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BASES SOCIAIS E DIREÇÃO POLÍTICA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

Em meio a eclosão das greves massivas dos operários e operárias do ABC, e frente a projeção nacional da figura de seus dirigentes, discutia-se a viabilidade da fundação de um novo partido político voltado aos interesses dos trabalhadores. “A radicalização das lutas sindicais que chega ao auge em 1978 empurra os grevistas à esfera política, daí a formação do PT com os inúmeros grupos que permeiam sua composição interna”. (TRAGTENBERG, 1988).

Desde as discussões de 1978 discutia-se a viabilidade de criação de um partido que se contrapunha ao programa do MDB e do ARENA. A opção do MDB por maior moderação nas eleições de 1970 torna mais coesa a organização de uma de suas correntes, que era denominada de “autênticos do MDB”, este setor do MDB pautava a critica ao governo ditatorial-burguês reivindicando a luta pela democracia burguesa, desta forma tornou-se expressão à esquerda no interior do partido. O MDB era composto por amplo leque de tendências sociais e políticas, como definia a Carta de Princípios do PT, entre os militantes do MDB incluíam-se “industriais, operários,

fazendeiros e os peões, comerciantes e comerciários”. As correntes de corte stalinista (PCB, PC do B e MR8) também irão compor o MDB. (BERBEL, 1991).

Os “autênticos do MDB” identificam que a opção por maior moderação nas eleições teve impacto negativo sobre a base de apoio do partido, este impacto podia ser vislumbrado pelo menor numero de votos que recebera nas eleições. Com a crise econômica de 1973, e a intensificação das criticas ao regime, em 1974 a ala “esquerda do MDB” sai fortalecida. Isso intensifica as disputas no interior do partido. Em 1974 o General Geisel anuncia um novo período de distensão da política repressiva. Iria diminuir as perseguições e ampliar as liberdades democrático-burguesas. Neste momento os autênticos do MDB entendem ser necessário expressar então o descontentamento popular com o regime político-social, buscam então aproximação com intelectuais do CEBRAP, encarados como intelectuais “de esquerda”, entre estes estavam Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer, Francisco de Oliveira, Francisco Welffort etc. Mas, já neste período de sensível disposição para flexibilização a ditadura, desenvolve-se junto a este setor dos autênticos e dos intelectuais de esquerda a perspectiva da necessidade de criação de um novo partido. (BERBEL, 1991).

Com diferenças, o então deputado federal Plínio Arruda Sampaio, bem como Almino Afonso, Francisco Welffort, Fernando Henrique Cardoso, entre outros, falavam da necessidade de constituição de um partido socialista que, opondo-se a perspectiva stalinista, lutasse pela democracia e pelo socialismo. A sigla discutida era Partido Popular Democrático e Socialista, este deveria ligar-se com os movimentos sociais que afloravam no período. (BERBEL, 1991, p. 32).

Mas foi das bases do ABC que emergiu com grande força uma nova proposta partidária. Em meio às mobilizações de massa e as assembléias plebiscitárias de milhares de trabalhadores e trabalhadoras, um setor dos sindicalistas grevistas, que havia exercido papel de direção política e conquistado grande projeção entre os trabalhadores e trabalhadoras, levantou a bandeira da construção do PT, entre estes estavam; Lula, Jacó Bittar, Paulo Skromov e Wagner Benevides. Conforme destaca Tragtenberg

Um partido político passava a ser discutido num setor da esquerda, comandado por um pequeno grupo do Sindicato dos Coureiros de São Paulo, controlado por uma tendência trotskista revolucionária, porém sem adesão massiva dos outros setores da esquerda. Muito menos os sindicalistas de São Bernardo viam com segurança, inicialmente, o apoio à organização partidária enquanto não tivessem garantia de que isso não colocaria em risco os benefícios da estrutura sindical reconquistada. Resistiram durante quase dois anos a uma possível composição para criar o Partido dos Trabalhadores, nos atuais moldes. Mas antes que as oposições sindicais de São Paulo e a esquerda das Comunidades Eclesiais de Base tivessem aderido firmemente, os sindicalistas de São Bernardo integraram o processo de criação do PT, associados a um grupo de intelectuais, ligados ao socialismo democrático, com a fundação simbólica desse Partido no restaurante São Francisco, em São Bernardo do Campo. (p. 315).

A proposta de criação de um Partido dos Trabalhadores é lançada um mês após o ciclo de greve de 1978 desencadeado pelos operários e operárias do ABC. De acordo com Berbel a proposta de criação do partido já teria sido lançada “pelo presidente do Sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Luis Inácio da Silva (Lula), um mês após a realização das primeiras greves em São Bernardo do Campo, em 1978”. (p. 01). Segundo Lélia Abramo, já a partir de 1978:

[...] parte das oposições estava se articulando para a criação de um novo partido de caráter socialista; essa iniciativa, entretanto, não teve êxito. No decorrer das memoráveis greves de 1978-80, todos os que participavam do movimento começaram a perceber a necessidade de sair das lutas puramente reivindicatórias e estendê-las para o campo político. Para isso a estrutura sindical era insuficiente; tornava-se evidente a necessidade da criação de um partido de trabalhadores. Essa idéia alastrou-se como um rastilho de pólvora. O Partido dos Trabalhadores ia nascer exatamente de todas as bases populares de oposição que vinham lutando contra a opressão naquele momento, especialmente os metalúrgicos do ABC (p. 370).

Mas, a posição pela criação de um partido proletário também não era homogênea. Na contramão dos anseios sociais e políticos do proletariado mais avançado em luta estavam os partidos de tradição stalinista. Conforme destaca Tragtenberg (1988) “No plano exterior, o PT encontrou seus opositores nos setores mais burocratizados da chamada esquerda como o PCB, PC do B, MR-8”.

Segundo Berbel, o PCB, desde o surgimento da proposta de fundação do PT, adota posição contrária a sua criação, chegando a participar de reuniões com intuito de boicotar e dificultar a construção do partido. De acordo com Santana (2001), “Coerente com sua política de frente contra a ditadura, organizada no MDB, o PCB buscará constantemente esvaziar o debate acerca do PT e indicar o caminho, a seu ver, mais correto”. (p. 199). Ao invés de apoio a construção do PT, o PCB conclama a classe trabalhadora para que articule-se em apoio ao MDB. O PCB sustentará esta posição durante toda a década de 1980. Santana (2001) discorre sobre a posição do PCB em 1978 em relação a formação do PT.

Se os “novos atores” emergentes duvidavam das iniciativas dos partidos então legalmente existentes, e colocavam a perspectiva da criação de um novo partido, o PCB conclamava o povo a votar no MDB nas eleições de novembro de 1978. Na lógica do partido, como ficou explicito no pronunciamento da Comissão Executiva do Comitê Central do partido, publicado no Voz Operária no 146, de maio de 1978, “todo voto atribuído ao MDB é um voto de oposição, de repúdio à continuação do arbítrio e, nesse sentido, é um voto válido e democrático”. Considerando que a eleição de 1974 serviu como ponto de inflexão para o regime, os comunistas assinalam que desde 1978 deveria se transformar na expressão do repúdio nacional, contra as manobras pseudo-reformistas da ditadura, devendo se converter numa manifestação categórica em favor da completa democratização da vida nacional e contra a perpetuação do fascismo sob novas vestes. O texto assinala um ponto importante, que terá reverberações mais tarde, e que diz respeito à reforma partidária acenada pelo regime. O partido vai colocar-se a favor do pluralismo como princípio.

Porém, ele assiná-la que, naquelas condições, seria equivocado precipitar a formação aberta de novos partidos, na medida em que isso enfraqueceria a unidade oposicionista representada pelo MDB e favoreceria as manobras diversionista do regime. O PCB indica, assim, qual deveria ser a postura não somente até as eleições, mas sim até o fim do regime. No documento temos a indicação daquelas que seriam as medidas democráticas pleiteadas pelo PCB, e pelas quais se concentraria o movimento antiditadura. Elas seriam, entre outras, a convocação de uma Assembléia nacional Constituinte, anistia ampla e irrestrita, fim de todos os atos e leis de exceção, respeito à livre organização partidária e completa liberdade sindical. (p. 188-189).

Porém, amparado sobre o movimento operário que procurava por uma organização combativa que representasse seus interesses, os sindicalistas, trabalhadores de base e setores de intelectuais encontraram terreno fértil e apoio massivo para a construção do PT. O PCB acaba por se organizar com as frações mais reformistas do MDB-PMDB. Muitos de seus militantes rompem com este partido e vão aderir a proposta de criação do PT.

Co-dirigindo a formação do PT, o sindicato de Santo André, influenciado pela Convergência

Socialista, apresentou a proposta de criação do Partido em janeiro de 1979, no congresso de Lins

(22 a 26 de janeiro).

Em janeiro de 1979 foi apresentada e aprovada a tese elaborada pelos metalúrgicos de Santo André, ao IX Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos do Estado de São Paulo, que se realizou em Lins. Este Congresso com milhares de delegados, representava um milhão de metalúrgicos e deixava claro que o partido que queriam construir baseava sua legitimidade em que tanto o programa como seu funcionamento deveriam expressar o perfil classista dos trabalhadores e sem a interferência dos patrões. Assim se votou pela primeira vez a proposta do PT e se decidiu constituir uma comissão para integrar outros estados e avançar na discussão do programa e dos estatutos. (CEIB, 2008, p. 96).

As greves de 1978, 1979 e 1980 haviam atraído amplos setores sociais que se solidarizavam com a luta operária. Além disso, antes mesmo de se consolidar, enquanto movimento pró-PT, setores do proletariado que compunha os núcleos de base do movimento desempenhavam importantes ações de solidariedade às lutas operárias, ajudavam a organizar piquetes, greves, ocupações, arrecadação de alimentos, etc. Com isso estabelece-se relações orgânicas com a base proletária, parte deste apoio será canalizado para a construção do Partido. Baseando-se nestes aspectos Berbel considera que o movimento pró-PT cumpriu papel importante na organização das greves do ABC.

A existência orgânica do Movimento pró-PT introduziu novos elementos no movimento grevista. Seus núcleos engajaram-se diretamente na organização da solidariedade, que se manifestou em várias regiões do país e, em São Paulo, adquiriu um caráter permanente. Diferente dos outros partidos, o PT esteve presente durante o movimento através da direção do sindicato e da organização desta solidariedade, sem, no entanto, em momento algum, procurar elaborar uma política para esta greve. Ainda que umbilicalmente envolvido, o PT não conseguiu desencadear um envolvimento mais consistente de solidariedade. Através de sua direção nacional, lançou-se a perspectiva de uma greve geral de solidariedade, que

foi descartado imediatamente pelos dirigentes da “Unidade Sindical” [dirigida pelo PCB, PC do B e MR8]. Nenhuma proposta que unificasse todos aqueles que se manifestavam em solidariedade foi elaborada, procurando contornar os setores do movimento sindical que se colocavam em aberta divergência. (BERBEL, p. 123 – grifo nosso).

Segundo a autora, a atuação em apoio as greves do ABC foi protagonizada pelos militantes de base. A direção política do PT preocupada com o risco de afrontar as classes médias que apoiavam a construção do partido, e temendo a radicalização da base do PT opta por separar a luta política da luta sindical. Desta forma, conforme destaca Matos (2004):

Já em 1980-81, em seu nascimento, o PT mostrava a quê veio quando se negava a colocar seu aparato a serviço das heróicas greves protagonizadas pelos operários do ABC, para não se contrapor à ditadura e ameaçar seu processo de “legalização”, como demonstram as declarações do próprio Lula na época. Desde o princípio o PT sempre se aliou aos setores burgueses que se encontravam no MBD, para impedir que o ascenso grevístico se chocasse diretamente contra o a ditadura e derrubasse de forma revolucionária o já podre regime de 1964.

Mesmo atuando de forma ambígua, o PT surge de um movimento que buscava responder de forma moderada aos anseios das massas proletárias, tanto no que diz respeito à descrença nos partidos existentes naquele momento (MDB e ARENA). O PT, contando com figuras públicas que podiam atrair grande quantidade de votos e conquistar êxitos eleitorais trouxe para sua órbita diversas correntes e tendências políticas.