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Capítulo II – Macroeconomia, instituições e performance: o caso da interação entre

II.2 Banco Central Independente e Barganha Salarial

A relação entre desempenho macroeconômico e complementaridade institucional é apresentada formalmente na abordagem de Variedades de Capitalismo, quando se discute a determinação do nível de emprego/desemprego e sua relação com a taxa de inflação no curto prazo39.

A questão emerge, inicialmente, como resultado do encontro, e confronto, entre duas tradições da economia política comparada que se deparam com o problema do manejo da política macroeconômica, em geral, e da política monetária, em particular, e sua relação com os distintos arranjos institucionais que circunscrevem o processo decisório dos “policy makers”.

O texto de Franzese, no livro Varieties of Capitalism de Hall e Soskice (2001), é bastante elucidativo acerca do problema em tela. Segundo o autor:

Institutional political economists interested in politico-economic management of inflation and unemployment have confronted two disparate and partially contradictory literatures. One approach derives from the modern neoclassical economics of monetary policy and stresses the monetary authority’s anti- inflationary conservatism and credible autonomy from current government. The central claim is that credibly autonomous and conservative central banks achieve nominal (e.g. inflation) benefits at no real (e.g. employment) cost on average. The other derives from the study of interest intermediation in democracies and stress institutions in labor and, more recently goods markets. Its central claim is that coordinated wage/price bargaining fosters restrained settlements by internalizing certain externalities inherent to the bargains thereby providing real and perhaps also nominal benefits. Each argument emphasizes a single institution in the macro political economy: the degree of central-bank independence from political authority or of wage/price-bargaining coordination across the economy (Franzese, 2001: 104).

Porém, como advertem diversos autores (Hall, 1994; Hall e Franzese, 1998; Cukerman e Lippi, 1999; Franzese, 1994, 2001 e 2004; Soskice e Iversen 2000 e 2004; Calmfors, 2004 e Carlin e Soskice, 2006, entre outros), a política monetária e a barganha salarial encontram-se profundamente associadas. Neste sentido, os efeitos reais ou nominais na economia, decorrentes, por exemplo, da execução da política monetária por um Banco

39 O termo curto prazo é utilizado neste momento em sua acepção convencional, isto é, situação de equilíbrio na qual nem

todos os ajustamentos, sobretudo de preços, foram realizados e em oposição ao longo prazo onde a economia encontra-se em seu nível e taxas naturais e o que se estuda é o crescimento.

Central independente só poderiam ser corretamente apreendidos na medida em que se levasse em conta a influência mútua entre esta instituição e aquela que dá forma à barganha salarial.

A discussão relevante deveria versar, portanto, sobre a maneira pela qual Bancos Centrais e formadores de preços (empresas) e salários (sindicatos) interagem no processo decisório. Duas perguntas surgem imediatamente desta possível interação: i) em que medida os formadores de preço e salário levam em conta a reação do Banco Central às suas decisões ao longo da barganha salário/preço40?; ii) de que modo o Banco Central leva em conta o mecanismo de barganha na gestão da política monetária?

Cabe ressaltar, entretanto, que, do ponto de vista teórico, a conciliação entre as duas abordagens em tela não é nada trivial. Isto porque, enquanto a abordagem dos bancos centrais independentes se configura como um desdobramento da tradição novo-clássica, o debate sobre barganha salarial está vinculado aos modelos novo-keynesianos de extração européia.

De acordo com Carlin e Soskice (2006), esta conciliação só é possível na medida em que os modelos novos-keynesianos são capazes de absorver um dos elementos centrais da abordagem dos bancos centrais independentes, a saber, a existência de expectativas racionais41.

Embora a apropriação das expectativas racionais tenha sido feita há muito tempo e com relativa desenvoltura e desinibição pela tradição novo-keynesiana, é importante notar que o processo de formação de preços e os determinantes da inflação são distintos no debate sobre barganha salarial e independência da autoridade monetária.

Um dos aspectos mais importantes do trabalho de Carlin e Soskice está associado não só à demonstração da aderência da hipótese de expectativas racionais (HER) nos modelos novos-keynesianos, mas, principalmente, à proposição, um tanto quanto surpreendente, ou mesmo paradoxal, segundo os próprios autores, de que “the hypothesis of

40 Como bem observa Franzese (2001), o termo barganha salarial é incompleto, pois desconsidera a importância dos

empresários e o mecanismo de formação de preços na determinação dos salários. Por esse motivo, o termo mais correto é barganha salário/preço. Por simplicidade e estilo utilizaremos, doravante, a expressão barganha salarial e barganha salário/preço alternadamente, ambas com o mesmo significado.

41 Ao discutirem os micro-fundamentos da abordagem novo-keynesiana, os autores afirmam que “[t]here is an agreement that a satisfactory model should allow for wage and price rigidities, should be based on optimizing behaviour by micro agents, and that individual behaviour should satisfy rational expectations” (Carlin e Soskice, 2006: 563, grifo nosso)

rational expectations is probably more appropriate in economies that are highly co- ordinated in their wage-setting behaviour than in economies with more fragmented decentralized wage-setting practices” (Carlin e Soskice, 1990: 203)42. É com base nesta argumentação que os autores têm procurado, nos últimos 20 anos, fundamentar modelos de barganha salarial que dão azo à existência de taxas de emprego de equilíbrio ou, mais precisamente, à NAIRU.

Recentemente, Soskice (2008) procurou demonstrar a existência de um vínculo direto entre a tradição novo-keynesiana e a abordagem de Variedades de Capitalismo, vínculo que se manifesta, sobretudo, nas formas de interação entre as instituições que regulam a política econômica e a barganha salarial.

Segundo o autor, em seu texto entitulado “Macroeconomics and Varieties of Capitalism”43, o argumento central subjacente à VoC é que “...poweful complementarities tie aggregate demand management regimes (ADMR) into the nexus of complementarities linking production regimes with welfare states and political systems”( Soskice, 2008: 89).

O raciocínio de Soskice (2008) se desdobra sobre a possível relação entre diferentes ADMR e a trajetória recente do desemprego nos países desenvolvidos. A hipótese do autor é que essa trajetória é, de fato, resultado de distintos regimes de gestão da demanda agregada. O argumento está baseado, fundamentalmente, no modelo novo- keynesiano. Segundo o autor é possível mostrar:

how developments in modern macroeconomics in the last decade or so help in providing a positive answer to the (…) question: The increasingly dominant New Keynesian paradigm offers a framework in which differences in fiscal and monetary policies may be able to account for some of the variations in unemployment between the large [coordinated market economies] (CMEs), German and Japan, and the [liberal market economies] (LMEs) UK and US, while also explaining how many small CMEs have relatively low unemployment( Soskice, 2006: 89).

42 Esta questão é, de fato, muito importante, pois os autores introduzem um viés institucional no processo de formação de

expectativas racionais que, em geral, não depende de nenhuma hipótese deste tipo, aliás, muito pelo contrário. Ao que tudo indica este expediente parece ter como objetivo reforçar a idéia de que formas de coordenação fora do mercado e do sistema de preços não implicam qualquer ruptura com hipóteses restritas sobre a racionalidade dos agentes. Nos capítulos 3 e 4 discutiremos com mais detalhes a relação entre a racionalidade dos agentes, formação de expectativas e sua relação com as instituições.

A citação acima é, com certeza, um exemplo bastante forte do modelo teórico subjacente à VoC. No entanto, ainda que esta abordagem tenha a virtude de alçar ao centro do debate o papel das instituições e, mais recentemente, do relacionamento entre arranjos políticos (sistemas eleitorais e construção de maiorias legislativas) e resultados econômicos, a mesma parece padecer da dificuldade de estabelecer uma separação nítida entre agentes ou organizações e instituições, bem como articular um critério de racionalidade compatível com o papel das instituições44.

Antes, porém, de avançar nas críticas à VoC, é preciso mergulhar com um pouco mais de profundidade na utilização que esta abordagem faz do modelo novo- keynesiano, explicitando suas virtudes e debilidades.