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Qualquer coisa que faça, você atravessará um estágio difícil para alcançar outro mais fácil: para encontrar a doçura vale o amargo incômodo. (Autobiografia - Mei Lanfang60)

A aprendizagem é “uma mudança no estado interno do indivíduo, que é inferida de uma melhora relativamente permanente no desempenho como resultado da prática” (MAGILL, 1984, p. 26). Embora seja um fenômeno nem sempre fácil de ser observado, pode ser mensurada e essa medida dependerá da natureza da habilidade61 que se observa. Percebemos que ocorre aprendizagem quando o desempenho da habilidade melhora durante um período de prática. “O desempenho deve ser persistente, ou seja, relativamente constante” (MAGILL, 1984, p.26). Ocorrendo aprendizagem, a melhora do desempenho deve ter ação mais prolongada no tempo, com flutuações cada vez menores.

A aprendizagem ocorre sempre através da prática, da experimentação, da repetição e em estágios, e está ligada à interrelação entre indivíduo, ambiente e tarefa.

60 “Mei Lanfang (1894-1961), [...] foi sem dúvida o maior ator da Ópera de Pequim, famoso

tanto na China quanto no Ocidente” (BARBA; SAVARESE, 1995: 76).

61 O termo “Habilidade” é utilizado por Magill (1984) como um ato ou tarefa ou como

indicador de qualidade de desempenho. Para Schmidt e Wrisberg (2001), habilidade é a “potencialidade para produzir um resultado de performance com máxima certeza, mínimo de energia ou tempo mínimo, desenvolvida como um resultado da prática” (SCHMIDT; WRISBERG, 2001, p. 43). No entanto, isso nem sempre se aplica ao teatro. Percebe-se aqui uma diferença entre a visão de Barba, ligada ao teatro, e a dos estudiosos do movimento, conforme será proposto nas páginas 56 e 57.

Em relação ao Indivíduo, torna-se imprescindível considerar as diferenças pessoais, observando se já existe uma experiência prévia do sujeito relevando que “o nível de uma performance de uma pessoa é suscetível a flutuações em fatores temporários, tais como motivação, ativação, fadiga, condição física” (SCHMIDT; WRISBERG, 2001, p. 25).

Independentemente de esse indivíduo ser atleta, circense ou ator, serão suas diferenças individuais que imprimirão suas marcas em seus movimentos pessoais.

No simples ato de movimentar-se, o homem provoca uma relação dialógica com o mundo. Ao se analisar o movimento humano torna-se, então, imprescindível “observar o sujeito que se movimenta, a situação ou o contexto em que o movimento é realizado e o significado ou o sentido relacionado ao movimento” (KUNZ, 2000, p. 79). Esta “situação ou contexto em que o movimento é realizado” diz do Ambiente62, do local onde acontece o aprendizado. Considera-se que os contextos culturais, sociais e étnicos nos quais o indivíduo se encontra afetam a forma como se movimenta, reforçados pelas condições materiais de conforto, adequação e segurança do espaço. Incidindo diretamente sobre o sujeito, é esse contexto-alvo que reflete na “inculturação” 63 - um comportamento espontâneo de absorção, desde o nascimento, do meio cultural e social e

62 Schmidt e Wrisberg (2001) classificam as habilidades motoras pelo nível de previsibilidade

ambiental, definindo-as como abertas (realizadas em um ambiente variável e imprevisível durante a ação) e fechadas (realizada em ambiente fechado e previsível).

63 “Os antropólogos definem como inculturação este processo de absorção passiva,

sensório-motora, do comportamento cotidiano de uma dada cultura” (BARBA; SAVARESE, 1995, p. 189).

na “aculturação”, que é um processo forçado, imposto de fora, diferente das maneiras cotidianas, normalmente encontrado nas formas de expressões artísticas, como teatro, dança e circo.

Assim, esse “significado ou o sentido relacionado ao movimento” (cf.p. 52) poderá ser chamado de Tarefa, ou seja, a atividade a ser aprendida ou que o indivíduo quer ser capaz de realizar. A natureza da tarefa se relacionará com o nível de dificuldade da atividade em relação ao indivíduo - sobre suas capacidades motoras64, suas habilidades já adquiridas ou não, seus fatores sensório-perceptivos, sua capacidade de tomada de decisão e de produção de movimento.

A relação do indivíduo com a tarefa e a quantidade e a qualidade de suas experiências práticas influenciarão na sua habilidade65 em executar um movimento. Sua habilidade estará relacionada também a sua capacidade motora, que é o seu “equipamento básico”, desde o seu nascimento66. Dependendo da tarefa proposta, o indivíduo terá maior capacidade em executá-la habilmente, mas o mesmo indivíduo, em relação a outro movimento, poderá demonstrar menos destreza por possuir menos

64 A Capacidade Motora está relacionada com as diferenças individuais e é considerada

como a base para todas as habilidades motoras complexas. Ou seja, o nível de habilidades que um indivíduo consegue alcançar depende de seu “equipamento” básico com o qual nasce.

65 Schmidt e Wrisberg (2001) classificam as habilidades motoras sobre a perspectiva da tarefa, podendo ser discretas (caracterizada por início e fim definidos), seriadas (várias ações discretas conectadas em seqüência) e contínuas (freqüentemente repetitivas ou rítmicas por natureza, com a seqüência de ações fluindo por vários minutos).

66 Ainda não há uma unanimidade entre os teóricos do comportamento motor em relação

à capacidade motora ser um fator determinado pela genética ou pela experiência. Schmidt e Wrisberg (2001), definem capacidade como “traços estáveis e duradouros que,

na sua maior parte, são geneticamente determinados e que embasam a performance

habilidade para tal. A assimilação de suas experiências anteriores pode, assim, dependendo de sua capacidade motora, refletir uma transferência de aprendizagem positiva, nula ou negativa.

No teatro, essas tarefas ou ações podem ser consideradas por outro viés, que não só o movimento em si. Para Stanislavski (1997), um ator pode estar em plena atividade sem fazer nenhum movimento, pois existe uma ação interior e outra exterior.

Meierhold, ao dizer sobre o teatro de Maeterlinck e sobre a tragédia, fala da necessidade do teatro “imóvel”, em que a técnica é abordada preferencialmente pela economia dos movimentos, prescindindo do supérfluo “a fim de não distrair os espectadores dos sentimentos complexos” (CONRADO, 1969, p. 25) e ainda faz uma interessante colocação entre o interno e o externo, referindo-se à obra dramática:

[...] toda obra dramática comporta dois diálogos: o exterior, necessário, que consiste nas palavras que acompanham e explicam a ação; e o diálogo interior, que o espectador surpreenderá não na réplica, mas nas pausas, não nos gritos, mas nos silêncios [...]. Maeterlinck construiu o diálogo ‘exterior necessário’ de um modo a não atribuir aos personagens senão um mínimo de palavras com o máximo de tensão (MEIERHOLD apud CONRADO, 1969, p. 25).

No caso do circense, as ações nos aparelhos são consideradas pelo ângulo do movimento técnico, mas podem ser alteradas pela intencionalidade da ação interior e exterior da personagem, quando este se propõe a “construir” uma personagem.

A construção de uma personagem pode ser análoga ao desenvolvimento motor que é “um processo seqüencial e contínuo, relacionado à idade, pelo qual o comportamento motor se modifica”

(HAYWOOD; GETCHELL, 2004, p. 19) e pode ser ilustrado pela construção da simples ação de caminhar: um bebê, antes de iniciar seus primeiros passos, vivencia vários processos de maturação em seus sistemas nervoso, esquelético, muscular. Por volta dos oito meses de idade, começa a se colocar de pé, com apoio; depois (quase sempre) engatinha; troca alguns passos apoiado em alguma coisa, descobrindo novas formas de equilíbrio, adaptando-se à nova distribuição de peso, reorganizando seu corpo. Finalmente, começa a andar, deslocando-se sozinho.

De certa forma, a ação de caminhar, ou qualquer outra ação cotidiana, se aplica ao ator no momento em que ele “refaz” esses processos. Ao caminhar, por exemplo, ele se recoloca de pé, reorganizando o corpo sobre as estruturas esqueléticas e musculares, buscando técnicas que, inclusive, se contraponham às técnicas cotidianas, evitando-se os condicionamentos habituais do corpo.

Encontra-se em Barba e Savarese (1995), a afirmação de que Stanislavski propõe ao ator uma técnica de inculturação, partindo de sua “espontaneidade elaborada”, que anima e dilata esta naturalidade inculturada do ator. “Por meio do ‘se mágico’, por meio de uma codificação mental, os atores alteram seu comportamento cotidiano, mudam sua maneira habitual de ser, e materializam a personagem que eles vão retratar” (BARBA; SAVARESE, 1995, p. 189).

Barba e Savarese (1995) observam que em todas as culturas torna-se também possível a “aculturação” no comportamento cênico, em que

[...] os dançarinos modernos e bailarinos clássicos, mímicos e atores de teatros orientais tradicionais recusaram sua ‘naturalidade’ e adotaram outra forma de comportamento cênico. Eles se submeteram a um processo forçado de ‘aculturação’, imposto de fora, com maneiras de ficar de pé, andar, parar, olhar e sentar, que são diferentes das técnicas cotidianas (BARBA; SAVARESE, 1995, p. 189).

Castilho et al. (2003), assim como Barba (1994), considera que o ator tem uma segunda natureza que deve ser “’re-trabalhada’, adquirida por meio de treinamento e prática” (CASTILHO et al., 2003, p. 150), amplificando a presença do ator em cena. Assim, entendo o ator na forma que Barba67 o propõe, como aquele que “usa muito mais energia e precisa usar um esforço maior do que quando caminha de acordo com sua técnica cotidiana” (BARBA; SAVARESE, 1995, p. 77), não considerando, porém, que isso signifique menor desempenho ou performance e sim, mais uma forma de se expressar, de construir sua personagem ou técnica para a atuação e amplificação da presença em cena.

Para Barba (1994),

[...] as técnicas cotidianas do corpo são em geral caracterizadas pelo princípio do esforço mínimo, ou seja, alcançar o rendimento máximo com o mínimo uso de energia. As técnicas extra-cotidianas baseiam- se, pelo contrário, no esbanjamento de energia. Às vezes até parecem sugerir um princípio oposto em relação ao que caracteriza as técnicas cotidianas, o princípio do uso máximo de energia para um resultado mínimo. (BARBA, 1994, p. 31).

A partir de então, ao falar de ator, estarei considerando, assim como Barba, a busca por esse corpo não-cotidiano. Já os estudiosos do

67 Barba assim como Laban, considera o ator como ator-bailarino ou ator-dançarino, não

fazendo as distinções comumente encontradas na cultura Ocidental entre um e outro. Já Castilho (2003), considera performer, ator-bailarino e ator como sinônimos. No presente estudo, adotarei a nomenclatura ator no mesmo sentido de ator-bailarino e ao me referir aos atores e aos circenses, estarei me referindo a estes artistas como alunos, artistas em processo de formação.

movimento estão considerando o indivíduo que se movimenta para executar quaisquer tarefas, desde as mais cotidianas, como levantar-se, trabalhar em qualquer atividade, praticar um esporte como lazer, às mais específicas, como, por exemplo, treinar para um esporte como atleta de alto nível (nível competitivo).

Esclarecidas as interrelações entre indivíduo, tarefa e ambiente, passarei às etapas de desenvolvimento da aprendizagem motora, adotando para isso, os termos que os autores Schmidt e Wrisberg (2001) sugerem: estágio inicial, associativo e autônomo (ou motor).

A aprendizagem (estágio) inicial

[...] é caracterizada por tentativas do indivíduo de adquirir uma idéia do movimento (Gentile, 1972) ou entender o padrão básico de coordenação (Newell, 1985). Para tanto, o indivíduo deve realizar uma quantidade considerável de resolução de problema, envolvendo o exercício de processos cognitivo (Fitts; Posner, 1967) e verbal (Adams, 1971) (SCHMIDT; WRISBERG, 2001, p. 26).

Os autores apresentados por Schmidt e Wrisberg (2001) definem essa primeira etapa da aprendizagem como um entendimento da atividade por parte do executante. Isso se apresenta, normalmente, na forma de movimentos mais lentos, menos precisos, em que a falta de confiança e a indecisão dos executantes são refletidas pelos seus comportamentos motores que, por vezes, têm uma aparência rígida: “mesmo quando fazem alguma coisa corretamente, os iniciantes não têm certeza de como a fizeram” (SCHMIDT; WRISBERG, 2001, p. 26).

Alguns estudiosos que se debruçam sobre os processos de formação dos atores, também consideram que o aprendizado do ator se dá por

etapas. Se tomarmos Stanislavski (1997) como exemplo, ao dizer sobre a criação de um papel, veremos como a primeira etapa de criação se assemelha à aprendizagem inicial:

[...] na primeira etapa do trabalho de criação de um papel, o ator sente qual deve ser o seu procedimento para penetrar na vida de seu personagem, sem ter uma compreensão total do que está se passando nele e a seu redor (STANISLAVSKI, 1997, p. 157 - grifo meu).

Yoshi Oida (2001), ator japonês, também descreve por etapas e por faixa etária o desenvolvimento da aprendizagem do ator:

[...] é útil começar a praticar canto e dança aos sete anos (o que corresponderia a seis anos no ocidente), uma vez que nesta idade as crianças não têm consciência de si mesmas; não têm ambição nem sentido exibicionista ainda definido; não querem ser famosos. [...], durante a adolescência, um ator pode provavelmente demonstrar um certo nível de domínio técnico (caso tenha começado a praticar aos cinco, seis anos). Quando atingimos a idade de mais ou menos dezesseis anos, temos de encarar um período difícil teatralmente. Visualmente e vocalmente parecemos adultos: nosso corpo se alterou e a voz também mudou, ou está mudando. Paralelamente nossos padrões intelectuais estão mais maduros. Por conseguinte, o público nos perceberá como adultos e julgará nosso trabalho segundo aquele padrão. [...] É um período muito embaraçoso, e a coisa mais útil a fazer nesse caso é simplesmente nos concentrar no treinamento. [...] 23 anos é quando entramos na fase mais importante da nossa vida profissional. Agora o corpo praticamente parou de crescer e mudar, de modo que somos capazes de “digerir” fisicamente qualquer coisa que tivermos aprendido. Nosso treinamento e desenvolvimento físico vêm juntos, como um fruto que amadureceu. [...] Não se trata de avaliar o virtuosismo da atuação (OIDA, 2001, p. 159-160 – grifos meus).

Oida (2001) torna-se um bom exemplo da afirmação de que o sujeito movimenta-se de acordo com suas “particularidades culturais e sociais” (BÓGEA, 2004, p. 10), pois tudo que ele descreve é impregnado da cultura oriental. Reafirmando essa hipótese, Barba (1995) considera que “o nosso uso social do corpo é necessariamente um produto de uma cultura: o corpo foi aculturado e colonizado” e que “os exercícios de treinamento são essa ‘segunda colonização’” (BARBA, 1995, p. 245).

Essas particularidades devem ser relevadas durante todo o processo de aprendizagem. Na Segunda fase ou estágio associativo, deve ser levado em consideração que

[...] dependendo de uma variedade de fatores, tais como as capacidades adquiridas, motivação, experiência prévia e a dificuldade da tarefa, as pessoas, eventualmente, atingem um estágio de aprendizagem em que a performance torna-se mais precisa e consistente (SCHMIDT; WRISBERG, 2001, p.26 – grifo meu),

independentemente se, no caso do artista cênico, o aprendiz é de teatro, de circo, de dança. Ou seja, essa é uma etapa que ocorre durante a aprendizagem de uma tarefa qualquer. Magill (1984) também nomeia essa etapa de estágio associativo, “marcado por uma modificação da natureza, assim como na quantidade de atividade cognitiva envolvida na produção das respostas” (MAGILL, 1984, p. 44). Nesse estágio, o aprendiz procura por respostas relativas às próprias técnicas ou estratégias, utilizando inicialmente maior quantidade de atividade mental ou intelectual, estando, em relação à fase anterior, mais relaxado, mais confiante, mais decidido, com movimentos mais precisos, mais fluentes, errando menos e com resultados mais eficientes em relação ao padrão de movimento requisitado. Ao insistir na aprendizagem desse movimento, o aprendiz passa a ter “uma boa idéia do padrão geral do movimento, iniciando, agora, o processo de

refinamento, modificação e adaptação daquele padrão para alcançar as

demandas ambientais específicas68” (SCHMIDT; WRISBERG, 2001, p. 26 – grifo

68 É observado, porém, que por vezes, há uma estabilização na aprendizagem, o que alguns

autores denominam como platô de aprendizagem ou platô de desempenho. Seria um tempo em que, aparentemente, não há desenvolvimento da performance e que isso poderia ser devido a um “período de baixa motivação, fadiga ou falta de atenção dirigida a um aspecto importante da habilidade” (MAGILL, 1984,p. 39).

meu). Aqui, tanto o ator quanto o circense ou um outro indivíduo, pode imprimir a qualidade do movimento à sua aprendizagem, de acordo com o estabelecimento de suas “metas de processo” (cf.p. 37-38) e pode, ainda, escolher a via motora, em que o determinante do resultado é o próprio movimento, e/ou a via cognitiva, em que a natureza do movimento é menos importante que a estratégia ou decisão a ser tomada. Normalmente, a maioria das habilidades está localizada entre um extremo e outro e, não são “puramente” motoras ou “puramente” cognitivas.

Meierhold, através de seus estudos biomecânicos, afirmava que os movimentos propostos pelos atores deveriam anteceder tudo, não se devendo “autorizar um ator a subir num palco antes dele ter criado um

roteiro de movimentos” (CONRADO, 1969, p. 86). Para a criação deste

“roteiro”, o ato motor passa a ter uma maior ênfase, ao mesmo tempo em que é também associado à compreensão cognitiva do mesmo. O ator, para melhor compreender a “escultura” de seus movimentos, poderá fazê-la através da decupagem, ou seja, fragmentando passo a passo o movimento para depois executá-lo como um todo. Ao “decupar”, o ator compreende melhor a relação entre o espaço e o seu corpo, permitindo a si mesmo mais confiança e maior autonomia para realizar o movimento. Segundo os profissionais do movimento, a prática de “versões mais simples (ou partes) de uma tarefa, realmente se transfere[m] positivamente para a performance subsequente do indivíduo ou aprendizagem da tarefa como um todo” (SCHMIDT; WRISBERG, 2001, p. 194).

Para Barba e Savarese (1995), “um exercício é uma ação que se aprende e se repete após tê-lo escolhido com objetivos muito precisos na mente” (BARBA; SAVARESE, 1995, p. 245). Eles dão continuidade a esse raciocínio cognitivo dizendo que

[...] dessa maneira, constrói-se uma série inteira de exercícios que se pode aprender e repetir [...]. Em princípio, os exercícios são repetidos [...] de um modo mecânico; mais tarde eles serão absorvidos e começarão a ter seu próprio desenvolvimento. Então o ator pode escolher (BARBA; SAVARESE, 1995, p. 245).

Ao “poder escolher”, o ator se aproxima do que se chama do estágio autônomo (ou estágio final), em que o ato motor já se torna tão presente, que ele pode executá-lo sem dispensar-lhe muita atenção. Isso só se torna possível após muita prática e experiência com a habilidade, ao ponto de serem geradas de maneira quase automática. Aqui, o aprendiz é capaz de detectar os próprios erros e fazer os ajustes necessários para as correções, cessando “a necessidade de dirigir atenção consciente para o ato motor” (MAGILL, 1984, p. 43) 69, tornando-se claro, mais uma vez, que a aprendizagem é um processo que necessita de repetição, compreensão e acontece de forma tanto cognitiva quanto motora, variando a cada fase, a intensidade entre cognição e ato motor.

69 Os nomes dados a essa etapa são variados, mas sugerem praticamente a mesma coisa.

Fitts e Posner (1967) chamam este estágio de “estágio autônomo”, enquanto Adams (1971) rotula-o de “estágio motor”, sugerindo ênfase proporcionalmente maior nos aspectos motores da tarefa do que nos cognitivos. [...] esses indivíduos são capazes de detectar e corrigir erros em seus movimentos, se e quando os erros realmente ocorrem (SCHMIDT; WRISBERG, 2001, p. 27).

E é então neste momento “autônomo” que a técnica torna-se “invisível” e liberta o artista para o ato criativo70.

Stanislavski (1997) afirma que “não importa quão hábil um ator possa ser em sua escolha de convenções cênicas: devido à qualidade mecânica que lhes é inerente, ele não pode comover os espectadores por intermédio delas” (STANISLAVSKI, 1997, p. 34). E considera ainda que “o autodomínio e o acabamento encontram-se entre as maiores qualidades dos artistas de teatro que atingiram um nível superior de sua arte” (STANISLAVSKI, 1997, p. 50).

Os alunos de teatro e/ou os alunos de técnicas circenses, para chegarem a este patamar sugerido por Stanislavski, necessitam de muita repetição, ensaio e treinamento. Assim, ao se tornarem cientes de seus corpos e de suas apreensões, poderão ampliar seus repertórios corporais, deixando seus corpos livres para a criação e com a possibilidade de incutirem, conscientemente, suas características individuais nas técnicas. Daí, ao executarem qualquer movimento com segurança, sem medo, com domínio corporal, trarão para o trabalho artístico o que o diferencia de um movimento meramente mecânico: a expressividade.

70 Interessante a avaliação Lou Mafra que exerceu monitoria em minhas aulas no 2º semestre

de 2004 e 1º semestre de 2005 e cursou a formação circense na Spasso- Escola Popular de Circo, em Belo Horizonte. Sobre a utilização das técnicas circenses no trabalho do ator, ela diz: “No teatro, o trapézio não é o trapézio, o tecido não é o tecido. O que importa é o que

se faz disso. [...] Deixar ficar orgânico e não só se apropriar da técnica. Quando o ator se

Ainda permeando o campo da aprendizagem e dos movimentos, levantarei a seguir questões relativas ao corpo e suas relações sócio- histórico-culturais, influenciadas pelo contexto artístico.

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