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DISSOLUÇÃO DO ESTADO E DITADURA DO PROLETARIADO

Mas como deve ser organizada a luta pela derrubada do estado burguês? O proletariado necessita organizar-se de forma coesa, por meio de uma estratégia que pressupõem a dissolução da sociedade burguesa, necessitará ainda atrair outras frações de classe para aderirem a seu programa e estratégia. A dissolução do Estado deve ser construída por meio de um processo transicional, onde se estabeleceria a ditadura do proletariado, com a tomada armada das instituições burguesas, Estado, exército e meios de produção. De acordo com segundo Marx, no texto Critica ao programa

de Gotha (de 1875), “Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de

transição revolucionária de uma na outra, a que corresponde um período de transição política em que o Estado não poderá ser outra coisa que não a ditadura revolucionária do proletariado”. (p. 147). Também no Manifesto do partido comunista, Marx e Engels explicam o que seria a ditadura revolucionária do proletariado e sua relação com o Estado: “O proletariado utilizará sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo o capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente possível o total das forças produtivas”. (p. 58).

Ou seja, não interessa ao proletariado a manutenção do Estado. Desde o inicio do processo revolucionário, da tomada do Estado do domínio burguês, o proletariado e seu partido trabalhará para desenvolver a autoorganização do proletariado, nos bairros e nos locais de trabalho e com isso buscará superar a fase do Estado proletário, marchando assim para a dissolução definitiva do Estado construindo desta forma o caminho para o comunismo. Como afirmam os autores em outra passagem do mesmo texto, a ditadura do proletariado deve dissolver o poder político:

(...) O poder político é o poder organizado de uma classe para opressão da outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se organiza forçosamente como classe, se por meio de uma revolução se converte em classe dominante e como classe dominante destrói violentamente as antigas relações de produção, destrói, juntamente com essas relações de produção, as condições de existência dos antagonismos entre as classes, destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação de classe. (p. 59).

Não cabe então aos marxistas revolucionários buscar manter a instituição estatal, nem mesmo tentar reformá-la, uma vez que esta é incorrigível. Mesmo a ditadura do proletariado, como lembra Lênin, n’O Estado e a revolução (2008), embora substitua temporariamente a função de re-organização da produção, por não ter como meta a exploração do proletariado e a manutenção da propriedade privada, mas sim supressão desta e coletivização dos meios de produção, bem como a abolição da concorrência e a anarquia do mercado, a ditadura do proletariado seria então para Lênin uma forma de anti-estado, ou o próprio Estado burguês em decomposição. No mesmo sentido é desenvolvida a análise Engels, no texto Do socialismo utópico ao socialismo científico. Também Engels aponta no mesmo sentido:

(..) O proletariado toma em suas mão o Poder do Estado e começa por converter os meios de produção em propriedade do Estado. Mas nesse mesmo ato destrói a si mesmo como proletariado, destruindo toda a diferença e todo o antagonismo de classe, e com isso o Estado como tal. (...). Quando o Estado se converter, finalmente, em representante efetivo de toda sociedade, tornar-se-á por si mesmo supérfluo. Quando não existir já nenhuma classe social que precise ser submetida; quando desaparecerem, juntamente com a dominação de classe, justamente com a luta pela existência individual, engendrada pela atual anarquia da produção, os choques e os excessos resultantes dessa luta, nada mais haverá para reprimir, nem haverá necessidade, portanto, dessa força especial de repressão que é o Estado. O primeiro ato em que o Estado se manifesta efetivamente como representante de toda sociedade – a posse dos meios de produção em nome da sociedade – é ao mesmo tempo o seu último ato independente enquanto Estado. A intervenção da autoridade do Estado nas relações sociais tornar-se-á supérflua num campo após outro da vida social e cessará por si mesma. O governo sobre as pessoas é substituído pela administração das coisas e pela direção dos processos de produção. O Estado não será “abolido”, extingue-se. (...). (p. 72-73).

O Estado capitalista, é entendido como instituição social que monopoliza também os meios de repressão e violência contra o proletariado em favor da burguesia. É este Estado que organiza a sociedade capitalista, a produção, a circulação, a economia, a repressão aos insurgentes e o convencimento ideológico. O Estado burguês por meio da coesão, consenso e enganação, assegura que o proletariado viva em condições paupérrimas, jornadas de trabalho extenuantes, habitações precárias, transporte precário, sistema educacional precário. Para Marx e Engels tais condições não seriam circunstanciais, mas sim elemento constitutivo da ordem social criada pela burguesia. Para que ela tenha tudo, uma parte da sociedade precisa viver com o mínimo possível. É a única classe que pode fazer a humanidade avançar para novos e superiores patamares de relações sociais. Para o autor, os meios de produção devem deixar de ser individuais, e serem convertidos e meios de produção coletivos.

No mesmo sentido é desenvolvida a análise de Trotsky n’A revolução traída, para o autor o proletariado, sujeito central e classe dirigente do processo revolucionário, necessita “expropriar os

exploradores”, apenas com os trabalhadores organizados como classe dominante é que se “suprime a necessidade de um aparelho burocrático que domine a sociedade e, antes de tudo, da policia e do exército permanente”. (p. 76). Engels destaca que só o proletariado pode organizar a produção em benéfico da maioria:

Essa solução só pode residir em ser reconhecido de um modo efetivo o caráter social das forças produtivas modernas e, portanto, em harmonizar o modo de produção, de apropriação e de troca com o caráter social dos meios de produção. Para isso não há senão um caminho: que a sociedade, abertamente e sem rodeios, tome posse dessas forças produtivas, que já não admitem outra direção senão a sua. Assim procedendo, o caráter social dos meios de produção e dos produtos, que hoje se volta contra os próprios produtores, rompendo periodicamente as fronteiras do modo de produção e de troca, e só pode impor-se como uma força e eficácia tão destruidoras como o impulso cego das leis naturais, será posto em vigor com plena consciência pelos produtores e converter-se-á de causa constante de perturbações e cataclismas periódicos, na alavanca mais poderosa da própria produção. (p. 70-71).

Desde o Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels faziam a mesma avaliação. Para os autores a única forma de contrapor a dominação da burguesia seria o proletariado assumindo o protagonismo de sua própria emancipação. Constatam a necessidade de construção de um Partido Comunista, que unifique toda a classe trabalhadora em uma só vontade, em um só programa histórico. Este deve participar de todas as lutas protagonizadas pelo proletariado, deve apoiar todas suas lutas. É claro que as classes dominantes combaterão esse Partido, pois ele representa a eliminação da burguesia como classe social hegemônica. Por isso Lênin destacará n’O Estado e a

revolução (2007), que “O derrubamento da burguesia só é realizável pela transformação do

proletariado em classe dominante, capaz de dominar a resistência inevitável e desesperada da burguesia e de organizar todas as massas trabalhadoras exploradas para um novo regime econômico”. (p. 44). Na análise do autor, o proletariado “precisa do poder político, da organização centralizada da força, da organização da violência, para reprimir a resistência dos exploradores e dirigir a massa enorme da população – os camponeses, a pequena burguesia, os semiproletários – na “edificação” da economia socialista”. (p. 44). Trotsky complementa a análise de Lênin, pois além de considerar necessária a tomada do poder pelo proletariado, discorre ainda sobre os inevitáveis riscos da tomada do poder estatal pelo proletariado organizado em um partido revolucionário. Para o Trotsky (1978), os riscos da tomada do poder não podem servir como justificativa para a manutenção da ordem burguesa, da manutenção da propriedade privada e da venda da força de trabalho como mercadoria.

Em todo o mundo (...) o poder estatal está nas mãos da burguesia. Nisso, e só nisso, revide

das mãos da burguesia este poderosíssimo instrumento de opressão. Nos comunistas não negamos as dificuldades e os perigos que encerra a ditadura do proletariado. Mas isso diminui a necessidade de tomar o poder? (p. 45).

O autor considera que o maior beneficiado com a manutenção do Estado burguês não é a humanidade como um todo, nem sua fração majoritária que é composta pelo proletariado, mas sim a burguesia. Lênin também afirmava n’O Estado e a revolução que só o proletariado “tem necessidade de um Estado que vá desaparecendo, isto é, um Estado que cedo comece a desaparecer e não possa deixar de desaparecer”. A burguesia, por sua vez, tende a defender com todas as suas forças a manutenção de tal aparato ideológico-repressivo. Nas palavras de Trotsky:

(...) nos países burgueses a desgraça é que a esmagadora maioria do proletariado não entende corretamente os perigos do Estado burguês. De forma como encaram a questão, os sindicalistas, claro que involuntariamente, contribuem para a conciliação passiva dos operários com o estado capitalista. Quando os sindicalistas fazem soar nos ouvidos dos operários, oprimidos pelo Estado burguês, seus alertas sobre o perigo do estado proletário, cumprem um papel puramente reacionário. Os burgueses se precipitarão a repetir aos operários: ‘Não toquem no estado porque é uma armadilha muito perigosa para vocês’. Os comunistas dirão: ‘As dificuldades e os perigos com que o proletariado se enfrenta no dia seguinte à tomada do poder, aprenderemos a superá-los sobre a base da experiência, Mas no presente os perigos mais ameaçadores residem no fato de nosso inimigo de classe tenha as rédeas do poder em suas mãos e a maneje contra nós’. (...) Na sociedade contemporânea há somente duas classes capazes de ter o poder em suas mãos: burguesia e o proletariado. (1978. p. 45).

Embora entenda como necessária a tomada do poder pelo proletariado organizado, o autor considera que sua ditadura do proletariado sobre a burguesia não constitui em si uma fase de estabilidade e de garantia de vitória dos trabalhadores e trabalhadoras organizados e assim da construção do socialismo. Por ser transitória a ditadura do proletariado pode avança para o socialismo ou retroceder para o domínio burguês.

Sim, deter o poder do estado também causa perigos ao regime de ditadura do proletariado, mas a essência desse perigo reside na possibilidade de que este poder volte às mãos da burguesia. O risco mais conhecido e obvio é a burocratização. Em que consiste? Se uma burocracia operária esclarecida pudesse levar a sociedade ao socialismo, ou seja, à liquidação do estado, nós reconciliaríamos com semelhante burocracia. Mas seu caráter é oposto: ao separa-se do proletariado, ao colocar-se acima deste, a burocracia cai sob a influência das classes pequeno-burguesas e pode assim facilitar o retorno do poder às mãos da burguesia. Em outras palavras: para os operários os perigos do estado sob a ditadura do proletariado não são, se se os analisa a fundo, mais do que o perigo da restauração do poder burguês. (p. 46).

Para Trotsky o central então seria a tomada do poder com controle da produção pelo proletariado “A tarefa do partido operário consistiria em tomar o poder em suas mãos, e imediatamente pôr em ordem a economia. Isso significa: organizar toda a economia nacional de acordo com um único plano racional, cujo objetivo não seja o beneficio de um punhado de

exploradores, mas os interesses materiais e espirituais de uma população. (...). (p. 99). Colocado os elementos da teoria marxista para analisar o caráter do Estado e a necessidade histórica do proletariado de dissolve-lo, passemos as formas de organização que viabilizariam sua tomada e extinção pelos trabalhadores e trabalhadoras organizados.