• Nenhum resultado encontrado

RESUMO

Introdução: a esteato-hepatite não alcoólica (EHNA) caracteriza-se histologicamente pela

presença de esteatose, predominantemente macrovesicular, associada a infiltrado inflamatório/balonização hepatocelular. Alguns estudos têm sido conduzidos com o objetivo de identificar marcadores não invasivos de EHNA, no entanto, apresentam resultados diversos. Objetivo: descrever os fatores de risco (FR) para a ocorrência de EHNA. Método: os achados histopatológicos de 191 biópsias hepáticas foram analisados e correlacionados com parâmetros laboratoriais (dosagem de ferro, de ferritina, de aminotransferases - AST - ALT, de glicose, de plaquetas, de triglicerídios, de colesterol total e frações), coletados no pré-operatório de pacientes obesos mórbidos submetidos à cirurgia bariátrica. Resultados: houve uma correlação significativa dos níveis séricos de alanina aminotransferase (ALT) ≥ 60 U/l (RP=1,31; IC 95% = 1,22-1,41; p< 0,001), de glicose ≥ 126 mg/dl (RP = 1,16; IC 95% = 1,02 – 1,32; p = 0,022) e de triglicerídios ≥ 150 mg/dl (RP = 1,15; IC 95% = 1,01 - 1,30; p = 0,035) com EHNA. A fibrose esteve significativamente mais associada com ALT > 60 U/l (RP=1,22; IC 95% = 1,00-1,48; p= 0,048), idade (RP = 1,01; IC 95% = 1,00 – 1,02; p = 0,006) e TGs ≥ 150 mg/dl (RP = 1,24; IC 95% = 1,07 - 1,45; p = 0,005). Conclusão: a ALT ≥ 60 U/l; a glicemia ≥ 126 mg/dl e os TGs ≥ 150 mg/dl indicam maior risco de EHNA nesses pacientes. Além disso, ALT ≥ 60 U/l e TGs ≥ 150 mg/dl, somados à idade, são FR para a presença de fibrose.

Palavras chave: Esteato-hepatite não alcoólica; obesidade mórbida; cirurgia bariátrica; biópsia hepática; fatores de risco

INTRODUÇÃO

A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) engloba um espectro de alterações clínico patológicas, incluindo desde a esteatose simples (ES) até a esteato-hepatite, podendo chegar à cirrose e carcinoma hepatocelular. A esteato-hepatite não alcoólica (EHNA) caracteriza-se, histologicamente, pela infiltração difusa de gordura e pela presença de balonização hepatocelular e inflamação. A inflamação e a balonização hepatocelular se localizam, especialmente, na zona 3, podendo ser também encontrado, ocasionalmente, Corpúsculo de Mallory [1]. Estudos de prognóstico relatam achados histológicos, tais como inflamação lobular com leucócitos polimorfonucleares, grau de esteatose e presença de Fe como fatores preditivos de fibrose (Fb) avançada [2, 3].

A verdadeira prevalência da EHNA é difícil de ser conhecida, tendo em vista que a doença se apresenta de forma indolente e assintomática e o diagnóstico definitivo pode ser feito apenas por uma avaliação de achados histopatológicos[3]. Pacientes com obesidade mórbida (OM), isto é, que se apresentam com um índice de massa corporal (IMC) ≥ 35 ou ≥ 40 Kg/m2 e submetidos à cirurgia bariátrica (CB) têm sido uma população na qual a DHGNA vem sendo bastante estudada, graças à possibilidade de realização de biópsia hepática transoperatória com baixa morbidade. Nesses pacientes, é estimada uma prevalência de DHGNA entre 84 e 96% e de EHNA entre 25 e 55%, destacando-se que estes pacientes apresentam Fb numa frequência de 34 e 47%. Ainda cabe salientar que, nos pacientes com EHNA, encontra-se Fb em ponte ou cirrose em uma frequência entre 2 e 12% [4].

Alguns estudos têm sido conduzidos no sentido de avaliar parâmetros clínico laboratoriais com achados histopatológicos. Liew et al. (2006) apresentaram resultados retrospectivos de 152 pacientes submetidos à CB laparoscópica, nos quais a resistência à insulina (RI), avaliada pelo índice Homeostasis model assessment (HOMA-IR), foi correlacionada com o diagnóstico de EHNA [5]. Em um estudo prospectivo, com biópsias sequenciais, Mathurin et al. (2009) observaram os efeitos da CB sobre a DHGNA e EHNA. Estes autores demonstraram uma melhora de todos os parâmetros histológicos e laboratoriais na DHGNA em cinco anos. Interessante ressaltar que a melhora da RI, que acontece no primeiro ano de pós-operatório, é um fator preditivo de regressão dos parâmetros histológicos e laboratoriais da DHGNA [6].

Até o momento, a lesão e a Fb hepática não podem ser detectadas por exames de imagem ou por testes laboratoriais. Alguns trabalhos têm procurado identificar marcadores clínico/laboratoriais de EHNA, como idade, obesidade, diabetes melito (DM), hipertensão

arterial sistêmica, marcadores de inflamação, relação aspartato aminotransferase (AST) / alanina aminotransferase (ALT) > 1 e níveis de triglicerídios (TG) > 150 mg/dl. Os estudos que tentam correlacionar marcadores inflamatórios, como algumas citocinas e outros de estresse oxidativo, apresentam resultados diversos [2, 3, 7]

O objetivo desse estudo foi examinar se os parâmetros clínicos e laboratoriais avaliados de rotina no pré-operatório de pacientes submetidos à CB podem predizer o grau de alterações histológicas encontradas nas biópsias hepáticas realizadas no transoperatório desses pacientes.

METODOLOGIA

Neste estudo retrospectivo foram analisados os parâmetros clínico laboratoriais, pré-operatórios, realizados de rotina em pacientes portadores de OM submetidos à CB no Centro de Tratamento da Obesidade do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre, no período de janeiro de 2007 a julho de 2012. Os dados analisados foram IMC, dosagem de ferro (Fe), ferritina, AST e ALT, glicemia de jejum, plaquetas, colesterol total,TGs, lipoproteína de alta densidade (HDL-C) e lipoproteína de baixa densidade (LDL-C), coletados até 90 dias antes da cirurgia. Esses parâmetros foram comparados com os achados histológicos de biópsias hepáticas realizadas no transoperatório da CB (bypass gástrico en Y de Roux). Foram excluídos pacientes menores de 18 anos, os que apresentaram marcadores sorológicos para hepatite viral e/ou com ingestão alcoólica maior do que 20g/dia.

As biópsias hepáticas foram realizadas no transoperatório da cirurgia e avaliadas pelo mesmo patologista. As técnicas histoquímicas utilizadas para a análise do espécime foram hematoxilina/eosina (HE), tricrômico de Masson (para avaliação da Fb) e Perls (para avaliação dos depósitos de Fe). A esteatose foi considerada presente quando atingiu mais de 5% da amostra estudada. A presença de 5 a 33% foi considerada esteatose de grau leve (G1); de 33 a 66% foi identificada como grau moderado (G2) e, quando presente em mais de 66%, foi considerada como grau acentuado (G3)[1].

Para o diagnóstico de EHNA, era necessária a presença de esteatose associada à balonização hepatocitária e/ou infiltrado inflamatório. A atividade da EHNA foi classificada em leve (A1), moderada (A2) e severa (A3), conforme a classificação descrita pelo Pathology Committee of the NASH Clinical Research Network. O grau de Fb foi classificado como estágio 1A, na presença de Fb sinusoidal/celular discreta; grau 1B, quando identificada Fb sinusoidal/celular densa e difusa; 1C, para Fb portal. O estágio 2, foi diagnosticado quando havia pericelular/perisinusoidal associada à Fb periportal e o estágio 3 na presença das alterações anteriores associadas à Fb em ponte. Finalmente, o estágio 4, correspondeu à cirrose. Para análise estatística, o grau de Fb foi classificado como leve 1A, 1B, 1C; moderado (estágio 2); acentuado (estágio 3) e cirrose (estágio 4) [8].

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Mediante a utilização do software SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 17.0, realizou-se a análise dos dados. As variáveis contínuas foram descritas por meio de média e desvio-padrão ou mediana e amplitude interquartílica. As variáveis categóricas foram descritas por intermédio de frequências absolutas e relativas.

Para comparar as variáveis contínuas entre os grupos, foi utilizado o teste t-student. Em caso de assimetria, o teste de Mann-Whitney foi aplicado.

Para comparar as variáveis categóricas, foi aplicado o teste qui-quadrado de Pearson. Para controlar fatores de confusão e analisar variáveis independentemente associadas com a EHNA e Fb, a análise de Regressão de Poisson foi aplicada. A medida de associação utilizada foi a Razão de Prevalências, com o intervalo de 95% de confiança para estimativa de risco na população. Para controlar o efeito da multicolinearidade, foram realizados dois modelos de regressão, um deles inserindo a variável glicemia e o outro, a variável triglicerídios. O critério para a entrada da variável no modelo multivariado foi de que apresentasse um valor p < 0,20 na análise bivariada. O nível de significância estatístico considerado foi de 5% (p ≤ 0,05).

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - ISCMPA.

RESULTADOS

Dos 191 pacientes analisados, 153 (80,1%) eram mulheres e 38 (19,9%) homens, com uma média de idade de 37,2 ± 10,6 anos. O IMC médio foi de 43,7 ± 5,2 Kg/m2.

A esteatose esteve presente em 179 (93,7%) amostras. Em relação à sua intensidade foi observado que 62 (32,5%) amostras foram classificadas como esteatose leve, 54 (28,3%) como moderada e 63 (33,0%) como intensa. Em 143 (74,9%) casos foi diagnosticado EHNA, sendo que o grau leve foi encontrado em 95 (49,7%), o moderado em 43 (22,5%) e o acentuado em 5 (2,6%).

A presença de Fb foi encontrada em 84 (44%) biópsias, das quais 73 (38,2%) eram de grau leve, 1 (0,5%) de grau moderado, 6 de grau intenso (3,1%) e, em 4 (2,1%) casos foi diagnosticado cirrose.

Apenas 10 biópsias (5,2%) apresentaram depósitos de Fe de forma leve. Destas, 6 continham Fe nas células de Kupffer e 6 nos hepatócitos.

A Tabela 1 apresenta as varáveis estudadas de acordo com a presença ou ausência de EHNA. Não foram observadas diferenças significativas entre a idade (p = 0,208), o sexo (p = 0,661) e o IMC (p = 0,535). Em relação às variáveis bioquímicas, igualmente não foram encontradas diferenças significativas entre os níveis séricos de ferritina (p = 0,120), de Fe (p = 0,587), de glicose ≥ 126 mg/dl (p = 0,086), de plaquetas (p = 0,086), de colesterol total (p = 0,52), de LDL-C (p = 0,438) e de HDL-C (p = 0,427). Entretanto, a análise bivariada demonstrou que os pacientes com EHNA apresentaram níveis significativamente mais elevados de AST (p = 0,007), de ALT (p < 0,001), de ALT ≥ 60 U/l (p = 0,002), de TGs (p = 0,004), de TGs ≥ 150 mg/dl (p = 0,007) e de glicose (p = 0,036). Ressalta-se que todos os pacientes com ALT ≥ 60 U/l tiveram o diagnóstico de EHNA.

Tabela 1 - Relação da idade, do sexo, do índice de massa corporal e dos exames laboratoriais com a presença de esteato-hepatite não alcoólica.

Variáveis Amostra total Com EHNA Sem EHNA p

Idade (anos)* 37,2±10,6 (n=183) 37,6±11,0 (n=141) 35,5±9,0 (n=42) 0,208 Sexo feminino° 153(80,1) (n=191) (n=143) 113(79) 40(83,3) (n=48) 0,661 IMC (Kg/m2) * 43,7±5,2 (n=191) 43,5±5,0 (n=143) 44,1±5,7 (n=48) 0,535 Ferritina (µ/l)# 119(67-208) (n=169) 123(75-239) (n=128) 97(58,5-173) (n=41) 0,120 Ferro (µ/l) * 76,4±25,2 (n=163) 75,8±24,1 (n=125) 78,4±29,1 (n=38) 0,587 **AST (U/l) # 24(19-31) (n=183) 25(20-34) (n=139) 21,5(16,3-26,8) (n=44) 0,007 **ALT (U/l) # 29 (21-47,8) (n=183) 32(23-51) (n=139) 25(17-29,5) (n=44) <0,001 ALT > 60 U/l° 28(15,2) (n=183) 28(20,1) (n=139) (n=44) 0(0,0) 0,002 Glicose (mg/dl) * 103,7±34,3 (n=188) 106,7±37,7 (n=142) 94,5±17,9 (n=46) 0,036 Glicose > 126 mg/dl° 24(12,8) (n=188) 22(15,5) (n=142) (n=46) 2(4,3) 0,086 Plaquetas (mil/mm3) * 278,5±68,6 (n=172) 283,3±64,8 (n=131) 269 ±68,8 (n =41) 0,233 Colesterol total (mg/dl) * 193±42 (n=186) 196,6±42,8 (n=138) 182,9±38,3 (n=48) 0,052 LDL-C (mg/dl) * 116±41 (n=186) 117,4±41,1 (n=138) 112±41,1 (n=48) 0,438 HDL-C (mg/dl) * 48,9±13,7 (n=186) 48,4±13,5 (n=138) 50,2±14,3 (n=48) 0,427 TG (mg/dl) # 122(91-193) (n=186) 134(96-198) (n=138) 105(72-135) (n=48) 0,004 TG > 150 mg/dl° 68 (36,3) (n=186) 58 (42,0) (n=138) 9 (18,8) (n=48) 0,007 * Variáveis descritas por média ± desvio-padrão, #° mediana (percentis 25-75) ou °n (%). **Valores normais para ALT: 14-42 U/l e para AST: 10-42 U/l. EHNA = esteato-hepatite não alcoólica; IMC = índice de massa corporal; AST = aspartato aminotransferase; ALT = alanina aminotransferase; LDL-C = lipoproteína de baixa densidade; HDL-C = lipoproteína de alta densidade; TG = triglicerídios.

A Figura 1 apresenta as variáveis que permaneceram associadas com EHNA após o ajuste pelo modelo multivariado (ALT > 60, glicemia ≥ 126 mg/dl e TGs ≥ 150 mg/dl).

Pacientes com ALT > de 60 U/l apresentaram uma prevalência de EHNA 31% maior, quando comparados aos com ALT < 60 U/l (RP=1,31; IC 95% = 1,22-1,41; p< 0,001). Os pacientes com glicemia > que 126 mg/dl apresentaram uma prevalência da doença 16% maior do que aqueles com glicemia abaixo desse valor (RP = 1,16; IC 95% = 1,02 – 1,32; p = 0,022). Os pacientes com TGs ≥ que 150 mg/dl tiveram uma prevalência de EHNA 15% maior do que aqueles com valores abaixo deste ponto de corte (RP = 1,15; IC 95% = 1,01 - 1,30; p = 0,035). Percebe-se que os parâmetros que ficaram associados, após o ajuste multivariado, estão predominantemente alterados nos graus moderado e severo da EHNA.

0 35,7 53,6 10,7 28,2 53,2 17,3 1,3 0 10 20 30 40 50 60

Sem EHNA EHNA leve EHNA moderada EHNA severa

%  de  pa cie n te s ALT>60 ALT<60 8,3 45,8 37,5 8,3 26,2 51,8 20,1 1,8 0 10 20 30 40 50 60

Sem EHNA EHNA leve EHNA moderada EHNA severa

%  de  pa cie n te s Glicemia>126mg/dl Glicemia<126mg/dl 13,6 50 33,3 3 31 50 16,4 2,6 0 10 20 30 40 50 60

Sem EHNA EHNA leve EHNA moderada EHNA severa

%  de  pa cie n te s TG>150mg/dl TG<150mg/dl A B C

Figura 1 – Grau de atividade da esteato-hepatite não alcoólica (EHNA) e o percentual de pacientes de acordo com as alterações séricas de alanina aminotransferase (ALT) em A, de

glicose em B e de triglicerídios (TG) em C.

A Tabela 2 apresenta as varáveis relacionadas a presença ou ausência de Fb. Não foram observadas diferenças significativas entre o sexo (p = 1,000) e o IMC (p = 0,479). Em relação às variáveis bioquímicas, também não foram encontradas diferenças significativas entre os níveis séricos de ferritina (p = 0,080), de Fe (p = 0,790), de plaquetas (p = 0,261), de colesterol total (p = 0,102), de LDL-C (p = 0,934) e de HDL-C (p = 0,776). Entretanto, a

análise bivariada demonstrou que os pacientes com fibrose apresentaram níveis significativamente mais elevados de AST (p = 0,040), de ALT (p < 0,008), de ALT ≥ 60 U/l (p = 0,015), de TGs (p = 0,005), de TGs ≥ 150 mg/dl (p = 0,008), de glicose (p = 0,014) e de glicose ≥ 126 mg/dl (p = 0,009).

Tabela 2 – Relação da idade, do sexo, do índice de massa corporal e dos exames laboratoriais com a presença de fibrose.

Variáveis Com Fb Sem Fb p

Idade (anos)* 40,0±11,4 (n=83) 34,8±9,3 (n=100) 0,001 Sexo feminino° 67(79,8) (n=84) 86(80,4) (n=107) 1,000 IMC (Kg/m2)* 43,4±5,4 (n=84) 43,9±5,0 (n=107) 0,479 Ferritina (µ/l)# 127(81-293) (n=73) 109(56-97) (n=96) 0,080 Ferro (µ/l)* 75,8±22,5 (n=73) 76,9±27,4 (n=90) 0,790 **AST (U/l)# 25(19-43) (n=83) 24 (18-28) (n=100) 0,040 **ALT (U/l) # 30(24-54) (n=83) 26(19-39) (n=100) 0,008 ALT > 60 U/l° 19(22,9) (n=83) (n=100) 9(8,9) 0,015 Glicemia (mg/dl)* 110,9±40 (n=83) 98,0±27,9 (n=105) 0,014 Glicemia > 126 mg/dl° 17(20,5) (n=83) (n=105) 7(6,7) 0,009 Plaquetas (mil/mm3)* 273,6±59,3 (n=77) 285 ±70,6 (n =95) 0,261 Colesterol total (mg/dl)* 198,9±42,3 (n=80) 188,7±41,4 (n=106) 0,102 LDL-C (mg/dl)* 116,3±38,4 (n=80) 115,8±43,1 (n=106) 0,934 HDL-C (mg/dl)* 49,2±14,2 (n=80) 48,6±13,3 (n=106) 0,776 TG (mg/dl) # 148,5(100-199) (n=80) 112,5(83,8-158) (n=106) 0,005 TG ≥ 150 mg/dl° 40(50%) (n=80) 27(25,5) (n=106) 0,001 * Variáveis descritas por média ± desvio-padrão,# mediana (percentis 25-75) ou ° n (%). **Valores normais para ALT: 14-42 U/l e para AST: 10-42 U/l. Fb = fibrose; IMC = índice de massa corporal; AST = aspartato aminotransferase; ALT = alanina aminotransferase; LDL-C = lipoproteína de baixa densidade; HDL-C = lipoproteína de alta densidade; TG = triglicerídios.

A Figura 2 apresenta as variáveis que permaneceram associadas com Fb após o ajuste pelo modelo multivariado (ALT > 60 U/l, idade e TGs ≥ 150 mg/dl). Pacientes com ALT > de 60 U/l apresentaram uma prevalência de Fb 22% maior, quando comparados aos com ALT < 60 U/l (RP=1,22; IC 95% = 1,00-1,48; p= 0,048). Em relação à idade, para um ano de acréscimo, ocorreu um aumento de 1% na prevalência de Fb (RP = 1,01; IC 95% = 1,00 – 1,02; p = 0,006). Além disso, os pacientes com TGs ≥ que 150 mg/dl tiveram uma prevalência 24% maior do que aqueles com valores abaixo deste ponto de corte (RP = 1,24; IC 95% = 1,07 - 1,45; p = 0,005). Ainda, os pacientes com glicemia maior que 126 mg/dl tenderam a apresentar uma prevalência de fibrose 22% maior do que os com glicemia abaixo deste valor (RP = 1,22; IC 95% = 0,99 – 1,50; p = 0,058. Nota-se que, em relação à Fb, níveis elevados de ALT, de TGs e de glicemia já são encontrados, mais prevalentemente, desde o grau leve.

A B C 32,1 50 0 10,7 7,1 59 37,8 0,6 1,3 1,3 0 10 20 30 40 50 60 70

Sem Fb Fb leve Fb moderada Fb severa Cirrose

%  de  pacie n te s ALT>60 ALT<60 29,2 50 0 12,5 8,3 59,8 37,2 0,6 1,2 1,2 0 10 20 30 40 50 60 70

Sem Fb Fb leve Fb moderada Fb severa Cirrose

%  de  pacie n te s Glicemia>126mg/dl Glicemia<126mg/dl 39,4 54,5 0 3 3 65,5 29,3 0,9 2,6 1,7 0 10 20 30 40 50 60 70

Sem Fb Fb leve Fb moderada Fb severa Cirrose

%  de  pa ci e nt e s TG>150mg/dl TG<150mg/dl

Figura 2 – Grau de fibrose (Fb) e o percentual de pacientes de acordo com as dosagens de alanina aminotransferase (ALT) A, de glicemia B e de triglicerídios (TG) C.

DISCUSSÃO

O avanço no conhecimento da fisiopatologia da DHGNA tem motivado o desenvolvimento de estudos clínicos conduzidos com o objetivo de identificar marcadores clínicos e laboratoriais, não invasivos, de EHNA [9-12]. Nesse sentido, a idade, a obesidade, o DM, a hipertensão arterial sistêmica, alguns marcadores de inflamação, a relação ALT / AST > 1 e os níveis de TGs > 150 mg/dl são apontados como fatores risco para a presença de EHNA[1]. Os resultados deste estudo mostraram que todos os pacientes cujos valores de ALT foram maiores que 60 U/l (15% da amostra) apresentaram EHNA. Destaca-se que a ALT maior que 60 U/l também esteve fortemente associada à Fb nesses pacientes. Este dado ressalta a importância deste ponto de corte, até então não sinalizado na literatura, na avaliação dos pacientes com OM que serão submetidos à CB. Além disso, aqueles pacientes cuja mediana das aminotransferases foi mais alta, mesmo dentro dos valores de referência, já apresentaram-se com maior prevalência de EHNA e Fb. Tal resultado não difere do que já é preconizado no NAFLD fibrosis score [7].

Os níveis séricos de TGs e de glicose também se apresentaram associados com EHNA e Fb no nosso estudo. Tal resultado está em conformidade do que se conhece em relação aos fatores de risco desta doença[13]. Além dessas constatações, verificou-se que a idade também esteve associada com a presença de Fb. Para um aumento de um ano na idade, existe um aumento de 1% na prevalência de Fb. Esses dados são similares aos encontrados por outros autores [14, 15].

É importante ressaltar que nesse estudo a EHNA leve não se correlacionou com as variáveis ALT > 60 U/l, glicemia e TGs. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de que o critério diagnóstico de EHNA adotado foi o utilizado por Kleiner et al.(2005)[8]. No entanto, recentemente Bedossa et al. (2012) propuseram um escore e algoritmo para a definição histopatológica de EHNA nos pacientes com OM. Nesse estudo, os autores não classificam como EHNA os pacientes que não apresentavam inequívoca balonização hepatocitária, levando em consideração critérios adicionais para este diagnóstico, tais como, o tamanho e a forma do hepatócito [16]. De acordo com esses critérios os autores encontraram uma prevalência de EHNA em 34% nos pacientes com OM, que é um valor bem inferior aos do nosso estudo. Portanto, é possível que nos nossos resultados exista uma supervalorização dos critérios utilizados para o diagnóstico de EHNA. Outros autores descrevem uma prevalência de EHNA entre 55 e 60%, porém os critérios de diagnóstico histopatológico não são homogêneos, o que torna a real prevalência de EHNA difícil de ser estabelecida [17, 18].

A CB tem sido um tratamento importante da OM e se mostra efetiva no controle das alterações histopatológicas encontradas na DHGNA. Estudos que compararam biópsias hepáticas, antes e depois da perda de peso ocasionada pela cirurgia, demonstraram que este tratamento determina uma melhora ou uma estabilização da ES, da EHNA e da Fb [6, 18]. No entanto, em casos nos quais existe Fb avançada e até mesmo cirrose, a CB pode não alterar o curso da EHNA e, além disso, pode aumentar a morbidade pós-operatória [19]. Com base nos resultados desse estudo e considerando que a CB apresenta complicações inerentes ao procedimento per-se, a realização de biópsia hepática na avaliação pré-operatória poderia ser indicada, em casos selecionados (aqueles com ALT ≥ 60 U/l; glicemia ≥ 126 mg/dl e TGs ≥ 150 mg/dl). É importante salientar que o último Consenso Americano para o Diagnóstico e Manejo da Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (2012) recomenda a realização de biópsia hepática em indivíduos com risco aumentado para EHNA e Fb [20].

Ao contrário de outros estudos, os resultados desse trabalho não mostraram uma correlação positiva do IMC com o grau de esteatose, EHNA e Fb [6, 10]. Isto se deve, muito provavelmente, ao fato de que o IMC não correspondeu, temporalmente, à realização da biópsia, podendo ter ocorrido alguma dispersão de dados. Além disso, o IMC não traduz o grau de adiposidade visceral, sabidamente a mais envolvida na fisiopatologia da DHGNA. É possível que a medida da circunferência abdominal tenha uma correlação mais estreita com as alterações hepáticas observadas nas biópsias, porém, infelizmente, este dado não foi avaliado no presente estudo.

Em conclusão, os nossos resultados indicam que a ALT ≥ 60 U/l; a glicemia ≥ 126 mg/dl e os TGs ≥ 150 mg/dl são indicadores para um maior risco de EHNA em pacientes com OM que foram submetidos à CB. Além disso, tais parâmetros, somados à idade, são fatores de risco para a presença de fibrose hepática nesses pacientes.

REFERÊNCIAS

1. Brunt, E.M., et al., Nonalcoholic steatohepatitis: a proposal for grading and staging the histological lesions. Am J Gastroenterol, 1999. 94(9): p. 2467-74.

2. Uysal, S., et al., Some inflammatory cytokine levels, iron metabolism and oxidan stress markers in subjects with nonalcoholic steatohepatitis. Clin Biochem 2011 44(17-18): p. 1375-9.

3. Harrison, S.A., et al., Nonalcoholic steatohepatitis: what we know in the new millennium. Am J Gastroenterol, 2002. 97(11): p. 2714-24.

4. Clark, J.M., The epidemiology of nonalcoholic fatty liver disease in adults. J Clin Gastroenterol, 2006. 40 Suppl 1: p. S5-10.

5. Liew, P.L., et al., Hepatic histopathology of morbid obesity: concurrence of other forms of chronic liver disease. Obes Surg, 2006. 16(12): p. 1584-93.

6. Mathurin, P., et al., Prospective study of the long-term effects of bariatric surgery on liver injury in patients without advanced disease. Gastroenterology, 2009. 137(2): p. 532-40. 7. Musso, G., et al., Meta-analysis: natural history of non-alcoholic fatty liver disease

(NAFLD) and diagnostic accuracy of non-invasive tests for liver disease severity. Ann Med 2011 43(8): p. 617-49.

8. Kleiner, D.E., et al., Design and validation of a histological scoring system for nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology, 2005. 41(6): p. 1313-21.

9. Marchesini, G., et al., Association of nonalcoholic fatty liver disease with insulin resistance. Am J Med, 1999. 107(5): p. 450-5.

10. Sanyal, A.J., et al., Nonalcoholic steatohepatitis: association of insulin resistance and mitochondrial abnormalities. Gastroenterology, 2001. 120(5): p. 1183-92.

11. Pagano, G., et al., Nonalcoholic steatohepatitis, insulin resistance, and metabolic syndrome: further evidence for an etiologic association. Hepatology, 2002. 35(2): p. 367-72.

12. Chitturi, S., et al., NASH and insulin resistance: Insulin hypersecretion and specific association with the insulin resistance syndrome. Hepatology, 2002. 35(2): p. 373-9. 13. Ratziu, V., et al., Liver fibrosis in overweight patients. Gastroenterology, 2000. 118(6): p.

1117-23.

14. Guidorizzi de Siqueira, A.C., et al., Non-alcoholic fatty liver disease and insulin resistance: importance of risk factors and histological spectrum. Eur J Gastroenterol Hepatol, 2005. 17(8): p. 837-41.

15. Rocha, R., et al., Body mass index and waist circumference in non-alcoholic fatty liver disease. J Hum Nutr Diet, 2005. 18(5): p. 365-70.

16. Bedossa, P., et al., Histopathological algorithm and scoring system for evaluation of liver lesions in morbidly obese patients. Hepatology 2012. 56(5): p. 1751-9.

17. Zamin, I., Jr., A.A. de Mattos, and C.G. Zettler, Nonalcoholic steatohepatitis in nondiabetic obese patients. Can J Gastroenterol, 2002. 16(5): p. 303-7.

18. Moretto, M., et al., Effect of bariatric surgery on liver fibrosis. Obes Surg 2012. 22(7): p. 1044-9.

19. Mosko, J.D. and G.C. Nguyen, Increased perioperative mortality following bariatric surgery among patients with cirrhosis. Clin Gastroenterol Hepatol 2011 9(10): p. 897-901.

20. Chalasani, N., et al., The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice Guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology, and the American Gastroenterological Association. Hepatology.2012 55(6): p. 2005-23.

Documentos relacionados