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Marcadas as diferenças entre favelas, ou internamente, entre parte destas ou mesmo entre moradores, em comum a todos havia a discriminação do bairro ao redor. Percebemos que um dos elementos mais marcantes na configuração de uma determinada área como favela é a ‘diferenciação’ em relação ao seu entorno imediato. A favela surge como aquilo que não deveria existir, aquilo que destoa do bairro onde se insere. Seja por conta das suas características físicas, seja pela extensão dos ‘defeitos’ próprios de uma favela aos seus moradores. Uma relação conflituosa com o bairro é uma condição que conforma a identidade de um local como favela. No programa de remoções da CHISAM, isto era apresentado como um item fundamental. A Praia do Pinto é descrita de maneira que “apresenta chocante contraste com as construções do bairro”458

Essa diferença era sentida também pelos moradores, pois segundo Dona Margarida, sempre houve uma discriminação muito forte: “Era uma favela e ali havia um limite, uma fronteira: de um lado, os favelados: olhados de banda, odiados, desprezados... E do outro lado, os ricos, brancos (…) Havia muita discriminação. O sonho deles era se ver livres de nós (…) Cresci com essa ameaça pendurada na cabeça da gente ‘um dia isso aqui acaba’ ‘um dia vocês vão sair daqui’!”

Ney, removido do Parque Proletário da Gávea, também fala sobre as diferenças que ele percebia entre os jovens das favelas e os jovens moradores dos bairros da Gávea e Leblon: “A gente andava esfarrapado! Eles andavam bonitinhos, e a gente não. Então, eles tinham preconceito, a gente era rejeitado. Porque sabe que o rico nunca gostou do pobre, né? O preconceito era muito forte. Hoje existe preconceito, mas não

457 SAGMACS. Op.cit.

existe como era antes, naquela época era diferente. Porque era rico de um lado, pobre do outro!”

Manoel Gomes também narra que sentia preconceito por parte dos moradores do Leblon. Ele conta que jogava futebol na escolinha do Flamengo, na Gávea, nos fundos da Praia do Pinto, e que certa vez os colegas, moradores do Leblon, viram-no junto a alguns vizinhos indo para a favela: “Aí começaram, numa linguagem atual, zoando a gente: ‘Vai! Vai pra senzala! Tá vendo, ó, cheio de marra querendo dar uma de Zona Sul! Vai pra lá pra senzala que é o seu lugar!’. Então, nós sentíamos aquela discriminação. Quando eles descobriram que nós... eles conviviam no futebol ali, mas nós não éramos muito aceitos, né? Porque até os pais mesmo não queriam que as pessoas se envolvessem tanto. (…). As remoções, elas aconteceram por causa disso. Porque é difícil, digamos, a pessoa que está bem de vida, ter que conviver no meio de outras pessoas sabendo que aquelas outras pessoas não tem condições ‘adequadas’. Então isso, isso prejudicava um pouco esse relacionamento, porque perturbava eles.”

O Pastor Guaracy, que morava nas imediações da Praia do Pinto, analisa as tensões existentes entre os bairros de classe média alta e os locais de pobreza da Zona Sul, atualmente e no período da CHISAM: “Sempre houve esse comentário. De que a favela realmente era um ‘dente’ pro governo. [Era] Uma área nobre.... Quer ver o que, atualmente, se o governo pudesse fazer, ele faria? Tiraria a Cruzada São Sebastião! Agora é difícil. Primeiro, a estrutura é outra. Não é favela. São blocos, são dez blocos construídos. Existe uma infra-estrutura. Mas o governo acha que aquele povo ali, eles atrapalham a grande elite. Tanto é que fizeram um shopping do lado, né? Um dos melhores shoppings da Zona Sul tá do lado da Cruzada São Sebastião. [Com a Praia do Pinto] era mais fácil, porque barraco era mais fácil de demolir, mais fácil de desfazer. E o governo tinha uma filosofia de fazer da Zona Sul o brinco de ouro do Rio.”

Uma construção tão forte quanto a do estigma, por parte do Estado e de setores da sociedade como a grande imprensa e que justificou a remoção imposta aos milhares de moradores de favelas, não seria facilmente apagada com a mudança desses para os apartamentos, conforme declaravam as autoridades dos programas de remoção, em que ocorreria a ‘promoção social do favelado’. Uma vez instalados no conjunto, o estigma de favelado acompanhou os moradores nesse novo lugar.

Dona Margarida conta sobre como os moradores de Cordovil reagiam aos recém-chegados no bairro: “E o pessoal daí rejeitou a gente à beça! Entendeu? “Ih,

porque é negrada! Ih, porque a negrada da Praia do Pinto tá aí! Porque essa gente não presta, porque essa gente é isso e aquilo.”

Para Antônio Carlos, que nasceu em 1957 e sempre morou em Cordovil, numa rua próxima à Cidade Alta, a instalação do conjunto significou uma ruptura com uma época mais ‘tranqüila’ para os bairros próximos: “Bom, a Cidade Alta, no começo, era bem tranqüilo. Depois começou a... Lá em casa é o seguinte: antes de vir a Cidade Alta, a gente dormia com janela aberta, dormia no quintal, ficava até tarde na rua brincando. Aí, depois que surgiu a Cidade Alta, e veio aquela população mesmo, começou a piorar as coisas. Chegaram até entrar na casa do meu avô. Meu tio dormindo dentro de casa, morava na favela de Lucas, e costumava dormir com a janela aberta. Aí entraram lá dentro, pularam por cima dele, reviraram a casa, as coisas do meu avô, só que não levaram nada. Foi uns anos depois [da inauguração da Cidade Alta]. Aí ficou meio esquisito aqui em cima, né? Aqui embaixo tinha carnaval… Depois que a Cidade Alta veio pra cá, com a violência, pararam! Só uma vez, outra que eles botam. Mas aqui, agora ficou muito violento mesmo. Aqui na Cidade Alta ficou muito violento mesmo.”459

Mesma linha de pensamento de Rossino, ex-presidente da Ama-Alta, e que também era morador do bairro de Cordovil na época da inauguração da Cidade Alta, na Rua Ministro Pinto da Luz (tendo morado em diversos lugares do complexo ao longo de sua vida): “Naquela época o pessoal da Ministro não gostou muito. Porque era muito tranqüilo isso aqui. Aqui era uma tranqüilidade… As pessoas dormiam de porta aberta. E o pessoal achava que ia crescer o bairro, mas ia trazer muitos problemas.”460 Em outro trecho de seu depoimento, ele lembra das visões que os moradores tinham sobre os removidos: “Quando teve o incêndio lá na Praia do Pinto, muita família chegou aqui com porco, cachorro... cachorro tem até hoje, mas porco? Aquilo ali foi um absurdo pra gente (risos). E chegou para morar nos prédios, ainda inacabados.”

459 Depoimento de Antônio Carlos Barroso à pesquisa, em 25/03/2009. 460 Depoimento de Rossino Castro Diniz à pesquisa no dia 21/12/2009.

Deste modo, é interessante perceber que o Conjunto Residencial Antônio de Salema, igualmente construído pela COHAB-GB (o termo residencial é enfatizado pelos moradores), e inaugurado cerca de um ano e meio antes da inauguração da Cidade Alta (e da criação da CHISAM), localizado na Estrada do Porto Velho, conurbado com a Cidade Alta (sem estar na elevação daquela, no entanto) possui rígidas ‘fronteiras’ com seus vizinhos. Além de não ter sido destinado a removidos, o maior tempo de história do

conjunto, ainda que pouco, também é usado pelos moradores como diferencial em relação à Cidade Alta e para marcar que o Antonio de Salema se insere no bairro de Cordovil, conforme vemos no depoimento de Dona Nádia, moradora do conjunto desde janeiro de 1968, conta que quando chegou: “Não existia Cidade Alta, não existia nada. Aqui era até um lugar calmo, tranqüilo, mas depois… Foi vindo a Cidade Alta, construíram a Cidade Alta, começaram a construir isso aqui do lado [referindo-se à favela Serra Pelada] e de repente virou isso aqui.”461

Nilza Mara, funcionária pública, que na época trabalhava no BNH conta que, embora o conjunto Vista Mar fosse destinado a funcionários do BNH (daí ao apelido ‘Bancários’), muitos não quiseram se mudar para esse por conta da vizinhança com os removidos: “Com a remoção do pessoal, dos que vieram das favelas, muita gente desistiu! Não quis ficar com o apartamento. Tinham aceitado… Porque era um projeto da Sandra Cavalcanti: você pagava na planta, você escolhia três lugares, três bairros, pra morar, ficava pagando e quando o banco comprava, chamava o cooperativado e via se ele queria ficar ali ou não. O que aconteceu foi que quando saiu aqui, eles

461 Depoimento conjunto de Nádia Lourenço e Raimundo Nonato de Lima à pesquisa, em 10/09/2010. Vista da entrada do Antônio de Salema, à esquerda a ‘favela’ de Serra Pelada e ao fundo, a Cidade Alta foto tirada pela pesquisa em

chamaram um monte de cooperativado, eles ficariam aí, mas quando aconteceu do pessoal ser removido pra cá, muitos desistiram_ você podia também fazer isso. (…) Todos os apartamentos já estavam ‘ocupados’, isso é , sem gente morando, mas em construção. Mas quando viram ‘Ah, não, favelado que vai morar aí?’ Aí muitos desistiram. Mais da metade!”

Assim, as relações de vizinhança entre os dois conjuntos foram estruturadas com base no estigma, no que Nilza Mara afirmou que existiam conflitos de vizinhança de parte à parte: “Eles [Cidade Alta] achavam que o pessoal [Vista Mar] era metido.”

As diferentes origens: os que ‘passaram o apartamento’, os não-removidos, os ‘bancários’…

Há uma discussão travada na bibliografia sobre o processo que ocorreu nos conjuntos habitacionais da COHAB-GB/CEHAB-RJ construídos dentro do programa da CHISAM de “passar o apartamento”, ou seja, do ‘removido’ ter vendido o apartamento para alguém que quis ir para o conjunto por vontade própria.

Um estudo clássico sobre esse processo foi feito pela socióloga Lícia Valladares, em relação à Cidade de Deus, dizendo que lá muitos favelados não conseguiram manter o pagamento das prestações das casas, e as passaram adiante, com a ‘cessão de direitos’ da moradia no conjunto a pessoas de classe média, usando o dinheiro arrecadado para voltar à favela, ou ainda, que atrasavam propositadamente o pagamento das prestações como forma de reação a uma política imposta, ou seja, a transferência compulsória para os conjuntos.462

Já Alba Zaluar, também estudando a Cidade de Deus, discorda da tese de Valladares, dizendo que o número de favelados que ‘passaram a casa’ não foi tão numeroso, e que a volta à favela não era algo tão desejado assim, pois a Cidade de Deus, por abrigar removidos de dezenas de favelas diferentes, seria, ainda que com vários problemas, um lugar melhor do que algumas das favelas de onde vieram. Assim, o atraso das prestações era mais uma estratégia de sobrevivência, de escolhas de prioridades dentro de um orçamento apertado, do que uma reação à remoção.463

No caso da Cidade Alta, não há fontes confiáveis sobre o número de moradores ‘originais’ (ou fundadores). Baseado numa avaliação meramente ‘empírica’, há indícios

462 VALLADARES, Lícia do Prado. “Passa-se uma casa…” Op. cit 463 ZALUAR, Alba. “A máquina e a…” Op. cit.

de que a metade dos apartamentos do conjunto principal é ocupada ainda por famílias ‘originais’. Esses ‘dados’ foram obtidos através de conversas com moradores que, de cabeça, tentavam lembrar de quem eram os ocupantes dos apartamentos em seu prédio, chegando a essa média.

Mas devemos ter muita cautela neste ponto: o termo morador ‘original’ não significa necessariamente ‘removido’, embora tenham sido maioria absoluta no conjunto original, num primeiro momento. Conforme veremos a seguir, as categorias de removidos e moradores ‘originais’ não são necessariamente simultâneas no caso da Cidade Alta, embora sejam muitos os que pertencem aos dois grupos.

Assim, ao menos para o caso da Cidade Alta, o processo da cessão de direitos, que é ‘passar o apartamento’ para um comprador, que salda as dívidas e/ou paga um valor de ágio ao removido, deve ser relativizado. Em primeiro lugar, torna-se muito difícil precisar a quantidade de pessoas que ‘passaram a casa’. Em mais de quarenta anos do conjunto, houve muitos processos de mudanças de domicílio: desde os que venderam a casa e construíram as favelas do entorno, passando pelos que viveram esse processo e voltaram, até os que moravam em favelas próximas e foram para os apartamentos; em segundo lugar, alguns apartamentos já mudaram de morador muitas vezes e; por último, o Sistema Financeiro de Habitação e os órgãos responsáveis pela remoção não quantificavam, entre seus mutuários, aqueles que eram removidos ou não.

Ainda segundo o estudo do Cenpha, há o item “Pagamento de prestações e cessão de direitos”, em que é discutido o atraso nas prestações e apresentadas as possíveis causas e/ou justificativas apresentadas por moradores ou que circulavam na sociedade, principalmente entre os críticos à remoção, como razões para que isso ocorresse. Assim, as causas são divididas em dois grupos: “1-O morador não paga a sua prestação declarando ter baixa renda, estar desempregado ou haver doença na família; 2- O atraso é causado pela ‘forma com que o morador’ se relaciona com o Sistema Financeiro de Habitação.”464

A média de atraso dos conjuntos da COHAB é de 77%. Em relação à Cidade Alta, a pesquisa apresenta, para menos de um ano do conjunto, que apenas 19% dos moradores que vieram por iniciativa própria têm atraso nas prestações, enquanto os que foram catalogados como vindos por remoção da favela é de 27%; os que tiveram de sair

de terreno ocupado é de 25% e os sem oportunidade de escolha é de 47 % (não é explicada a diferença entre essas categorias nem o porquê da distinção).

Essa falta de dados se deve, principalmente, em função dos órgãos como a COHAB e o BNH terem perdido o controle desse processo. Segundo o estudo do Cenpha, por exemplo, é dito que “Não há dados relativos à cessão de direitos para a Cidade Alta porque sua ocupação é recente.”465 Fica a questão de que se seria mais fácil ter o controle e número exato quando da instalação de pessoas no conjunto ou ao longo do tempo, com esse processo se intensificando cada vez mais. De qualquer modo, os órgãos têm indícios de que “É alto o número de cessões de direitos por ano.”466

Em matéria (com um tom crítico sobre os problemas enfrentados pelas famílias no conjunto do Quitungo-Guaporé), já tendo sido eleito Chagas Freitas como governador do Estado, as autoridades da COHAB-GB admitem a vasta ocorrência da prática, atribuindo isto, no entanto, à CHISAM e à administração anterior: “O que a COHAB vem fazendo, segundo seus diretores, é consertar, aos poucos, os erros cometidos pela CHISAM: ‘_ Basta dizer que a maioria dos ocupantes dos conjuntos não são os ex-favelados transferidos pela CHISAM. São famílias que ‘compraram’ os apartamentos dos primeiros ocupantes.”467

Mesmo em posse desses dados, qualquer análise estaria seriamente ‘contaminada’, pois através das entrevistas, ou mesmo em conversas informais, vimos que, não raro, o primeiro morador de um apartamento pode jamais ter morado em favela. Ou mesmo ter morado numa que não estava nos planos de remoção, mas se interessou em ir para os conjuntos habitacionais e ‘comprou’ a ida para o apartamento antes da remoção, figurando como removido.

A própria ‘ilegalidade’ da ação torna esse ponto um assunto delicado de ser tratado, havendo os que não assumiram isso numa entrevista, falando-o apenas em off, ou os que os seus descendentes não sabem ou não comentam a dinâmica, caso de uma ex-moradora no conjunto Porto Velho, cujos pais são fundadores do conjunto, mas a mesma não soube explicar o porquê dos pais terem ido para lá, apenas reforçou que eles não vieram de favela.

465 Idem.

466 Idem.

Devemos considerar que todo esse tempo de trajetória do conjunto contribuiu para erodir possíveis ocultações do processo por moradores que já se sentem seguros para falar sobre o assunto, até por terem conseguido o título de propriedade do apartamento. Caso exemplar dessas omissões é o de nossa depoente Dona Maria da Penha, que nos disse em seu depoimento que, vindo da Vila Cruzeiro, se inseriu no SFH através da compra da parte de um barraco na Praia do Pinto. Dois anos antes, no entanto, ao ser entrevistada por alunos, omitiu a informação, afirmando categoricamente ter vindo da Praia do Pinto.468

Dentro da categoria de moradores ‘originais’ não-removidos temos também os moradores que se inserem dentro da chamada reserva técnica, que consistia em reservar, desde o primeiro momento, cerca de 15% ou 20% dos apartamentos de cada prédio para moradores que não seriam oriundos de favela. A explicação das autoridades era de que a chamada pela CHISAM de Reserva de integração social deveria servir a “famílias de baixa renda que não são moradoras das favelas removidas, mas que vivem em condições igualmente precárias, possuindo entretanto um status social mais elevado do que os favelados. Procura-se, através do exemplo, mostrar-se as possibilidades, necessidades e consciência de um convívio em condições higiênicas, sociais e de inter- relacionamentos satisfatórios.”469

No entanto, autores apontaram que a reserva técnica, na verdade, tratava-se de atender pedidos feitos, através de relações políticas e/ou pessoais, de pessoas pobres ou de classe média baixa que queriam comprar o apartamento num dos conjuntos da COHAB. Linda Gondim, por exemplo, trabalhando com conjuntos da Rua Crato, Capitão Teixeira, e mais outros dois da época de Carlos Lacerda, entrevistou um técnico não identificado ligado aos órgãos de remoção, que disse: “A reserva técnica foi inventada pela CHISAM porque a parte política é inevitável. Então eles tinham assim: a COHAB construía 20 mil apartamentos, 20 mil apartamentos seriam só para favelados. Mas então eles fizeram esse critério: 20% disso vai ser para RT, reserva técnica, para atender pedido: você é Ministro, tem um funcionário que precisa, então

468 Trabalho GB2008/1004-03.

469 CHISAM. Metas alcançadas e novos objetivos do programa. Rio de Janeiro: BNH / Ministério do

manda pedir.”470 Novamente, sem podermos citar nomes, soubemos de algumas pessoas entrevistadas ou através de conversas informais que suas famílias se mudaram para Cidade Alta, ou para o Porto Velho, através desta prática de conhecer alguém dos órgãos de remoção ou com boas relações nele.

Há ainda um outro ponto que guarda profundas diferenças da Cidade Alta em relação à Cidade de Deus. Diferente desta última, que foi localizado numa região onde estava planejada a futura expansão da cidade, que acabaria ocorrendo na década de 1980, a Cidade Alta tinha uma localização mais central e próxima a importantes vias de acesso, bem como a um mercado de trabalho significativo.

Então, se para os removidos das favelas da Zona Sul essa localização era distante do antigo mercado de trabalho e das referências conhecidas por estes, para quem já morava em favelas ou bairros localizados na área da Leopoldina ou municípios da Baixada Fluminense, moradia anterior de quase todos os moradores por nós detectados que se mudaram para o conjunto por vontade própria, a Cidade Alta era uma alternativa melhor em diversos aspectos. Exercendo, portanto, um potencial de atração muito maior de moradores espontâneos do que a Cidade de Deus.

Em dissertação concluída em 1977, ou seja, pouco tempo após a construção dos conjuntos pelas COHAB/CHISAM, Ickowicz analisava os casos das famílias não- removidas e a sua melhor acomodação e satisfação com a vida no conjunto: “Estas famílias em geral podem pagar a amortização e outros custos devido à sua renda um pouco mais elevada, mas principalmente devido à maior estabilidade ocupacional, comparando-se com os originários de favelas. Mas o mais importante é que já tinham despesas decorrentes da moradia, mais ou menos iguais aos custos dos encargos assumidos com a mudança para o conjunto habitacional.”471 Vale dizer que muitos dos removidos não tinham despesas com a moradia, ainda que dada a ilegalidade do barraco, enquanto os não-removidos queriam justamente que suas despesas com habitação se tornassem um investimento num patrimônio próprio.

Entre vários casos detectados na Cidade Alta, temos o de Seu Osias, que se mudou para o conjunto no início da década de 1970. Nascido em Macaé, veio para o

470 GONDIM, Linda M. Integração social nos conjuntos habitacionais da COHAB-GB. Dissertação de

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