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batismo de fogueira remete a uma memória coletiva que, ao ser perpetuada por diversas gerações, configura elemento de autenticidade do território e afirmação da identidade.

Destaca-se ainda nos festejos juninos a valorização por roupas de tecidos de chita e xadrez, uma referência às antigas vestimentas de homens e mulheres do campo. As comemorações são acompanhadas por danças e músicas no ritmo forró. Grupos familiares e amigos empenham-se na construção de arraiás nas ruas, onde ocorre a apresentação de trios de forró pé de serra e grupos que encenam as quadrilhas, manifestação cultural nordestina. Na comunidade Ranchinho, cujo padroeiro é São João, as noites juninas também são celebradas com manifestações do catolicismo, a partir de programações festivas que incluem a realização de novenas, missas e procissões.

Nos dias de São Pedro, 28 e 29 de junho, as manifestações da comilança, a construção das fogueiras, os forrós e os batismos são reproduzidos novamente, contudo, em menor intensidade quando comparado ao São João. A exceção é a Rua Nova, situada na sede do município, e as comunidades Pedro Leão e Ilha de São Pedro, que têm capelas cujo santo é padroeiro. No aldeamento Xokó, os indígenas convertidos ao catolicismo reverenciam entre ritos cristãos e animistas seu patrono, que na cultura ribeirinha também é invocado como protetor dos pescadores e navegantes.

Outra manifestação cultural que altera a rotina do homem do campo é a Festa de Santa Luzia, comemorada no povoado Lagoa da Volta. As celebrações religiosas iniciam no 1º de dezembro com trezenas que se prolongam até o dia 13 do referido mês, quando é comemorado o dia da santa.

Realizada ciclicamente no mês natalino, a festividade é comumente referenciada pelos moradores da localidade e comunidades circunvizinhas, como o Natalzinho da Lagoa da Volta, termo alusivo ao ludismo do evento, que conta com a espacialização na praça da matriz de parques de diversão e barracas de guloseimas. Esse fato decorre ainda da centralidade que a sede do município exerce na promoção do circuito natalino.

Almeida, Oliveira e Vargas (2011), ao analisarem as manifestações do ciclo natalino nos estados de Sergipe, Ceará e Goiás, constataram que o período festivo abrange o nascimento de Cristo e a visita dos três Reis Magos ao Menino Jesus. Todavia, ressalvam que em muitos municípios as festas de alguns santos padroeiros, celebradas nos meses de dezembro e janeiro, também são incluídas no ciclo de comemorações do Natal. Esse fato é evidenciado na Festa de Santa Luzia.

Tementes e em respeito à santa, fiéis não realizam atividades domésticas no dia de sua festa, e as costureiras e bordadeiras, cujos ofícios requerem a boa utilização dos órgãos da

visão, ausentam-se de suas atividades. Agricultores devotos também dispensam o exercício das atividades agrícolas, realizando apenas o necessário.

Dia de hoje eu mesmo num faço nada, porque é a Festa de Santa Luzia. A gente tem a vista boa, né? Por que a gente num pode parar um dia sem bordar? Eu também bordo. Ela nos dá a nossa vista boa, todinha, porque um dia só a gente num pode parar? Aí hoje a gente deve parar de levar roupa. Nem lavo roupa, nem varro o terreiro, principalmente, bordar. Ela é muito, muito, muito milagrosa, principalmente, com a visão. Em respeito, dia de hoje, tem que deixar liberar. Eu conheço muita gente que num borda, num costura. O meu esposo, dia de hoje não vai apanhar palma, já apanhou ontem, pra hoje num apanhar. Hoje é só pra dá ao gado, porque tem que dá comida, né? Mas, tem que apanhar ontem, hoje num bota carro de boi pra apanhar palma (MC, comunidade Linda Flor, 2015).

Para Rosendahl (2002), esta é uma particularidade do sagrado: à medida que é atraente, ele também é temido pelas pessoas. A relação entre o devoto e a divindade é marcada pela bem-aventurança, pela paz espiritual, mas ainda, pelo mistério e pelo imprevisível. Se a tradição determina preservar um costume em respeito ao sagrado, o recomendável é obedecer: o contrário pode desencadear situações inesperadas ou indesejadas, seja no espaço terreno ou transcendental. Na concepção de Claval (2001), os valores são estruturados por crenças e normas abstratas de comportamento, que estão sob o domínio da religião ou da metafísica.

Agraciados pelas benções de Santa Luzia, fiéis são convictos da necessidade de pagamento da promessa a partir da oferta ou do sacrifício prometido. As graças alcançadas, geralmente, são recompensadas com a doação de aves domesticadas (pato, peru, galinhas de capoeira), caprinos, ovinos e bovinos. A expressão cultural consiste na oferenda de animais com “olhos vivos”, uma alusão aos olhos que foram extraídos da santa. Conhecedor da tradição histórica de Santa Luzia, o sertanejo a adapta às condições e à realidade do seu meio e do seu cotidiano, retribuindo as graças alcançadas com o fruto do seu trabalho.

Os animais, juntamente com donativos (cestas básicas, bebidas, queijo, doces e utensílios domésticos) ofertados pela comunidade, são leiloados defronte à matriz (Foto 71). O leilão tem por finalidade adquirir recursos financeiros para custear a festa. Os prêmios são oferecidos pelo pregoeiro (leiloeiro) em meio a versos de rima e arrematados pelos participantes: fiéis e visitantes. Para além das festas religiosas, os leilões são organizados por famílias como um momento de lazer, sociabilidade e solidariedade entre amigos, haja vista que também têm como propósito ajudar famílias carentes, pessoas enfermas e na construção de estabelecimentos comunitários.

Assim como nas comemorações de santos padroeiros do município, a procissão do dia da santa é o marco central da festa (Foto 72). Todos exaltam louvores e agradecimentos à padroeira. Alguns vestidos de branco e/ou descalços seguem o cortejo junto ao andor como pagamento de promessa e símbolo de penitência pela cura dos males da visão.

Após a procissão, o encerramento da festa religiosa é realizado com missa campal e seguida pelos estouros de fogos de artifício. Famílias, amigos e visitantes finalizam as comemorações em bares e no clube comunitário, onde ocorrem serestas e a apresentação de músicos locais e regionais.

Em meio a simbologias de fé religiosa e paganismos, o homem do Sertão reforça a sua identidade e legitima ruralidades do território. A resistência de costumes e tradições no campo, diante das constantes transformações técnicas e socioprodutivas, reforça a sua condição heterogênea, multidimensional e multiterritorial (SAQUET, 2009; 2011). Esses processos refletem a hibridização de ações e objetos nos territórios rurais e urbanos, na medida em que também refutam os postulados que defendem a supremacia de relações meramente produtivistas e a fragmentação de cimentos sociais e culturais historicamente territorializados.

Foto 71 – Leilão na Festa de Santa Luzia,