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PARTE I – ABORDAGEM CONCEPTUAL E NORMATIVA

3.3.3. Do custo histórico ao justo valor

Reconhecendo-se, por um lado, a falta de eficácia das Directivas e, por outro, a importância da harmonização do relato financeiro das empresas comunitárias, a UE não ficou de braços cruzados e procurou encontrar soluções para fazer face a essa situação. Neste sentido, a Comissão Europeia fez uma análise das diversas soluções possíveis, chegando a ponderar, entre outras, a possibilidade de criar um organismo de normalização próprio da UE. Esta solução foi abandonada porquanto, para além da inevitabilidade de criar legislação específica, seria necessário um longo período de tempo para desenvolver as normas contabilísticas.

Todas as soluções analisadas pela Comissão constam de uma Comunicação emitida em 1995, intitulada de “Harmonização Contabilística: uma Nova Estratégia Relativamente à Harmonização Internacional” (COM 95 (508) PT), que, como o próprio nome indica,

menciona a nova estratégia da Comissão quanto à harmonização contabilística. Nesta Comunicação foi realçada a necessidade da UE reforçar o seu contributo no processo de normalização internacional e facilitar o acesso dos operadores europeus aos mercados internacionais de capitais, sem que os mesmos infrinjam o quadro contabilístico comunitário. Neste sentido, a Comissão expressou a sua preferência pelas IAS e propôs-se a agir com vista a garantir que essas normas existentes até à data estivessem em conformidade com as Directivas Comunitárias, e que as futuras normas que viessem a ser definidas continuassem compatíveis com a legislação comunitária.

A partir daí, a UE apoiou os esforços conjuntos do IASB e da IOSCO, com vista à criação de um conjunto de normas de relato financeiro que deveriam ser utilizadas pelas empresas dos diferentes Estados-Membros e susceptíveis de serem aceites nos diferentes mercados de capitais a nível mundial. A UE passou, deste modo, a estar envolvida em todo o processo de estabelecimento de novas normas contabilísticas.

Entre 1996 e 2000 a Comissão Europeia realizou vários estudos com o objectivo de examinar a compatibilidade das Directivas Comunitárias com as IAS tendo, em Junho de 2000, emitido uma Comunicação denominada "Estratégia da UE para o Futuro em Matéria de Informações Financeiras a Prestar pelas Empresas" (COM (2000) 359 final PT). Nesta Comunicação propôs que todas as empresas da UE cotadas num mercado regulamentado passassem a elaborar, o mais tardar a partir de 2005, as suas contas consolidadas de acordo com um único referencial contabilístico, as IAS.

Em Abril de 2001 foi elaborado, pelo Comité de Contacto das Directivas Contabilísticas96, um documento para uso interno da Comissão, resultado de um trabalho no âmbito da estratégia contabilística adoptada pela Comissão Europeia em 1995, designado por “Análise da Conformidade entre as Normas Internacionais de Contabilidade (IAS) 1 a 41 e as Directivas Contabilísticas da União Europeia”. O objectivo deste documento consistiu em analisar o grau de conformidade entre os requisitos das IAS e as Directivas Contabilísticas da UE, de modo a que as empresas europeias que pretendessem aplicar as IAS nas suas contas consolidadas o pudessem fazer sem que surgissem incompatibilidades com as Directivas Contabilísticas. Na generalidade, o Comité de Contacto concluiu que

96

É um órgão consultivo composto por representantes dos Estados-Membros e por representantes da Comissão, que tem como missão facilitar uma aplicação harmonizada das Directivas Contabilísticas e aconselhar, quando solicitada, a Comissão sobre alterações ou aditamentos a introduzir nas Directivas Contabilísticas.

não existiam diferenças significativas entre as IAS e as Directivas Contabilísticas. Excepciona-se, como adiante melhor se explanará, a matéria relativa à adopção do critério de mensuração pelo justo valor.

Muito embora as Directivas Contabilísticas permaneçam na base das regras contabilísticas aplicáveis às empresas de responsabilidade limitada na UE, o facto é que as mesmas deixaram de se adequar às exigências dos mercados financeiros internacionais. As empresas europeias que pretendessem obter capital em mercados internacionais ou admitir os seus títulos à negociação num desses mercados, viam-se obrigadas a elaborar dois conjuntos de contas: um em conformidade com as Directivas Contabilísticas e a legislação do seu país e, outro, adaptado às exigências dos mercados internacionais de capitais. Esta situação criava algumas barreiras, não só para as empresas que tinham de suportar custos acrescidos, mas para todos os utilizadores, para quem a diferente informação gerada podia originar confusão.

As Directivas Contabilísticas contemplavam, como já referimos, um excessivo número de opções, com o objectivo de possibilitar a sua aplicação a países com sistemas contabilísticos muito distintos. A globalização dos espaços financeiros e das bolsas de valores, o aparecimento de novos produtos financeiros, o grande desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, entre outros factores, vieram evidenciar que as Directivas Contabilísticas se encontravam desajustadas da realidade económica, estando “obsoletas” face aos desenvolvimentos na normalização internacional, por não acompanharem os desenvolvimentos técnicos verificados nos US-GAAP e nas IAS.

Com o objectivo de ajustar a harmonização contabilística europeia, não só às novas práticas económicas mas também à evolução das normas contabilísticas reconhecidas internacionalmente, foi elaborada pela Comissão Europeia uma proposta para modernizar as Directivas Contabilísticas. Pretendeu-se com esta proposta de modernização atenuar o risco de conflitos entre as Directivas e as IAS e assegurar que as primeiras se coadunam com a evolução contabilística moderna, tornando-as mais flexíveis e evitar futuras incompatibilidades. Ou seja, pretende-se que a actualização das Directivas acompanhe não só a evolução dos mercados mas também a elaboração das IAS. O objectivo é permitir que as empresas europeias, que operam à escala internacional, consigam adaptar-se às

exigências dos mercados de capitais, quanto às necessidades de informação financeira, evitando desta forma a reexpressão das suas demonstrações financeiras.

O grande dinamismo que ocorreu nos mercados financeiros internacionais veio incrementar não só a utilização dos instrumentos financeiros primários (como as acções e obrigações) mas também dos instrumentos financeiros derivados (como os swaps, os futuros e as opções). Face ao exposto, os principais organismos de normalização contabilística a nível mundial começaram a valorizar esses instrumentos financeiros utilizando um modelo de contabilidade pelo justo valor, afastando-se do modelo do custo histórico. Com o objectivo de acompanhar os desenvolvimentos internacionais, a UE deliberou alterar as suas Directivas estruturantes (Quarta e Sétima) para que estas pudessem acolher a contabilização e mensuração pelo justo valor de determinados activos e passivos financeiros.

Para o efeito, emitiu a Directiva 2001/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Setembro de 2001, que altera a Quarta e Sétima Directivas relativamente às regras de valorimetria aplicáveis às contas anuais e consolidadas de certas formas de sociedades, bem como as Directivas dos Bancos e de Outras Instituições Financeiras.

A UE considerou importante permitir a adopção do justo valor mas não encontrou condições para impor a sua utilização por parte dos Estados-Membros. Neste sentido, concedeu-lhes liberdade para exigirem, ou permitirem, que todas, ou determinadas, categorias de empresas adoptassem a contabilidade pelo justo valor, não estabelecendo, porém, regras muito específicas para a utilização deste critério. O custo histórico manteve- se, deste modo, como o critério valorimétrico de base.