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As abordagens analisadas correspondem, em síntese, às dimensões da estruturação das cidades: a segregação enquanto expressão da seleção e dominação de grupos sociais por meio da competição, enquanto expressão da escolha (trade off) regulada pelo livre-mercado e enquanto expressão dos conflitos sócio-espaciais. Desta maneira, a noção de segregação aqui adotada incorpora, de forma inclusiva, como atributos de análise: a) a diferenciação enquanto mecanismo de organização social em uma sociedade estratificada e b) a segmentação espacial como produto e reprodutor das formações sociais hierarquicamente estruturadas em torno das práticas de poder no espaço. Este entendimento orientou a noção de segregação empregada pelo presente estudo como a materialização dos conflitos sócio-espaciais que produz e reproduz as contradições e desigualdades hierarquicamente organizadas no espaço urbano. A segregação sócio-espacial aqui expressa não significa apenas o caráter funcional que o

fenômeno tem na estruturação da cidade como um todo, mas coloca em evidência a superposição de situações de inclusão e exclusão social originadas das mazelas de uma sociedade desigual e segmentada.

A correta compreensão da segregação sócio-espacial requer uma base na qual produto e produtor se opõem e se complementam. Com base na interdependência funcional, na diferenciação social e na segmentação espacial das relações sócio-espaciais, este estudo adota, apesar do positivismo presente em sua concepção, a noção de estrutura urbana derivada da ecologia de Chicago, dado que esta traduz, em termos espaciais, que os conflitos gerados pelas diferenças de apropriação e pela multiplicidade de agentes são refletidos e sentidos em todas as outras partes da cidade, cuja intensidade depende das tecnologias de comunicação existentes, indicando dinâmicas territoriais ‘centrífugas’ ou ‘centrípetas’.

Desta forma, a estrutura urbana explica em que medida noções básicas como centralidade ajudam a compreender a dinâmica sócio-espacial. Nestes termos, adota-se como atributos da organização da estrutura urbana: o centro principal, os subcentros e o conjunto de áreas residenciais diferenciadas pelo seu conteúdo social17.

Associado à delimitação conceitual e espacial da estrutura urbana, o presente estudo emprega a noção de recursos urbanos como um sistema externo às famílias, empresas e instituições, composto pelos serviços urbanos básicos (coleta de lixo, fornecimento de energia elétrica, água e esgoto dentre outros), equipamentos públicos (praças, parques, hospitais, escolas, museus, etc.) e a infra-estrutura física de transportes. Numa situação de competição, tais recursos detêm duas faces que se complementam. De um lado, a sua apropriação significa segmentação dos espaços urbanos entre os possuidores e os despossuídos, caracterizada pelo acesso por parte de alguns grupos e restrição de acesso a outros. Por outro, assume o papel de mecanismo de inclusão sócio-espacial, dado que se caracteriza como um dos fatores que contribuem para a minimização das distâncias sociais, dada a sua função social em uma sociedade estruturada na desigual distribuição de recursos. Os diferentes graus de apropriação dos recursos urbanos indicam a qualidade ambiental e social dos espaços residenciais, podendo ser utilizados como indicadores de segregação.

Das abordagens analisadas os termos acessibilidade, desconcentração e formas de apropriação estabeleceram-se como fundamentais para a compreensão da dinâmica interna das cidades. Baseada nas proposições de Harvey (1985) e Castells (1978), a acessibilidade é a capacidade de consumo da cidade e a relação de acesso entre a localização residencial e os

equipamentos de uso coletivo. Já o termo desconcentração é tributário da definição empregada por Gottdiener (1997), dado que é fruto da dinâmica entre os movimentos de descentralização sócio-econômica e concentração demográfica. O termo ‘apropriação’ é decorrente da delimitação da noção de recursos urbanos, configurando-se, desta forma, como a capacidade de ‘competição’ por meio da detenção, por grupos sociais, de certas quantidades de capital (monetário, físico, humano, etc.), que na sua desigual distribuição gera do lado da demanda uma realidade social caracterizada pelo desequilíbrio e permanente situação de conflitos de interesses, seja pela ‘apropriação’ mais igualitária do capital, seja para o reforço das desigualdades. É sob esta realidade que agentes como o Estado e o mercado imobiliário apresentam-se como elementos chave para o presente estudo.

Por fim, a definição de grupos sociais não se estrutura apenas nos diferenciais de renda. Um dos limites a serem apontados para este indicador refere-se ao grau de vulnerabilidade frente às alterações macroeconômicas, principalmente numa realidade de ‘economias globalizadas’, onde os impactos ocorrem de forma diferenciada sobre os salários e grupos sociais. Outro limite refere-se às diferenças existentes entre a renda nominal e a renda real do individuo, dado que no interior de uma cidade, os diferenciais de preços para moradia ou até mesmo para o simples consumo de um bem não-durável apresentam-se de forma diferenciada. Nesse sentido, a articulação entre a questão da segregação dos grupos sociais à lógica do sistema econômico capitalista, está diretamente vinculada a uma aproximação descritiva da estrutura de classe e o seu papel na diferenciação espacial, frente aos processos de mudanças sociais e econômicas atuais.

Um indicador para a definição de grupos sociais e tipos espaciais são as categoriais sócio-ocupacionais, propostas pelo Observatório das Metrópoles. Com isso, o modelo analítico tem como princípio básico a centralidade do trabalho na estruturação e no funcionamento da sociedade. Tal centralidade torna a ocupação uma variável capaz de fornecer informações discriminadas e discriminadoras sobre renda, nível de instrução, estilo de vida, comportamento, etc. Nesse sentido, Desroisière, Goy e Thévenot definem a estrutura social como sendo simultaneamente um espaço de posições sociais e um espaço de indivíduos ocupando esses postos e dotados de atributos sociais desigualmente distribuídos e ligados às suas histórias (apud Ribeiro, 2000b). Em decorrência desta definição, entende-se por grupos sociais um sistema de relações sociais, que compartilham atributos sociais e econômicos semelhantes. A noção de grupo social aproxima-se da idéia de classes sociais, diferenciando- se destas por apresentar uma lógica interna mais voltada para as interações entre pessoas com

interesse, sentimentos, modelos de consumo, estilos de vida e formas de apropriação similares.

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