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PARTE I – ABORDAGEM CONCEPTUAL E NORMATIVA

2.5. A LGUMAS PERSPECTIVAS PARA A EVOLUÇÃO DO MODELO DE MENSURAÇÃO

2.5.5. Bases combinadas de mensuração

2.5.5.2. Variantes do modelo

Atendendo ao exposto, e nesta última alternativa apresentada, de combinação de bases de mensuração, podemos ainda equacionar duas perspectivas distintas:

– combinar as duas bases de mensuração com enfatização da mensuração ao justo valor; ou,

– alternativamente, combinar as duas bases de mensuração enfatizando o custo histórico.

A primeira consiste, pois, em combinar as duas bases de mensuração dando mais ênfase ao justo valor, i.e., mensurar mais elementos a justo valor do que aqueles que actualmente são mensurados no presente modelo de relato.

Neste contexto importa avaliar quais as razões que justificam esta opção e quais os elementos das demonstrações financeiras que deverão deixar de ser mensurados a custo histórico e passar a ser mensurados a justo valor.

Até ao momento, uma importante área em que, para a generalidade das empresas63, não se encontra preconizado o justo valor, e que por vezes apresenta um grande peso na estrutura dos activos, é a dos inventários. Estes encontram-se mensurados pelo custo de produção ou de aquisição ou valor de mercado, dos dois o mais baixo. Todavia, aqueles critérios poderão não traduzir a melhor forma para mensurar os diferentes elementos dos inventários. Com efeito, há várias situações que ocorrem na envolvente e que afectam significativamente o valor dos mesmos, como por exemplo, a escassez do produto que tem impactos no seu preço. Se a empresa, aquando da prestação de contas, não contempla nas suas demonstrações financeiras o valor de mercado dos seus inventários, vai estar a fornecer aos utilizadores uma informação desajustada da realidade da empresa, que por sua vez, vai afectar a tomada de decisões.

O mesmo pode acontecer aquando da produção de inventários, quando seja dilatada no tempo. No términos da sua produção o custo da mesma pode estar muito desfasado do seu valor de mercado e, uma vez mais, a informação a custo histórico fica desajustada da realidade, com impactos na tomada de decisão.

As exigências de informação actualizada por parte, senão de todos, da maioria dos utilizadores, poderão ser o mote para seguirmos este caminho. Atendendo ao desenvolvimento dos mercados de capitais, à internacionalização da economia, à rapidez com que se fazem negócios, os utilizadores atentos à envolvente e não querendo perder oportunidades de investimento exigem, cada vez mais, uma informação tempestiva e relevante para os auxiliar na sua tomada de decisões.

Contrapondo esta perspectiva, temos como alternativa um outro caminho, i.e, combinar as duas bases de mensuração mas agora dando mais ênfase ao custo histórico face ao actual modelo de relato, i.e., limitar a aplicação do justo valor.

Actualmente o justo valor pode ser utilizado para mensurar, entre outros, vários elementos das demonstrações financeiras e, de entre eles, os instrumentos e investimentos financeiros, os activos biológicos, as propriedades de investimentos, activos fixos tangíveis e intangíveis. Como se sabe, não existem para todos estes elementos mercados activos ou regulamentados que possam servir de referência na determinação dos seus justos valores, pelo que esta é efectuada com recurso a técnicas e a modelos de avaliação, baseados em

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assunções e julgamentos acerca do futuro, incorporando-se, como vimos anteriormente, um maior grau de subjectividade naquele cálculo, o que, tendencialmente, poderá fazer diminuir a fiabilidade e a própria relevância da informação financeira produzida.

Analisando a actual conjuntura económico-financeira64 denota-se um grande pessimismo na sociedade em geral. Os próprios utilizadores da informação financeira tendem a valorizar uma informação apoiada em critérios mais prudentes, mais objectivos, mais verificáveis e fiáveis. Consequentemente, e procurando satisfazer estas necessidades, o espectro de aplicação do justo valor tenderá a ser reduzido, devendo apenas aplicar-se aos elementos para os quais exista um mercado activo ou regulamentado65, para conferir maior objectividade e fiabilidade à informação financeira produzida.

Atendendo ao exposto, importa então conhecer quais são as necessidades actuais dos utilizadores da informação financeira.

A possibilidade de valorizar todos os elementos das demonstrações financeiras a preços correntes é, de há muito, encarada com alguma apreensão por parte dos utilizadores – veja- se a este propósito o estudo empírico, realizado pelo AICPA “Special Committee on

Financial Reporting”, publicado em 1994, sobre as necessidades de informação dos

investidores e credores, citado em Lourenço (2003). Este estudo demonstrou que a maior parte dos utilizadores, embora considerem importante a divulgação do justo valor de alguns elementos do activo e do passivo, são contrários à substituição do actual modelo baseado no custo histórico. Revelaram ainda preocupações não só com a subjectividade mas também com a potencial volatilidade dos resultados que caracterizam a valorização pelo justo valor.

No relatório que desenvolveu em 2008, a SEC refere que os investidores, em geral, acreditam que o justo valor aumenta a transparência no relato financeiro e facilita a melhor tomada de decisões de investimento (SEC 2008).

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O relatório realizado pela SEC (2008) refere que a utilização do justo valor não parece ter desempenhado um papel significativo na falência de importantes bancos americanos, que ocorreram no ano de 2008 e que contribuíram para o despoletar da crise económico-financeira que abalou os mercados e a economia. Antes, refere que a falência dos bancos nos EUA parece ser o resultado do provável crescimento de perdas de crédito, das preocupações com a qualidade de activos e, em certos casos, da perca de confiança por parte dos financiadores e investidores. Para os bancos falidos que reconheceram perdas de justo valor bastante elevadas, este facto não foi apresentado como razão para a falência dos mesmos. (SEC 2008)

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É o caso, por exemplo, do Sistema de Informação dos Mercados Agrícolas, que presta informação sobre o preço dos produtos agrícolas e faz análises de mercados agrícolas.

Nesse mesmo relatório são apresentadas algumas conclusões sumárias de estudos académicos que analisaram o impacto da contabilidade a justo valor na qualidade da informação disponibilizada para os investidores. Esses estudos evidenciam que a informação ao justo valor aumenta a qualidade da informação disponível para os investidores e que quantias de justo valor diferentes não são uniformemente úteis para os investidores. Os justos valores obtidos tendo por base mercados activos são mais fiáveis do que aqueles que se obtêm em mercados ilíquidos ou através de estimativas. Fica ainda claro que, neste último caso, os investidores necessitam de mais informação adicional para que a informação divulgada seja mais útil para a tomada de decisões.

A SEC (2008) faz ainda referência que quaisquer alternativas de mensuração que existam à mensuração ao justo valor irão sempre apresentar pontos fortes e pontos fracos. Atendendo às evidências dos estudos que analisou e, considerando a utilidade da informação a justo valor para os investidores, refere que a suspensão da contabilidade a justo valor para regressar à mensuração baseada no custo histórico iria provavelmente aumentar a incerteza do investidor e teria um impacto adverso no acesso à informação, numa altura em que a informação é provavelmente mais útil para os investidores.

Em suma, nota-se que não existe uma solução óptima, ou sequer consensual, no que respeita à temática da mensuração contabilística. Nenhum dos caminhos possíveis sugeridos e que se podem tomar como rumo a seguir estão isentos de limitações, de críticas. É, pois, necessário promover boas práticas reguladoras para assegurar que qualquer mudança a existir na mensuração contabilística seja devidamente ponderada, de modo a não desacreditar o relato financeiro e todos quanto procuram a credibilidade e a qualidade da informação financeira.

A este respeito, ICAEW (2006) já referia que não existe um caminho claramente definido nas práticas de mensuração e, como tal, essas práticas evoluirão por caminhos instáveis. E acrescenta que, actualmente, tende-se a analisar as insuficiências de mensuração no presente modelo de relato financeiro e os presumíveis benefícios da mudança, que tenderão a ser, expectavelmente, melhores do que os actuais. Contudo, isto nem sempre acontece, pois os benefícios da mudança acabam por não ser tão satisfatórios como inicialmente se previa. E o processo de análise volta-se a iniciar, entrando-se num ciclo.

O que justifica este procedimento? A realidade está em constante mutação. Os utilizadores inserem-se numa envolvente concreta e instável que influencia fortemente as suas necessidades. Sendo, como a seu tempo referimos, o objectivo da Contabilidade identificar, medir e comunicar a informação financeira para auxiliar a tomada de decisões, esta terá de se adaptar à envolvente para poder dar resposta às necessidades dos utilizadores. Foi, aliás, este o processo percorrido pelos organismos normalizadores, no que respeita às questões de mensuração, que adiante analisaremos. Tendo em vista a envolvente, o custo histórico deixou de dar uma resposta satisfatória às necessidades de um grupo de utilizadores, que passou a ser representativo face aos demais. Isso levou a que os organismos normalizadores ajustassem os seus normativos tendo em vista a satisfação dessas necessidades, sem negligenciar a relação custo/benefício na preparação da informação financeira. Em síntese, o que se verificou e continua a verificar-se, é que a realidade altera-se, as necessidades modificam-se e os organismos normalizadores tendem necessariamente a ajustar-se às novas necessidades dos utilizadores.

Para Barlev e Haddad (2003) o desenvolvimento do paradigma do justo valor é uma consequência natural do processo de globalização e integração económica internacional, e não pode ser parado, quanto muito, retardado. A informação relevante fornecida por esta base de mensuração poderá, segundo os mesmos autores, trazer uma mudança da filosofia e das estratégias de gestão das empresas, onde o risco de gestão terá de ser parte integrante da gestão empresarial. Referem ainda que um sistema de relato dual onde o custo histórico vai dando lugar ao justo valor, parece-lhes ser o caminho mais promissor, no qual uma demonstração dos resultados extensivos seria uma boa alternativa ou mesmo um complemento desse sistema de relato.

CAPÍTULO

III

CAPÍTULO III –

A POSIÇÃO DE ALGUNS

ORGANISMOS COM PODER DE

NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA

Tomando como ponto de partida o estádio de desenvolvimento teórico antes referido, e a análise dicotómica baseada no custo histórico e em manifestações de justo valor, vamos analisar a introdução e evolução destes conceitos nos normativos contabilísticos do IASB, do FASB e da UE 66.