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A REMOÇÃO E OS PRIMEIROS ANOS: A CIDADE ALTA COMO ‘NÃO-FAVELA’

Cena três: Numa turma de balé clássico para meninas com até 13 anos numa ONG localizada na Cidade Alta, professora, alunas e mãe de alunas estão divididas. A ONG planeja que, ao invés de balé clássico, fosse oferecido um curso de dança afro. A questão encontra muita resistência das mães, que preferem as filhas aprendendo balé.

O choque da remoção

A fala de Dona Margarida que encerra o capítulo anterior demonstra o impacto da ação governamental sobre a vida dos que foram removidos, muitas vezes à força, para cerca de 30 quilômetros de distância do seu antigo local de moradia.

A fala do pastor Guaracy Costa, que morava no conjunto Minhocão da Gávea e foi morar na Cidade Alta em 1970 (quando casou com sua esposa, que era removida da Praia do Pinto) também reforça o impacto causado pela remoção: “A Cidade Alta não tinha ainda colégios, não tinha supermercados... O pessoal foi jogado aqui assim, de maneira assim: ‘Vai!’. E pra comprar as coisas? A gente não sabia o que era Caxias. Caxias pra nós era um outro hemisfério. Hoje não,Caxias é nosso vizinho. Daqui a dez minutos já estou em Caxias, já fui e voltei, quer dizer, mudou muito, está até gostoso agora, porque nos adaptamos... Mas Caxias na época era aquela fama, né? A cidade do bang-bang. A cidade faroeste, a cidade de Tenório [Cavalcante, político famoso na Baixada]”415

Os removidos, na maior parte das vezes, destacam o grande desconhecimento em relação a esse novo lugar. Ney, artista plástico que foi criado no Parque Proletário da Gávea e era adolescente quando foi para a Cidade Alta fala sobre a remoção: “Com mais de 200 caminhões da Comlurb [DLU], jogava o caminhão, a mudança dentro do caminhão e a gente vinha pra cá. A gente nem sabia pra onde tava vindo! Aí vinha parar aqui na Cidade Alta. Nunca passamos do túnel! A primeira vez foi de caminhão! (risos) Porque a nossa vida era a Zona Sul, né? A gente saía da escola, era praia, os

morros, as cachoeiras, né? Soltando pipa, jogando bola.. (…) Chegamos aqui, ficamos no ‘tempo’ durante uns dois meses. Porque a gente não entendia nada.”416

Dona Nilza Sabino, presidente de Honra do Bloco do Barriga e removida do Morro São João, em Copacabana, para o conjunto Porto Velho, onde passou a morar num prédio virado de frente para a avenida Brasil, fala sobre o choque por, repentinamente, ter que morar num lugar desconhecido: “De início ficou meio estranho. Eu custei a dormir, por conta desse barulho na avenida Brasil _seu falecido esposo era de São Paulo, para onde eles costumavam viajar com regularidade _quando passava para ir para São Paulo, eu via esses prédios em construção. Jamais imaginava que viria morar aqui.”417

Pastor Guaracy também lembra do estranhamento nos seus primeiros meses de vida do conjunto: “Você se perdia! Eu tinha medo de sair do meu bloco e ir na outra ponta, porque eram tão iguaizinhos que você saía assim e tinha medo de entrar em blocos errados.”

O comerciante e músico Manoel Gomes, criado no Parque Proletário do Leblon, contíguo à Praia do Pinto, vê o processo de remoção de forma bastante crítica: “Aconteceu a tal da ditadura e muitas pessoas foram exiladas, né? E nessa também, muitos de nós, todos nós, moradores dali, fomos exilados também. Exilados pra Cordovil, igual! Nós fomos sofrendo esse exílio. Muitos conseguiram voltar do exílio cultural. Pessoas que viviam no ramo cultural, Caetano, Gilberto, alguns jornalistas… muitos deles até politicamente tão aí no poder. Mas eu acho que eles não tiveram um certo cuidado com as pessoas que sofreram com essas remoções. Então, eu continuo ainda no exílio social. Considero assim, não só eu, mas muitas pessoas daqui ainda se encontram.”418

Em suas memórias escritas, Manoel narra o processo de chegada ao conjunto, que viveu ainda na adolescência: “O ano era 1969, chegávamos em cima de caminhões com a saudade se deparando com a realidade, fazendo o sonho virar ilusão. Alguns prédios ainda estavam em conclusões finais, os elevadores que as assistentes sociais disseram existir não foram construídos. Na verdade, os prédios tinham cinco andares,

416 Depoimento de Élcio Silva Sobrinho (Ney) à pesquisa no dia 14/05/2009 417 Depoimento de Nilza Sabino Cortez à pesquisa no dia 06/12/2010 418 Depoimento de Manoel Gomes de Oliveira à pesquisa no dia 27/05/2009.

tornando-se obstáculo a ser superado pelas pessoas obesas, hipertensas ou com problemas de coração.”419

Percebemos que a remoção se deu de maneira traumática para muitos moradores, figurando nos depoimentos como uma forte ruptura em relação à vida construída na favela de origem, com laços sociais e familiares desfeitos. Ney conta que seus pais trabalhavam na Zona Sul: “Eles trabalhavam lá mesmo, na Zona Sul. (…). E a gente estudava. Então, naquela época, foi um baque muito grande que nós tivemos na nossa vida, de mudar pra cá. (.…) E a família era tudo lá de dentro da comunidade. Tanto primo, como tios e meus avós, tudo morava dentro da comunidade.” Ney relata ainda que, após a remoção, perdeu o contato com um primo, também morador do Parque, e que havia ensinado ele a pintar: “Até hoje não vi! Ele sumiu! Quando viemos de lá pra cá, nunca mais eu vi... Não sei se ele tá morto, não sei se tá vivo. Até hoje a gente não conseguiu encontrar ele. Muito tempo! Cada um foi pra um canto.”

A remoção acabava com os antigos laços familiares e de vizinhança construídos na favela, que eram fundamentais na vida do favelado, como vemos no Relatório SAGMACS, em que encontramos um panorama geral de algumas favelas, dentre elas a Praia do Pinto e o Parque Proletário da Gávea, e um dos itens descritos é justamente as “Formas de Solidariedade” existentes nas favelas, sendo dito que: “A vizinhança parece exercer, ainda, papel importante. (…) As formas de ajuda mútua se repetem, de favela para favela, com ligeiras variações.” Entre essas formas, o relatório apresenta: o cuidado com as crianças; doação de remédios ou apoio em caso de doenças; empréstimos de pequenos objetos, etc. 420

Assim, na Praia do Pinto, Manoel Gomes narra o cotidiano baseado na solidariedade: “Minha mãe virou para mim e pediu-me para, após o almoço, ir na birosca do Sr. Nicolau Carvoeiro comprar, no caderno de fiado, latas de salsicha, massa de tomate e macarrão.”421 Em seu depoimento oral, Manoel também se ressente dos laços da antiga favela terem sido desfeitos pela remoção: “Os que morávamos na

419 Manoel Gomes escreveu suas memórias no ano de 2002, contando sobre sua infância na Praia do Pinto

e a vida na Cidade Alta. Manoel também traça considerações sobre a política, a história do Brasil e opina sobre os temas tratados em seus relatos. OLIVEIRA, Manoel Gomes de. “Da Praia do Pinto do Leblon à

Cidade Alta de Cordovil”. Não publicado, 2002.

420 SAGMACS. Aspectos Humanos da Favela Carioca. São Paulo: SAGMACS, 1960. 421 OLIVEIRA, Manoel Gomes de. Op. cit.

mesma rua, fazíamos aquelas brincadeiras de festa junina, as pessoas não vieram pra cá! Foram pra outras comunidades, pra Cidade de Deus, pra Vila Kennedy, pra Realengo... Então, muitos amigos dispersaram. E foram poucos que vieram. E a Cidade Alta, ela não recebeu só moradores da Praia do Pinto, com o tempo vieram pessoas de outras comunidades. Então, era uma nova vida, porque, apesar de vivermos na mesma favela_ muitos moravam na mesma rua_ não tínhamos aquele elo. Os conhecíamos, mas só de olhar. E muitos amigos foram pra outros lados... A decepção foi essa! Porque aquelas pessoas que viviam na mesma rua, que construímos... fizemos marcas, de nossas infâncias, de nossas vidas. Elas foram ficando pra trás. Começaram a destruir toda aquela infância, toda aquela vida daquelas pessoas, e aqui, nós chegamos e vimos que tínhamos uma estrutura, mas que o custo era muito caro.”

Sem que tenha se concretizado a ampla oferta de emprego prevista nos planos de remoção e consolidação da Zona Industrial, os removidos procuraram manter-se no antigo e agora distante emprego, e logo cedo se revelaram as dificuldades para nele permanecerem. Dona Margarida trabalhava em Copacabana na época da remoção, e conta que para estar às 7:00 horas da manhã no trabalho, tinha que pegar o ônibus às 5:30, e muitas vezes andou pendurada na porta do ônibus: “Você pegar aqueles ônibus, poucos ônibus, com lotação superlotada, os motoristas eram todos tresloucados... De vez em quando aparecia nas páginas do jornal os ônibus esfacelados, amontoado um por cima do outro, assim, porque era uma correria danada, todo mundo queria chegar primeiro em qualquer lugar, entendeu? Avenida Brasil. Pra atravessar, quantos amigos, quantos conhecidos meus morreram ali! Não tinha passarela, entendeu? E nem tinha aquele viaduto ali. Então a gente ia chegando pro trabalho, descia do ônibus e ficava ali, em pé, esperando. Ficava até juntar um grupo de pessoas pra poder atravessar. Quando juntava aquele grupo, que dava uma folga, a gente metia o pé e saía aquele batalhão correndo. Aí os ônibus paravam, porque eles não iam passar em cima de dez, quinze, vinte pessoas. Era assim que a gente conseguia. Mas quem chegava mais tarde dependia de atravessar sozinho e muita gente foi atropelada ali.”422

Em pesquisa realizada no fim da década de 1970 com a população dos conjuntos habitacionais, foi constatado que diminuiu em 50% o número de moradores que iam a

pé para o trabalho (no universo do conjunto), ou seja, para esses moradores, o custo com transporte para o trabalho não existia na favela de origem.423

O pastor Guaracy Costa acompanhou de perto o drama dos removidos em relação ao choque com a transferência da Zona Sul: “Noventa por cento dos chefes de família, ou cem por cento, trabalhavam tudo na Zona Sul! A vida do povo estava na Zona Sul! As domésticas saíam da favela e iam fazer limpeza ali mesmo! Os biscateiros: na época, um pintor fazia pintura ali mesmo, ia almoçar em casa, voltava... E vir para um mundo desse aqui?! Sair de um hemisfério pra outro hemisfério! Isso aqui praticamente foi outro hemisfério! É sair de um pólo pro outro! É a mesma coisa de sair da, vamos dizer assim, não digo nem do Brasil pra África, só quem corta os dois é o oceano. Mas sair do Brasil pra ir lá pro Oriente. As pessoas estranharam muito! Mas muito mesmo! E pra vol... pra ir trabalhar lá? Quem não pagava passagem, olha só: além de pagar os 70 reais de aluguel, tinha que pagar passagem! Pessoal não pagava passagem... Pessoal ia almoçar em casa! E agora, as pessoas teriam que pagar passagem ida e volta. Não era meia hora de viagem. Era uma, uma hora e pouca de viagem. Houve muita estranheza. As pessoas pra se adaptarem foi muito difícil. Havia choro, as pessoas choravam. A minha noiva, por exemplo, ela chorava muito... ela era doméstica, trabalhava... Chorava muito e ela passou até a dormir no emprego lá embaixo. Não dava pra vir todo dia! A pessoa que tá todo dia dentro de casa, com papai e com a mamãe, ter que dormir no emprego?Foi difícil...”

Acrescente-se a isso o que Dona Margarida relata, sobre o impacto que a remoção causou na renda de muitos moradores, distantes das fontes de renda possibilitadas por biscates ou ofícios de baixa qualificação na Zona Sul: “Ali, as casas de família tudo em volta, eles tinham muito desprezo por nós. Desprezo por nós, mas precisavam do nosso trabalho. Era lavadeira, passadeira, faxineira, babá, cozinheira e lá vai! Todo mundo trabalhava, todo mundo ganhava pouco, mas ganhava. Como morava todo mundo ali perto, então não tinha problema com condução, você ia com uma roupinha limpinha, mas ia de chinelo pra casa da madame, entrava pela área de serviço, ficava tudo mais fácil! Depois que nós viemos pra cá, não podia descer pra trabalhar por 20 cruzeiros, 30 cruzeiros... ia ficar só na condução! E também por causa, a maioria com filho, deixar as crianças com quem? Aonde? Essa distância toda!

423 Rio de Janeiro, Avaliação de Programas Habitacionais de Baixa Renda. Rio de Janeiro: CPU/IBAM-

Os homens também trabalhavam na feira, nas garagens, lavando carro e fazendo mil biscates, né? Todo mundo ganhando um dinheirinho fazendo biscate, os famosos biscateiros. Depois que veio pra aqui ninguém tinha nada o que fazer. Ganhar dinheiro aqui como?”

Por conta da perda do emprego e/ou das fontes de renda complementares (ou mesmo única) de biscates que a Zona Sul oferecia, somadas às novas despesas com transporte, alimentação, prestações do apartamento e taxas (condomínio, luz, água), ocorreu do removido, não podendo arcar com os custos das prestações e novas despesas da vida no conjunto, vendeu a moradia e voltou à vida na favela (na anterior, em alguns casos; numa outra; ou mesmo numa nova favela, caso comum na Cidade Alta, do qual falaremos adiante).

Na reportagem do Jornal do Brasil, de 1971, falando sobre os atrasos e problemas no programa de remoções da CHISAM, é dito sobre os removidos da Praia do Pinto para a Cidade Alta que “o único problema de que se ressentem é a distância para os locais de trabalho, mas quando a Zona Rural tiver seu plano de indústrias integradas, esse problema ficará sanado.”424

Vemos os descompassos entre as remoções das favelas e o plano de se viabilizar uma ‘Zona Industrial’, onde os removidos compusessem a sua mão-de-obra disciplinada, qualificada e inserida na ordem capitalista e com seu ‘lugar’ na cidade. As alocações desses no mercado de trabalho permaneciam as mesmas, acrescidas das dificuldades que a distância acarretou.

E a inserção desses nas indústrias, o que necessitaria certa qualificação e ao menos um planejamento das indústrias para abrirem vagas e absorverem esta oferta de mão-de-obra só começou a se realizar, numa escala pequena para o volume de removidos, quando da inauguração do Centro de Treinamento da ACB-GB, na Cidade Alta.

Ainda segundo uma ‘polêmica’ pesquisa (por motivos que apresentaremos mais à frente) feita pelo Cenpha (Centro Nacional de Pesquisas Habitacionais) a pedido do BNH em 1970, ainda no primeiro ano de história do conjunto, observamos que os

moradores da Cidade Alta levavam, em média, uma hora e meia para chegar ao trabalho, sendo que 13% destes levavam mais de duas horas.425

O arquiteto e então diretor da COHAB, Giuseppe Badolatto, concorda que havia um grande descompasso entre a remoção da favela e a adequação do removido para a ‘nova vida’ no conjunto, como, por exemplo, na questão do transporte: “Os planos foram feitos. Se pegar o Plano Doxiadis, o plano para a cidade do Rio de Janeiro, vai ver que tudo isso foi planejado! Mas a política de habitação avançou mais rápido que a política de infra-estrutura.”426

Nota-se que a noção de distância é uma narrativa comum entre os depoentes que sofreram o processo de remoção. A distância em relação à antiga moradia era estendida à distância da vida anterior em seus vários aspectos. A ruptura não se dava somente com a favela, mas com as possibilidades que a localização desta propiciava quanto à oferta de empregos e serviços públicos disponíveis.

Uma aluna, já sexagenária, do Ensino Médio, que foi removida do Morro São João e fez um trabalho com caráter auto-biográfico, escreveu suas impressões ao vir para a Cidade Alta “Achei muito estranho. Sinceramente, não gostei muito não, porque trabalhava em Botafogo e aqui ainda não tinha ônibus. Tínhamos que pegar na Avenida Brasil.”427

Uma moradora removida da Praia do Pinto critica o processo de remoção pelo distanciamento causado por este em relação às vantagens possibilitadas pela moradia na Zona Sul (principalmente): “Na época, o que realmente era pior era a distância para o trabalho_ quase todos trabalhávamos na Zona Sul. A distância das praias, comércio, de alimentação, diversão, etc.”428

425 Condições de vida em dois conjuntos habitacionais de interesse social: Cidade de Deus e Cidade Alta.

Rio de Janeiro: CENPHA/BNH, 1970.

426 Primeiro depoimento de Giuseppe Badolatto, em 17/09/2010. 427 Trabalho GB2008/1004-11

428 Trabalho GB2007/1002-01. Foi realizado como atividade docente, ao longo da pesquisa, um trabalho

com os alunos do Colégio Estadual República de Guiné-Bissau e, a partir de 2009, da Escola Municipal Ministro Lafayette de Andrada; em que é pedido para eles pensarem a história local a partir das memórias dos moradores e responderem sobre o que seria a Cidade Alta. Neste trabalho, os alunos, além de pensarem eles próprios sobre essas questões, e escreverem sobre isso, também recolhem depoimentos de moradores sobre o processo de remoção e/ou a vinda para a Cidade Alta. A identificação deste trabalho (2007/1002-01, por exemplo) se dá pela escola, ano corrente, turma e um número de identificação para o

Uma das razões apontadas por Manoel Gomes, um dos poucos depoentes que fazem um balanço negativo da remoção, para considerar que a vida na Praia do Pinto era melhor que na Cidade Alta: “O hospital que eu nasci, o hospital Miguel Couto! Naquela época não existia plano de saúde. E era um hospital que atendia a todos, pobres, ricos, e bem! Sem nenhum plano, sem questões de marketing, que hoje existe aí... Isso é um exemplo, e tem muitos outros: nós podíamos usufruir da praia!”

Assim, além da distância do mercado de trabalho, os depoentes apontam também o choque inicial causado pela perda de acesso a serviços e lazer que a localização da favela anterior oferecia. Sobre isso, Dona Vilma afirma: “Ninguém queria sair da Zona Sul, né? Praia, cinema, coisas boas, tudo no Leblon. Quem queria sair dali do Leblon? Ninguém queria sair.”429

É o que narra também Dona Ester, moradora do conjunto Porto-Velho, vinda com 21 anos da favela da Babilônia, no Leme, por remoção em 1970, que freqüentou os colégios nas proximidades da favela e, além disso, tinha acesso mais fácil ao lazer: “Ia muito à praia, só ia! Sinto saudade de morar na Zona Sul... não de morar no morro.”430

Ney, em sua memória, diz que o sentimento dos moradores era de contrariedade frente à remoção: “Ninguém queria, né? Como é que a gente morava na Gávea, morando em plena Zona Sul, vinha querer mudar de onde a gente nasceu e onde a gente vivia bem?”

Muitos removidos que eram mais jovens tiveram, ao menos temporariamente, que interromper seus estudos. Foi o caso de Manoel: “Estudei no Colégio Santos Anjos, dentro da Cruzada São Sebastião, e lá estudavam muitos jovens da minha idade. Essa escola pública na época, ela existia e estudavam pobres e ricos. Então a qualidade de ensino era boa. Então, isso tudo foi ficando pra trás! E através desse avanço da gente aqui pra Cordovil, nós vimos que esse sonho foi ficando pra trás, nós tivemos que viver uma realidade muito cruel. Eu perdi um ano, entendeu? Até me encaixar... Quer dizer, até nisso eles, eles chegaram e causaram um cruel dano, porque eu já tava tudo direitinho, mandaram pra cá sem nenhum planejamento e depois é que foram construindo as demais escolas. Os demais colégios que aí existem. Mas logo que

aluno ou grupo que fez o trabalho. Maiores explicações sobre estes e a metodologia utilizada estão no Anexo desta tese.

429 Depoimento de Vilma de Oliveira à pesquisa no dia 25/08/2010. 430 Depoimento de Ester Porto de Oliveira à pesquisa no dia 08/09/2010.

cheguei aqui fiquei um ano sem estudar e fui estudar no Colégio Roraima, que é na parte de baixo de Cordovil.”

O relato dos moradores sobre a ausência de comércio e equipamento urbanos vai ao encontro de duas fontes, uma oficial inclusive. Numa reportagem do Jornal do Brasil quando da inauguração do conjunto, em março de 1969, é dito que: “A Secretaria de Educação iniciou a construção de três escolas primárias, cada uma com 12 salas. Numa área de 1500 metros quadrados, surgirá o centro comercial do conjunto, com 20 lojas e um supermercado.”431 A fonte oficial, o Relatório de 1969 da COHAB-GB, é mais humilde ao falar dos serviços e equipamentos existentes: “Duas escolas em construção e uma terceira em projeto atenderão, de per si, em dois turnos, 2.300

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