• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III – Problemas e limitações da abordagem de Variedades de

III.2 O problema da tipologia dual

Uma das maiores limitações da VoC está relacionada ao excessivo esquematismo com que apreende a diversidade no capitalismo contemporâneo. Isto ocorre

na medida em que define como matrizes institucionais representativas os modelos polares de economia liberal (ELM) e coordenada (EMC).

O primeiro problema está na forma de classificação das economias. Nos trabalhos da VoC, a distinção entre ELM e EMC é feita, em geral, com base na apropriação de supostas características das economias norte-americana e alemã, as quais se convertem em elementos constitutivos dos tipos ideais de capitalismo. Neste sentido, o que se faz, de fato, é tomar os casos exemplares de EUA e Alemanha como modelos de referência, de modo que a descrição da complementaridade institucional nos tipos ideais, nada mais é o do que o relato, parcial, de alguns elementos salientes ou mesmo caricaturais dos formatos institucionais daquelas economias. A passagem a seguir do livro de Amable (2005) captura bem este problema.

Les types considérés dans des approaches dichotomiques sont d’habitude donnés à partir d’exemples nationaux specifiques; les Etats-Unis sont un exemple presque parfait d’une ELM et l’Alemagne personifie l’ECM pour Hall e Soskice (2001) par exemple. La constrution théorique des archetypes s’appuie généralement, sur la théorie, sur l’inference d’études de cas spécifiques et sur des comparaisons internationales; les catégories théoriques portent toujour les marques des exemples spécifiques à partir desquelles ont eté construites (Amable, 2005 : 107-108).

Entretanto, é importante notar que a classificação de economias do tipo “A”, “B” ou “C” é uma questão empírica e não pode ser postulada a priori. Além disso, o processo de classificação depende de instrumental rigoroso que, em primeiro lugar, estabeleça os critérios de comparação como, por exemplo, o grau de centralização da barganha salarial (questão aflorada no capítulo II), o tipo de sistema de treinamento e a forma da governança corporativa. Somente a partir da definição de um instrumental de análise comparável é que se pode proceder de forma adequada ao agrupamento das economias e, de preferência, através do uso de técnicas de análise multivariada ou outro tipo de metodologia quantitativa de classificação75.

O segundo problema é que nem mesmo as supostas características atribuídas às economias representativas dos tipos ideais correspondem efetivamente à realidade destes

75 Para um contraste veja Amable e Petit (1999), Amable (2005) e Boyer (2004), em que os autores utilizam desde

modelos de painel, com efeitos fixos e aleatórios, técnicas de análise multivariada e análise booleana, respectivamente, para classificar os tipos de capitalismos e o impacto da complementaridade na performance econômica.

países. Um exemplo interessante vem da economia norte-americana.

Em um artigo recente e bastante provocativo, intitulado “What is the American model really about”, publicado no “Industrial and Corporate Change”, James K. Galbraith questiona a percepção atual sobre a organização da economia e sociedade americanas. Para ele a idéia de que nos EUA vigore um modelo liberal de mercado não passa de um mito.

Segundo Galbraith:

High employment in America stems not from flexible wages, but from institutions that foster high effective demand, especially in health care, higher education, housing, and the spending of retirees. These institutions combine public and private revenue sources so as to establish soft budget constraints; the net effect is to displace deficit spending from the public to the private sector—a Keynesian Devolution that in the late 1990s drove demand to full employment levels even though public deficits disappeared. (2007: 1)

Neste sentido, parece haver evidências de que pouco do recente desempenho econômico dos EUA está relacionado a qualquer característica estilizada do modelo liberal de economia.

O terceiro problema da tipologia dualista da VoC é uma decorrência do primeiro, e diz respeito à hipótese explícita de que as ELM e EMC são modelos estáveis de capitalismo. Neste caso, as economias que não se encaixam nos tipos ideais, isto é, os casos híbridos, são considerados instáveis e tendem, ao longo do tempo, a convergir para um ou outro modelo (Hall e Soskice, 2001).

Segundo Amable (2005) os problemas que decorrem da adoção de um modelo dual são bastante significativos, pois:

Comme dans la contribuition de Michel Albert (1991), la classification binaire de Hall e Soskice (2001) entre economies liberales de marché et economies coordonées de marché laisse un certain nombre de cas nationaux dans une position ambigüe, puisque ces pays ne s’appuient pas nettement sur des principes de coordination de marché, ni possèdent des groupes d’interêt forts et organisés sur lequels la coordination hors marché pourrait être fondée. La France et l’Italie constituent de tels cas intermediaries (Amable, 2005: 107).

Além disso, o autor observa ainda que existe uma dificuldade fundamental nas análises binárias, tal que:

…en traitant un grand nombre de pays comme de cas intérmediaires, et donc, imparfaits on peut négligencier un regroupement plus complex. Les cas intermédiaires de la dichotomie peuvent appartenir à d’autres catégories que l’analyse initiale ignore, ce qui suggère que certains aspects importants de la différenciation des pays ont été négligés par l’analyse binaire (Amable, 2005 : 108)

Assim, a tipologia dualista da VoC limita as possibilidades de interpretação do que ocorre no capitalismo contemporâneo (Kesting e Nielsen, 2008) - crítica que, se pertinente para o estudo das economias desenvolvidas, torna-se ainda mais relevante se houver a pretensão de estender esse instrumental para todo e qualquer tipo de economia, tal como sugerem Hall e Soskice (2001)76.