de mercúrio (GUPTA et al., 2014), a modificação com nitrato férrico para remoção de aresênio(V) (PEHLIVAN et al., 2013), o tratamento com ácido fosfórico para remoção do corante

vermelho de metila (SAAD et al., 2010), carvão ativado de BCA para remoção de fenol em coluna de leito fixo (KARUNARATHNE e AMARASINGHE, 2013), a modificação com dianidrido de EDTA para remoção dos corantes azul de metileno e violeta cristal (GUSMÃO et al., 2013) e a modificação com anidrido ftálico para adsorção de Co(II), Cu(II) e Ni(II) (RAMOS et al., 2016).

No que tange à modificação de BCA por meio de oxidação para emprego em processos de adsorção, são raríssimas as ocorrências na literatura. A grande maioria dos processos oxidativos de BCA são para o fracionamento de hemicelulose e lignina e para o aprimoramento de sua digestibilidade por micro-organismos. Em geral, esses processos visam a produção de materiais e biocombustíveis que possam vir a substituir derivados do petróleo, tais como, produtos farmacêuticos, plásticos, bioetanol e biogás (BRIENZO et al., 2009; FITZPATRICK et al., 2010). Dentre os agentes oxidantes utilizados para o fracionamento e aprimoramento da digestibilidade do BCA estão o ozônio, o ácido peracético e o peróxido de hidrogênio alcalino que são bastante seletivos no ataque à lignina (GONÇALVES, 2009). A mistura de hipoclorito de sódio e peróxido de hidrogênio é eficiente para remoção de lignina e hemicelulose (LEE et al., 2009) e reagentes Fenton (H2O2/Fe2+) também capazes de remover

lignina e hemicelulose (ZHANG e ZHU, 2016).

Dos poucos relatos encontrados na literatura que consideram a oxidação de BCA para adsorção, estão os trabalhos realizados por Nada e Hassan (2006) e por Martín-Lara et al. (2010). Nada e Hassan (2006) modificaram BCA com periodato de sódio e neste trabalho, o BCA passou por reação com epicloridrina para promover ligações cruzadas entre os grupos hidroxila dos constituintes lignocelulósicos do BCA. Segundo esses autores as oxidações da celulose e da hemicelulose por NaIO4 levam a resultados semelhantes, ou seja, oxidação nas

posições do C-2 e C-3, das unidades de xilose ou AGU. Já na lignina ocorrem as reações de oxidação que levam a desmetilação dos grupos metoxi com formação de grupos carboxílicos (Figura 2.38, p.64). As capacidades de adsorção do BCA oxidado para os íons Fe3+, Ni2+, Cu2+ e Cr3+, foram de aproximadamente 195,3 mg/g, 88,0 mg/g, 241,3 mg/g e 390 mg/g, respectivamente.

Figura 2.38 - Oxidação da unidade de lignina por clorito de sódio OH

OH

OCH3 H3CO

Unidade ácool sinapílico (III)

COOH COOH

OH

H2O HOOC

Unidade ácool sinapílico (III) oxidada NaClO2

Martín-Lara et al. (2010) modificaram BCA com H2SO4 e aplicaram na remoção de chumbo

em meio aquoso. A oxidação introduziu grupos ácidos carboxílicos na estrutura do BCA e melhorou razoavelmente a adsorção de íons chumbo por essa biomassa. As capacidades de adsorção do BCA não oxidado e do BCA oxidado para o Pb foram de 6,366 mg/g e 7,227 mg/g respectivamente.

Como pode ser visto, há uma grande variedade de rotas para a modificação do BCA para fins de adsorção. Muitas fazem o uso de múltiplas etapas para chegar ao produto final e se aproveitam principalmente do conteúdo celulósico que compõe essa biomassa. As técnicas de modificação utilizando oxidação são pouco utilizadas, isso muito se deve aos efeitos que os agentes oxidantes podem provocar na estrutura do BCA. Dependendo do tipo e do grau de oxidação, o adsorvente produzido pode ser ineficaz ou apresentar baixo rendimento, devido a fatores como hidrólise dos componentes lignocelulósicos ocasionada pela redução no GP e cristalinidade da celulose, ruptura das cadeias de lignina e hemicelulose, assim como por danos à coesão desses constituintes causados pelo desarranjo das interações intermoleculares que os mantêm unidos. Assim, a perda de massa em quantidades significativas e a solubilização do BCA oxidado muitas vezes são inevitáveis.

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