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O BANCO DO NORDESTE DO BRASIL E A SOLIDIFICAÇÃO INSTITUCIONAL DO DESENVOLVIMENTISMO

5 O ESTADO DAS ARTES DA CIÊNCIA ECONÔMICA NORDESTINA: INSTITUIÇÕES, INDIVÍDUOS E INTERPRETAÇÕES

5.2 O BANCO DO NORDESTE DO BRASIL E A SOLIDIFICAÇÃO INSTITUCIONAL DO DESENVOLVIMENTISMO

A emergência do problema nordestino não se traduziu numa mudança rápida dos paradigmas que regulavam os debates sobre a situação regional: ou seja, a dinâmica dessas discussões continuou a obedecer às ocorrências das secas, épocas em que a busca por remédios eficazes tornava-se mais urgente e tais debates eram intensificados. Paradoxalmente, isso não impediu a superação da solução hidráulica, e se instituições como o BNB e a Sudene foram criadas em tempos de estiagem, é porque, tradicionalmente, eram nesses períodos que os canais governamentais se reorganizavam na direção de medidas mais contundentes para o Nordeste,

possibilitando que indivíduos relacionados a este tema ganhassem poder decisório nas diferentes instâncias estatais.

Assim sendo, viu-se a formação de um novo jogo de forças na relação Governo Federal- Nordeste. Se, desde muito antes, os grandes fazendeiros nordestinos já vinham se aproveitando desta relação para fortalecer seu domínio local; em meados dos anos 1950, a presença de intelectuais desenvolvimentistas no Estado brasileiro, assim como a escalada desta ideologia no cenário nacional, permitiu que a denominada solução estrutural ganhasse terreno e se institucionalizasse na região, viabilizando que a discussão sobre os problemas nordestinos começasse a se descolar do fenômeno das secas enquanto seu principal mote, atentando para outras nuances, como regime de terras, subemprego, renda per capita, etc. Nesse sentido, a criação do Banco do Nordeste do Brasil, em 1952, é acontecimento-chave para se perceber a penetração desta intelectualidade no governo brasileiro, tendo sido a primeira grande institucionalização do desenvolvimentismo regional.

As primeiras concepções do BNB partem da Assessoria Econômica de Vargas, então importante órgão econômico que reunia grande parte dos economistas nacionalistas mais destacados (ver Capítulo 2). Rômulo Almeida, chefe da Assessoria, foi responsável por guiar os estudos para elaboração do projeto, principalmente por conta de sua proximidade com o Ministro da Fazenda, Horácio Lafer, de quem tinha sido assessor. Foi por meio de declarações de Lafer, inclusive, dadas após uma visita às áreas atingidas pela seca, que primeiro se tornou pública a intenção de criar tal entidade

o Nordeste, pela sua forte e corajosa população, poderia contribuir mais vantajosamente para o progresso do país, tivesse a seu favor uma assistência crediária mais ampla, especializada à natureza peculiar de seus empreendimentos agrícolas e industriais.

O combate às secas, através de grandes obras de engenharia, como as projetadas, ou as de emergência [...] geram sempre improfícuo, se não for acompanhado de elementos capazes de fortalecer a economia regional, mediante o amparo às suas atividades econômicas (Correio da Manhã, 3 de maio de 1951, p. 4)

Uma instituição de crédito específica para o Nordeste resolveria, num primeiro momento, a disponibilidade de capitais para a região, então principal problema que se colocava para a resolução geral do subdesenvolvimento. A longo prazo, previa-se que o aumento de capitais seria o primeiro passo para uma reestruturação definitiva da economia regional, se aliado estivesse, claro, a um planejamento minucioso por parte do Estado. Em certo sentido, o

BNB adiantou muitas políticas que seriam melhor estruturadas já com a Sudene, e as primeiras experiências de planejamento regional, mesmo que ainda incipientes, passaram pelo Banco.

Em outras searas, o Banco também adiantou outra tendência – negativa – que se veria com a Sudene: a tentativa de captura destas instituições por setores do próprio Nordeste mais ligados a interesses particulares, tendência à qual já se inseria o DNOCS. O dilema fundamental, ao se analisar o processo de fundação de ambas estas autarquias, é que grupos de outras regiões acabaram sendo mais favoráveis – e decisivos – para sua implantação do que os autóctones, ligados justamente ao proveito daquelas classes às quais o ideal de industrialização planejada acabava por se opor. Nesse sentido, o BNB sofreu, também, tentativas de desconfiguração do projeto inicial, enquanto este ainda tramitava pela Câmara Federal a partir de fins de 1951, como relembra Rômulo Almeida

Enquanto que as soluções estruturais são soluções que não atendem a objetivos imediatos deles [grupos autóctones], e pelo contrário, tendem a retirar o poder tradicional deles. Daí o fato de que o apoio político para você ter um desenvolvimento realmente eficiente no Nordeste depende muito das massas urbanas e da nova burguesia industrial do Sul do país. O que houve durante o projeto do Banco do Nordeste, que a oligarquia queria dividir em 18 bancos, praticamente, com complicações de cotas por estados, e não sei o quê e tal: foi o apoio de alguns governadores nordestinos e do pessoal do sul que permitiu que se derrubasse, que o presidente da República fizesse um veto a essas emendas (ALMEIDA, op. cit., p. 172)

De fato, Vargas chegou a vetar cinco proposições do projeto final encaminhado a ele pelo Senado – entre elas, a citada por Almeida, que definia que 70% dos recursos destinados a cada estado seriam acertados de acordo com a chamada “população ponderada”, a saber: a população em zonas secas de cada estado multiplicada por um “índice de gravidade das secas”, entendido como a representação do quanto cada unidade federativa sofreria com a estiagem. O Ceará teria índice 10; Pernambuco, 8; Bahia, 6, e assim por diante81 (Diario do Congresso Nacional, 16 de dezembro de 1951, p. 13179). Essa emenda fazia alusão a uma lei anterior, sancionada ainda no governo Dutra, que também definia tais índices para concessão de empréstimos às áreas de flagelo no Nordeste82. Esse dispositivo, de fato, limitaria a operação do Banco na maior parte da região, já que passaria a atender a lógica do combate às secas e o inseria na velha solução hidráulica – portanto, a serviço da oligarquia agrária. Isto ia

81

A título de curiosidade, assim estariam definidos tais índices: Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, 10; Pernambuco e Piauí, 8; Alagoas, Sergipe e Bahia, 6; Minas Gerais, 4.

82 Lei nº 1004, de 24 de dezembro de 1949. Oito dos doze artigos desta lei foram revogados por Vargas ao criar o

veementemente de encontro aos ideais da intelectualidade desenvolvimentista que havia concebido, primordialmente, a instituição como um primeiro passo no sentido de mudanças mais profundas e estruturais no Nordeste.

Esse foi só o capítulo final de muitos episódios de resistência à implantação desta entidade. As primeiras vozes dissonantes ao projeto de criação do BNB partiram dos órgãos já responsáveis, em sua maioria, pela concessão de crédito na região, como Ricardo Jafet, presidente do Banco do Brasil e amplamente em rixa com o governo Vargas após escândalo envolvendo o periódico Última Hora83, e Loureiro da Silva, diretor da Carteira de Crédito Agrícola. Para ambos, o problema da falta de capitais poderia ser resolvido utilizando-se as instituições já existentes, desde que o governo as amparasse com “recursos extraordinários” (Correio da Manhã, 9 de novembro de 1951, p. 6). João Agripino Maia (UDN/PB) chegou a propor uma emenda que possibilitaria que o Banco do Nordeste operasse sob a jurisdição de outros órgãos bancários (Diario do Congresso Nacional, 15 de dezembro de 1951, p. 13).

A resistência foi encabeçada, na Assessoria, por Almeida e Jesus Soares Pereira, sendo apenas mais uma das frentes em que estes intelectuais se viram em disputa política. Como relembra Pereira

Dentre estes [compromissos técnicos aceitos por Pereira] cumpre destacar o da criação do Banco do Nordeste do Brasil S.A., proficientemente conduzido por Rômulo Almeida desde a fase inicial e a superação da resistência tenaz, oferecida por organismos preexistentes, contra o surgimento da nova entidade regional de crédito, até a implantação desta (PEREIRA, 1988, p. 71)

Os dois tiveram destaque, também, ao assumir cargos nesta entidade: Almeida foi seu primeiro presidente, entre 1952 e 1954, enquanto Pereira chefiou o Escritório do BNB no Rio de Janeiro, entre 1954 e 1956, também dando consultorias sobre questão energética em âmbito regional, no que se encaixa sua atuação no Congresso de Salvação do Nordeste (ver Capítulo 3). Mesmo depois de fundado, porém, o Banco não deixou de ser alvo de pressões políticas a fim de beneficiar alguns grupos. Enquanto foi presidente desta entidade, Almeida relata terem sido recorrentes os pedidos de favorecimento individual, nos quais políticos de peso pediam que ele indicasse alguns de seus apadrinhados para cargos de relevância – tal fato teria ocorrido, segundo ele, com o grupo político de João Goulart no Ceará, sob chefia de Virgílio Távora e Carlos Jereissati. Eles teriam indicado alguns nomes para a composição de quadros do Banco,

83Jafet havia denunciado concessão de créditos exagerados, pelo Banco do Brasil, ao referido jornal, cuja criação

por Samuel Wainer havia sido um jogo feito junto a Vargas para se ter um jornal que representasse o governo na imprensa, então majoritariamente antivarguista.

o que teria sido negado por Almeida por não ser de interesse da instituição (ALMEIDA, op. cit, p. 104).

De qualquer modo, o BNB foi criado já com o foco de financiar, principalmente, empreendimentos agrícolas e industriais – especialmente no Polígono das Secas. O fato de já nascer com uma grande estrutura – além da sede em Fortaleza, foram criadas oito filiais, dez escritórios e duas agências em toda a região84 – fez com que, nos primeiros anos de funcionamento, o Banco operasse sempre em déficit no seu orçamento anual, em face dos altos custos de sua instalação em todo o território. Tal situação só mudou a partir do segundo semestre de 1955, quando passa a apresentar um leve superávit (BNB, 1956, p. 64-65), o qual passou sempre a se manifestar nos anos seguintes, geralmente com uma tendência crescente.

Mesmo operando no azul, a instituição passou por sérios problemas para sua expansão creditícia, tão necessária para o desenvolvimento econômico nordestino. Em primeiro lugar, a alta inflação deteriorava seus lucros, sendo necessário o uso de capital de reserva ou de convênio com outras instituições de financiamento para a continuidade de sua política de empréstimos – problema relatado por Raul Barbosa, presidente do BNB entre 1956 e 1967 (BARBOSA, 1979, p. 232). De fato, os superávits anuais não pareciam suficientes para cobrir a demanda de capital para soerguer a economia nordestina, sem contar a abertura de novas agências todos os anos em diferentes localidades e a necessidade desta entidade chegar a pontos cada vez mais distantes para entrar em contato direto com os produtores.

Em segundo lugar, a própria estrutura produtiva do Nordeste apresentava entraves para este crescimento. No caso da agricultura, por exemplo, os créditos consignados a cooperativas agrícolas eram vistos como a melhor maneira de permitir a expansão produtiva deste setor, já que, com apenas um empréstimo, atingiriam um maior número de pequenos fazendeiros. Desde antes, havia o entendimento de que esta forma de organização produtiva deveria ser estimulada – recomendações neste sentido encontram-se tanto na Carta de Salvação do Nordeste, quanto na Declaração do I Encontro dos Bispos do Nordeste, por exemplo. Entretanto, o relatório de 1956 do Banco indica uma enorme dificuldade em conseguir aumentar a atuação nesta área: “O pequeno número de entidades com organização e administração satisfatórias não vem permitindo mais rápida expansão do Banco nesse sentido” (BNB, 1957, p. 59). Pelo menos até o início dos anos 1960, os empréstimos diretos (dados a produtores individuais) sempre

84 Filiais: Recife, Teresina, Natal, João Pessoa, Maceió, Aracajú, Salvador e Montes Claros (MG). Escritórios:

Limoeiro do Norte (CE), Juazeiro do Norte (CE), Pau dos Ferros (RN), Angicos (RN), Itaporanga (PB), Sousa (PB), Surubim (PE), Simão Dias (SE), Andaraí (BA) e Cícero Dantas (BA). Agências: Parnaíba (PI) e Campina Grande (PB). Entre 1959 e 1960, todos os escritórios foram transformados em agências, passando a não mais existir este nível de organização no BNB.

superaram, em valor, os cooperativos – em 1955, as cifras eram de 47% e 16%, respectivamente; em 1956, 60,2% e 11,2%. Em 1960, o BNB ainda colocava a necessidade de fomentar a criação de cooperativas a fim de expandir o crédito rural (idem, 1961), e, já em 1963, o capital confiado a essas associações assistiu a um aumento anual de 40%, resultado das assistências técnicas dadas pelo Banco. É sabido, porém, que a criação destes grupos não era incentivada pelos grandes fazendeiros, sendo, em alguns casos, violentamente reprimida – talvez seja isso a que Barbosa tenha se referido ao citar dificuldades causadas por “estrutura social” do campo como limitadoras da eficácia da produtividade (BARBOSA, op. cit., p. 251). Para a indústria, as dificuldades também eram consideráveis. A pequenez deste setor na região fazia com que inexistisse, em larga escala, uma mentalidade “empreendedora” nos donos de indústria nordestinos, e os primeiros créditos industriais eram, via de regra, mais simples: geralmente, buscava-se o financiamento para compra de matérias-primas – o que era visto como benéfico, se eram de produção autóctone – ou para substituição de maquinarias velhas (BNB, 1956, p. 58). De acordo com os relatórios do Banco, também precisou ser vencida certa resistência desta classe em relação ao funcionamento da instituição e da política de empréstimos: “A campanha de esclarecimento promovida pelo Banco junto às classes empresariais atenuou, gradativamente, as resistências aos seus processos de trabalho” (idem, 1961, p. 107). De fato, o número de projetos industriais recebidos pela instituição teve um crescimento exponencial nesses anos, como demonstra quadro abaixo85.

Quadro 2 - Número de projetos de crédito industrial recebidos pelo BNB, por ano

Ano Projetos aprovados Projetos rejeitados

1958 24 6

1960 61 10

1961 50 15

1962 95 12

1963 114 22

Fonte: Relatórios anuais do BNB.

85 Os dados foram obtidos dos relatórios anuais do BNB, entre 1955 e 1963, disponíveis na biblioteca do Centro

de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Federal de Pernambuco. Não foram encontrados os relatórios dos anos de 1957 e 1959. Os relatórios de 1955 e 1956 não apresentam estes dados. Não há referência aos valores emprestados.

O considerável aumento, a partir de 1960, claro, tem a ver também com a criação da Sudene e as políticas conjuntas adotadas por ambas as autarquias, sendo mais da metade dos créditos industriais, neste ano, oferecidos para instalação de novas indústrias, o que o BNB caracterizou como “despertar do espírito do empreendimento industrial no Nordeste” (ibidem, p. 110).

É interessante notar que a expansão dos negócios, no caminhar da década de 1950 para a seguinte, não era vista como suficiente para um desenvolvimento convincente e satisfatório do Nordeste, dada a visão dramática que prevalecia sobre a precária situação regional para muitos setores da sociedade. Mesmo assim, não se pode diminuir os ganhos realizados pelo BNB nesses anos, visto o seu pioneirismo num terreno pouco fértil para essa espécie de política econômica e todas as resistências contrárias à sua atividade. O funcionamento deste órgão sempre se colocou num limbo de bons resultados versus altas expectativas e demandas, não conseguindo, pois, suprir todas as reivindicações econômicas – dilema essencial que abarcou as instituições desenvolvimentistas que atuaram nesse período.

Mesmo sempre em superávit, os limites de manobra eram estreitos e as operações cotidianas, cada vez mais complexas. Um exemplo desse limite é como, desde o início, esta entidade teve que se preocupar com a formação própria de técnicos capazes de lidar com aquele tipo de política econômica, então inédita na região. Embora seja verdade que, claro, indivíduos com experiência bancária existissem – e que, nos primórdios do BNB, o Banco do Brasil tenha cedido alguns funcionários –, a complexidade e amplitude trazidas com esta nova instituição ultrapassavam a atividade profissional já existente no Nordeste. A carência de mão-de-obra demandou custos com treinamentos prévios para quase todos os novos contratados: “Não há, pois, outra solução senão a de recrutar elementos que se presumam com aptidões para o trabalho, em suas diversas fases, e a de submetê-los a um treinamento teórico e prático” (idem, 1956, p. 49). Isso era especialmente verdade em relação ao crédito agrícola, cujo alcance foi melhorado com o apoio da Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural (Ancar), já anteriormente estabelecida na região.

Entre estes treinamentos, muitos eram realizados em convênio com outros órgãos econômicos. Em 1955, por exemplo, o BNB traçou um acordo com o IEFB – então reestruturado a partir da gestão de Rômulo Almeida na CPE baiana, como vimos anteriormente – para dar cursos sobre planejamento econômico e desenvolvimento regional aos seus funcionários. Três anos depois, um convênio similar foi assinado com a Universidade do Ceará, para oferecimento de cursos sobre problemas de desenvolvimento econômico (idem, 1959, p. 80). A partir de 1957, o Banco passou a priorizar a concessão de bolsas de pesquisa ou de

treinamento aos seus servidores, a fim de enviá-los para as mais diferentes instituições econômicas, nacionais ou estrangeiras, e melhor equipá-los para o trabalho cotidiano no BNB. O quadro abaixo demonstra a variação anual do número destas bolsas, assim como seus principais destinos86.

Quadro 3 - Número de bolsas de pesquisa ou treinamento dadas pelo BNB aos seus servidores, e principais instituições de destino, por ano

Ano Cepal Ancar FAO

Escola Nacional de

Estatística (IBGE)

BID ONU Outros Total

1958 11 7 1 2 - 2 7 30

1960 10 7 3 3 - - 32 65

1961 3 ? - - - - ? 3 (?)

1962 5 1 - 2 2 - 2 12

1963 11 - - 2 5 - 7 24

Fonte: Relatórios anuais do BNB. Cepal - Comissão Econômica para América Latina; Ancar - Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural; FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação; IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento; ONU - Organização das Nações Unidas.

O baque sofrido nesta área do BNB, nos anos de 1961 e 1962, explica-se pela extensão das turbulências políticas sofridas no país, a partir da renúncia de Jânio Quadros e problemas nos repasses orçamentários do Governo Federal, além de uma greve de funcionários em 1962. A recuperação apresentada em 1963, mesmo assim, ainda estava muito aquém dos números apresentados até 1960.

À parte isso, importantes nuances podem ser percebidas neste programa de bolsas. A preponderância da Cepal como instituição de destino dos servidores do BNB indica a forte ligação entre as duas instituições desenvolvimentistas, assim como a linhagem intelectual à qual o Banco se filiou quando se trata de ideais como desenvolvimento, planejamento, industrialização, etc. Também se destacam as bolsas para cursos mais básicos, que, na verdade,

86 A dúvida acerca do ano de 1961 recai sobre a pouca informação sobre as bolsas concedidas neste período,

especialmente em relação a um obscuro “programa de treinamento em crédito cooperativo e agrícola”, o qual, usualmente, era dado em convênio com a Ancar – entretanto, isso não é especificado no relatório do referido ano, tampouco o número de bolsas disponibilizadas para este programa (BNB, 1962, p. 77). No mais, não são especificados aspectos como possíveis trabalhos (como monografias) que seriam resultado dessas bolsas.

refletem a carência do ensino superior em Economia no país: não só os treinamentos dados pela Escola Nacional de Estatística, mas também cursos de Análise Econômica oferecidos pelo Conselho Nacional de Economia (uma bolsa, em 1958) e pela Universidade de Minas Gerais (dez bolsas, em 1960); e um de Estatística Econômica e Financeira, na Universidade do Chile (dez bolsas, em 1960), entre outros. Talvez por conta disso, não foram muitas as bolsas destinadas a instituições de ensino superior nacionais – além do curso supracitado em Minas Gerais, encontrou-se apenas uma outra, destinada à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), para um curso sobre gerência.

Mesmo com esse suporte, a vida dos técnicos do BNB ainda encontrava-se numa frágil estrutura. Tomemos como exemplo um episódio-chave nesse período: em maio de 1962, o Banco enfrentou a sua primeira greve de funcionários, que atingiu, de acordo com a imprensa à época, cerca de 44 agências em todo o Nordeste (Diario de Pernambuco, 18 de maio de 1962, p. 16). A reivindicação dos grevistas girava em torno de uma recomendação presidencial, feita ainda por Jânio Quadros, de aumento dos vencimentos dos servidores de todos os órgãos bancários públicos – tal medida já havia sido realizada no Banco do Brasil. A série de negociações mal-sucedidas com os diretores do Banco culminou na paralisação dos trabalhos e, consequentemente, de todas as operações de crédito que se encontravam em andamento.

O ano anterior, para o BNB, havia sido o de maiores lucros desde sua criação, mas também se caracterizou pelo atraso no repasse de verbas pelo Governo Federal, assim como aumento de despesas administrativas (BNB, 1962, p. 11-92). A escalada da inflação, em nível nacional, também foi um fator negativo a se contar. Tendo isso em conta, a diretoria do Banco alegou que o aumento pedido pelos funcionários iria representar uma elevação nas despesas da ordem de 250 milhões de cruzeiros, minando o capital de reserva e, consequentemente, a margem de atividade da instituição (idem, 1963, p. 160). Durante a greve, mas sem citá-la explicitamente, o Diario de Pernambuco chegou a publicar dois editoriais em defesa do BNB, alegando que as atividades do Banco só não eram mais dinâmicas em face dos poucos recursos oferecidos pelo Estado (Diario de Pernambuco, 16 de maio de 1962, p. 4). Os funcionários se movimentaram para abrir diálogos com instâncias superiores, como o Primeiro-Ministro Tancredo Neves, o Ministro da Fazenda, Moreira Salles, o Ministro da Agricultura, Armando Monteiro Filho, e o Ministro do Planejamento e Superintendente da Sudene, Celso Furtado