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PARTE I – ABORDAGEM CONCEPTUAL E NORMATIVA

2.5. A LGUMAS PERSPECTIVAS PARA A EVOLUÇÃO DO MODELO DE MENSURAÇÃO

2.5.3. Base única de mensuração

As limitações que constam do actual modelo de relato poderão, em parte, ser superadas com a utilização de uma base única de mensuração para todos os elementos das demonstrações financeiras. A adopção desta solução poderá, por um lado, permitir aliviar algumas das dificuldades associadas à utilização de bases de mensuração combinadas conferindo uma maior clareza na interpretação dos itens mensurados mas, por outro lado, poderá encerrar algumas desvantagens.

Se o caminho a seguir for a mensuração de todos os elementos das demonstrações financeiras a custo histórico, esta opção encerra todas as vantagens e limitações a seu tempo referidas. Não nos escusamos, no entanto, de reforçar o facto de se estar a privilegiar a fiabilidade e objectividade da informação, assente em princípios mais conservadores, mais prudenciais, em detrimento da relevância da informação. Se, por um lado, esta base de mensuração pode, eventualmente, simplificar a preparação e interpretação da informação financeira produzida, por outro lado, pode traduzir-se pouco relevante para a tomada de decisões.

Em alternativa, poder-se-á utilizar como base única de mensuração para o relato financeiro o justo valor. Este seria utilizado para todos os elementos das demonstrações financeiras independentemente de existir ou não um mercado activo que sirva de base à sua determinação. Se, por um lado, esta base de mensuração preconiza, tendencialmente, uma informação mais relevante para a tomada de decisões, pelo facto de se apoiar em valores de

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Por exemplo, se uma sociedade sem valores cotados tiver de aplicar as mesmas bases de mensuração das sociedades com valores cotados que não são eficazes em termos de custos, ou as sociedades com valores cotados aplicarem práticas de mensuração das sociedades sem valores cotados que também podem não se ajustar a este tipo de sociedades.

mercado actuais, por outro, pode traduzir informação menos fiável (essencialmente, se não existir um mercado activo) e mais subjectiva. Aliás, e como já anteriormente referimos, uma das grandes dificuldades neste modelo prende-se com a determinação do justo valor para elementos que não têm preços de referência num mercado activo. Tal facto obriga ao recurso a técnicas e modelos de avaliação, alguns dos quais envolvem grande subjectividade56.

Constata-se, pois, que quer se opte pela base de mensuração a custo histórico, quer pela de justo valor, existirão sempre limitações. Estas, contudo, poderão ser minimizadas através do incremento de divulgações adicionais dos itens apresentados numa dada base, mas cuja informação relativa à outra se revele importante para a tomada de decisão. Ou seja, se tomarmos como ponto de partida a base de relato a custo histórico, para efeitos de divulgação, e de forma diminuir algumas das limitações deste, dever-se-ão divulgar informações preparadas segundo a outra base (justo valor) quanto aos itens que sejam considerados relevantes no processo de tomada de decisão.

Vários são os autores que têm manifestado opinião em relação a esta temática. Todavia, e conforme se poderá perceber de seguida, as opiniões ainda não se podem considerar consensuais.

Bernstein (2002) é de opinião que as demonstrações financeiras devam traduzir o mais realisticamente possível o valor económico das empresas. Neste sentido, sugere que se deva proceder a uma avaliação do que foi feito no passado, isto é, analisar se a contabilização a custo histórico com todas as suas limitações será ou não a melhor opção; e equacionar a incorporação do passado nos caminhos contabilísticos futuros.

Na mesma linha Ferreira (2003a), defensor das vias reformistas na procura de novas soluções, refere que esta procura deve passar pelo aperfeiçoamento daquilo que já existe, respeitando-se os passos dados no passado, para que os retrocessos e perdas inerentes às novas soluções revolucionárias sejam menores. Acrescenta que a contabilidade não deve subverter-se aos interesses ou objectivos de gestão contrários à ética. Desta forma, defende que a informação deste tipo deve ser prestada complementarmente, para que se possa

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Autores como Ijiri (1975) e Barth e Landsman (1995) apontam que em muitos casos o cálculo do justo valor implica a utilização de informação privada e específica da empresa.

olhar, em simultâneo, para cada parcela e para o seu todo (não se escondendo nesse todo parcelas dele).

Já Richard C. Breeden em 1990, e então presidente da SEC, declarou que o justo valor era a única medida relevante, sugerindo que todas as instituições financeiras fossem obrigadas a comunicar todos os seus investimentos financeiros a valores de mercado57 (Barlev e Haddad 2003). Porém, Lorca Fernández e Andrés Suárez (2001) fazem referência a sete estudos desenvolvidos no Estados Unidos da América (EUA), que tinham como objectivo avaliar o efeito (essencialmente sobre as cotações) que a introdução dos Statement of

Financial Accounting Standards (SFAS)58, que admitiam o justo valor, tiveram nas empresas americanas. Esses estudos recaíram, essencialmente, na análise das empresas do sector financeiro, mais concretamente, dos principais bancos americanos. Da análise comparativa das conclusões dos diferentes estudos, os referidos autores concluíram que existiam resultados contraditórios, uma vez que os estudos apresentavam conclusões distintas. Desta forma, concluem que não fica claro se a introdução do justo valor tem um maior poder explicativo que o custo histórico. Contudo, referem que os SFAS analisados não foram neutros, i.e., tiveram repercussões na cotação das acções (Lorca Fernández e Andrés Suárez 2001).

Robert Herz, actual presidente do FASB, acredita que a mensuração a justo valor poderá produzir informação financeira mais relevante e útil para a tomada de decisões. Contudo, é cauteloso e não defende necessariamente a utilização do justo valor na ausência de um mercado activo, a não ser que existam razões suficientes para considerar que a mensuração é fiável (Fink 2006). Quando questionado para se manifestar sobre a manutenção do custo histórico no relato financeiro e a complementação do mesmo com divulgações adicionais mencionando o justo valor, responde que essa é apenas uma abordagem possível. E refere que para ele a problemática não se coloca em escolher uma ou outra base de mensuração (custo histórico ou justo valor). Antes, refere outras abordagens, baseadas na teoria

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Hendriksen e van Breda (1991, p. 575) referem que esta afirmação foi classificada como a “a iniciativa mais importante no desenvolvimento dos princípios contabilísticos em mais de 50 anos”.

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Nomeadamente, o SFAS 105 - “Disclosure of Information about Financial Instruments with Off-Balance- Sheet Risk and Financial Instruments with Concentrations of Credit Risk” e o SFAS 119 (ambos substituídos, actualmente, pelo SFAS 133 – “Accounting for Derivative Instruments and Hedging Activities” (FASB 1998a)), o SFAS 107 – “Disclosures about Fair Value of Financial Instruments” (FASB 1991) e o SFAS 115 – “Accounting for Certain Investments in Debt and Equity Securities” (FASB 1993b), por serem os que regulam a introdução do justo valor.

económica e na própria estrutura conceptual do FASB, que indicam que ambas as bases podem ser combinadas dentro do modelo contabilístico (Kranacher e Morris 2007).

Barth (2006) defende que a utilização de uma única base de mensuração na elaboração das demonstrações financeiras, poderia aliviar muitos dos problemas associadas à utilização de bases de mensuração combinadas. Considera que o justo valor é uma base de mensuração adequada para o relato financeiro e refere que este “é a única abordagem abrangente e

consistente identificada pelo IASB” (Barth 2006, 274).

Cooper (2007) é da mesma opinião, contudo, pondera a existência de boas razões para existirem diversas bases de mensuração, considerando as distintas abordagens adoptadas na análise dos diferentes elementos59. Acrescenta ainda que a mensuração utilizando bases de mensuração combinadas só será um problema se o total do Balanço e do resultado extensivo for visto como a única informação importante visto que, na prática, a maior parte das análises centram-se nas componentes desses totais.

Cabedo Samper e Tirado Beltrán (2003)60 consideram também a aplicação do justo valor como uma boa base de mensuração aquando do relato financeiro. Fazem ainda referência a resultados de estudos empíricos que evidenciam que a mensuração pelo justo valor de instrumentos financeiros, baseados num mercado regulamentado, possui um maior conteúdo informativo para os investidores do que a mensuração pelo custo histórico.

Na mesma linha, Standard & Poor’s Ratings Direct (2008) suporta a premissa que o justo valor, quando conjugado com amplas divulgações é uma base de mensuração contabilística relevante para activos e passivos financeiros.

Barlev e Haddad (2003) são defensores da mensuração a justo valor. Consideram que o desenvolvimento das normas contabilísticas revela que a contabilidade a custo histórico está a ser substituída pelo paradigma da contabilidade a justo valor. São ainda de opinião

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cf. Cooper (2007, p. 18).

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Os autores apresentam algumas regras e métodos a utilizar na obtenção do justo valor dos elementos do Balanço. Referem, nomeadamente, que a mensuração baseada no custo histórico constitui uma boa aproximação do justo valor de determinados elementos, como sejam os meios financeiros líquidos, os devedores e as dívidas a curto prazo. Relativamente aos elementos do activo e passivo a longo prazo referem que o justo valor deve ser calculado, sempre que possível, com referência ao valor de mercado. Quando este não existir, o valor actual poderá ser uma alternativa, contudo, tem a desvantagem da subjectividade que está associada na estimativa de certos parâmetros e variáveis necessárias para o cálculo do valor actual. (Cabedo Samper e Tirado Beltrán 2003)

que “o paradigma da contabilidade a justo valor proporciona uma divulgação total mais

completa e é compatível com a transparência”61 (Barlev e Haddad 2003, p. 385).

Mais recentemente, o SEC no relatório que emitiu em Dezembro de 2008, recomenda que a norma justo valor (SFAS 157 – “Fair Value Measurements” (FASB 2006c)) deva ser melhorada, mas não suspensa. E acrescenta que a suspensão da contabilidade ao justo valor para implementar a contabilidade baseada no custo histórico, ou em outra base de mensuração, não é aconselhável. A suspensão, ou eliminação, da actual necessidade da contabilidade ao justo valor iria provavelmente aumentar a incerteza do investidor e teria um impacto negativo na confiança do mesmo investidor pelo acesso distanciado à informação atempada, numa altura em que a informação é provavelmente mais útil aos investidores (SEC 2008).

Do exposto, constata-se que a opção de utilizar em exclusivo uma base de mensuração (custo histórico ou justo valor) não parece, por si só, ser a mais viável. Maior consenso parece existir pela selecção de uma base de mensuração predominante e fornecer informação complementar aquando da divulgação nas notas anexas.