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CAPÍTULO 7 – ANÁLISE DO VIVIDO: JOVENS E ACONTECIMENTOS

7.2. Fala jovem

7.2.1. Bairro Educador Heliópolis na contramão do “apertador de parafuso”

A expressão “apertador de parafuso” surgiu em uma das conversas realizadas com Peter quando falávamos de sua opinião sobre a escola. Perguntei o que significava e ele respondeu

É, você ser operário, vai ficar lá pra sempre apertando parafuso e nunca vai ser mais do que isso. A escola formou você pra isso. Vamos dizer assim, o que o governo quer é que você seja mais. Se você começa a parar e a criticar, questionar aí você vai virar um problema, né. Porque vai votar melhor, vai começar a criticar e as pessoas não querem isso. Então, o projeto social mostra esse outro ponto, que o mundo é muito maior do que você aprende na escola. Você começa a ver que política é importante e essas coisas você tem que aprender fora da escola. O projeto social é basicamente isso (Peter, 2016, 25 anos, educador no projeto Jovens Alconscientes).

Para Novaes (2006), ao considerar a juventude de periferia, é importante ressaltar o fato de que jovens com idades iguais vivem juventudes desiguais. Entre os jovens brasileiros de hoje, a desigualdade se explicita claramente na vivência da relação escola/trabalho. A indagação sobre e quando um jovem começa e termina de estudar ou trabalhar expõe as fissuras de classe presentes na sociedade brasileira. Esse “quando” e esse “como” revelam acessos diferenciados a partir das condições econômicas dos pais. Contudo, nas trajetórias dos jovens, as diferenças de origem social e a situação de classe não esgotam o assunto. É esse reconhecimento do caráter histórico e ideológico do processo de desenvolvimento da adolescência que demanda uma consideração de questões presentes em um contexto social determinado, as quais atuam como mediações dos mesmos. Para tanto, entendemos que o sujeito depende da sociedade, ao mesmo tempo em que tem seus próprios movimentos psicológicos. Tal ideia está exposta no texto Manuscritos, de 1929, de Vigotski, no qual o autor afirma que por trás de todas as funções superiores e suas relações estão também as relações geneticamente sociais, relações reais das pessoas. Daí a ideia de Homo duplex33 em que Vigotski problematiza sua possibilidade de se desdobrar pelo signo (eu/mim, eu/outro) e pela linguagem, controlar e ser controlado, experienciando o drama das relações interpessoais; busca compreender o funcionamento do signo na atividade mental, na formação do que ele chama "personalidade" e pergunta: “O que é o homem? Para nós, o homem é uma pessoa social - um agregado de relações sociais, corporificado num indivíduo (VIGOTSKI, 1989, p.66). ” A partir do que foi explicitado

_________________ 33 Homem duplo (lat.)

anteriormente é possível mencionar que é na dialética entre a radicalidade biológica e as determinações sociais que o adolescente se transforma.

Assim é possível pensar na mediação que a UNAS exerce sobre os jovens com a visão de Bairro Educador. Todos os jovens com quem conversei, de uma maneira ou de outra, foram afetados por tais valores/ideias. A respeito do Bairro Educador destaco a fala de Safra quando disse que

[...] então todo mundo é educador, até a criança menor que vai educar o outro. Então, no CCA eu tenho a atividade da semana.... Hoje eu vou falar sobre o estereotipo do homem e da mulher, e aí ele começa a falar de uma questão de que o homem bateu na mulher, mas porque a mulher era negra, então ele trouxe toda a outra questão do racismo. Então, essa atividade eu pratico todo dia e começo a fazer em cima do que eles estão me falando, porque eles precisam disso. Então, o papel que a gente tem é muito diferente de uma escola. No primeiro dia você vai sentir o que eles querem, então, a gente trabalha em cima do que eles precisam aprender. Tem os nossos valores também envolvidos, então, a gente quer que eles pensem da mesma forma que a gente. Não tem como falar que você vai criar um pensamento só seu, porque a gente que tá lá influencia. Acho que nasce de uma pessoa e vai crescendo assim, né, vai contaminando (Safra,2016, 18 anos, rapper, atualmente trabalha como educador).

Na fala de Nina, ainda é possível identificar o sentido que ela dá à solidariedade quando resgata a sua relação com a avó ao dizer que

Essa questão da solidariedade é uma coisa que.... Eu morei um tempo, esqueci de falar, fiquei um tempo com a minha avó quando a gente voltou lá no Ipiranga. Minha avó, ela teve treze filhos, e ainda ela cuidava de um monte de netos na casa dela e teve um tempo em que ela teve derrame e aí ela cuidava de tudo. Ela lavava desde as roupas do meu tio, fazia comida e fazia não sei o que. Então, quando aconteceu isso com ela foi um baque na família, e eu lembro que eu tava morando com ela. E fui eu que comecei a ajudar ela nas tarefas que ela fazia e também ficava com ela. E foi onde que eu mais peguei essa parte assim, de que meio tio deixava aquela bagunça e não merecia que ela fizesse aquilo..., Mas ela fazia, porque era por amor, porque era o filho dela. Ela não queria nada em troca com aquilo, então, uma coisa que você acaba aprendendo, que você fazendo as coisas pelo outro você não precisa dar tudo na mão, né? Mas você fazer alguma coisa que mude aquilo e que vá fazer alguma diferença pro outro. É um valor que eu acho que a gente da UNAS tem. A questão de que tudo passa pela educação, então, a UNAS sempre tá passando essa visão de formação, a gente discute política, o que tá acontecendo na educação nas escolas, discute saúde, discute tudo que a gente puder discutir. Então, a UNAS ta sempre colocando a escola como centro de liderança, a importância dos professores. São valores que eu acho que a gente apreende muito, a autonomia de poder fazer as coisas também, não aquela autonomia de você decidir tudo, mas aquela autonomia de você poder tomar atitude de fazer coisas que são coletivas, de ideias coletivas. Então, esses valores que a UNAS passa são palavras que a gente já aprendia na família, mas não sabia que era assim. Então, acho que tem tudo a ver com o que a minha avó fazia dentro de casa, então, tinha época que a minha mãe deixava a gente sozinho na escola, quando eu comecei a trabalhar na UNAS ela não me buscava mais, comecei a fazer compra, ela deixava fazer compra dentro de casa sozinha. Então, isso minha mãe foi ensinando aos poucos

e que a gente foi aprendendo aqui dentro da UNAS também, então eu acho que batia (Nina, 2016, 26 anos, faz parte da direção de juventude na UNAS).

É possível identificar que os valores trazidos pela UNAS com o Bairro Educador influenciam diretamente a visão dos jovens nas diferentes esferas da vida (familiar, escolar, rede de amigos, trabalho).