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Se o lar e as inúmeras minúcias a respeito de uma domesticidade “perfeita” era a prisão das mulheres até a segunda onda do feminismo, entre 1970 e 1990, hoje é o Mito da Beleza que encarcera as mulheres, despossuindo-as de liberdade, prazer e poder. Como um deslocamento que se mostra sem vexame, a coerção social que antes era exercida pela Mística Feminina - como a nominou Betty Friedan na sua obra clássica de 1963 -; ou seja, pelos mitos da maternidade, domesticidade e passividade que foram lentamente esvaziados do sentido de verdade absoluta; é uma coerção que se organiza agora na conexão das mulheres com suas aparências. “À medida que as mulheres se liberaram da mística feminina da domesticidade, o mito da beleza invadiu esse terreno perdido, expandindo-se enquanto a mística definhava, para assumir sua tarefa de controle social” (WOLF, 1992, p. 12-13). Das mulheres foi retirada uma sensação de controle que brevemente haviam experimentado como resultado dessa segunda onda do feminismo, sendo a primeira entre 1830 e 1910. As indústrias das dietas e dos cosméticos rapidamente ocuparam o lugar ainda quente que havia sido deixado pelas empresas de produtos para o lar e funcionando como “novos censores culturais do espaço intelectual das mulheres”, apresentaram as modelos jovens e magérrimas - constituindo um ideal quase rigorosamente inatingível - como parâmetro da “feminilidade bem- sucedida” (WOLF, 1992, p. 13), um modelo a ser copiado, que tomou o lugar da dona-de-casa eficiente e feliz.

As qualidade que um determinado período considera belas nas mulheres são apenas símbolos do comportamento feminino que aquele período julga ser desejável. O mito da beleza na realidade sempre determina o

comportamento, não a aparência […]. As mulheres mais velhas temem as

mais jovens, as jovens temem as velhas, e o mito da beleza mutila o curso da vida de todas. E o que é mais instigante, a nossa identidade deve ter como base a nossa ‘beleza’, de tal forma que permaneçamos vulneráveis à aprovação externa, trazendo nosso amor-próprio, esse órgão sensível e vital, exposto a todos (WOLF, 1992, p. 17, grifo nosso).

Wolf (1992) não deixa dúvidas de que o estabelecimento do Mito da Beleza é um evento de ordem política e econômica e não há nenhuma justificativa firme que a explique biológica ou historicamente e, em última instância, o Mito não tem relação com as mulheres, mas com as “instituições masculinas e ao poder institucional dos homens”, é consequência das necessidades da cultura, da economia e da estrutura de poder na qual essas mulheres e a cultura patriarcal estão inseridas, estrutura essa que contra-ataca sem piedade as mulheres em um âmbito insidioso e muito pessoal, uma repressão que obriga as mulheres a um trabalho diário, interminável, absorvente e exaustivo - o de manter-se jovem e magra para sempre, por exemplo - e que ocupa um lugar que precisou ser cedido às mulheres, como resultado de suas lutas por âmbitos mais justos política, econômica e ideologicamente. Mas o sistema é perverso. É como se dissesse: tudo bem, vocês podem trabalhar fora, tomar pílula e votar, mas eis um mundo feminino todo novo, com novas leis, sexualidade, economia e cultura. Esse novo mundo pode não parecer a princípio, mas quer “colonizar a consciência feminina” e é tão repressor quanto os que antes aniquilavam a experiência social, política e sexual das mulheres.

Nosso objetivo não é revisar toda a trajetória do feminismo, tampouco fazer um estudo feminista, para justificar nossa hipótese de que a beleza escraviza, bem como os comportamentos atrelados à ela, e de que o Mito da Beleza, com tudo que ele comporta, é peça central na construção do modelo de mulher - incluindo também os modelos de aparência - que nos mostram nas telas da TV e que não há, no contexto da cultura de massas, como escapar ilesa à ele, bem como à insistente associação entre feminilidade e beleza. “A ideia de que a beleza está para o feminino como a força está para o masculino, atravessa os séculos e as culturas” (SANT’ANNA, 1995, p.121). No entanto, acompanhamos a perspectiva de Escosteguy e Sifuentes (2011, p. 4) ao assumir que o entendimento do conceito de gênero “diz respeito a um constructo social, implicando existência de valores, regras, posturas, obrigações e deveres que expressam o que é ser homem ou ser mulher numa dada cultura ou sociedade”. Não é, pois, possível pensar em vilãs deixando de lado o fato de serem personagens femininas e personagens femininas em determinado momento histórico. Momento esse cujo discurso midiático e hegemônico ainda faz repousar em questões já bastante conhecidas o segredo da

pretensa felicidade das mulheres e de como devem ser seus modelos de aparência. Freire Filho e Leal ( 2015, p. 15), analisando reportagens publicadas nas revistas Época (2012) e Veja (2010) para o público feminino nos falam que os textos tem caráter prescritivo, definindo “modelos ideais de vida feliz e as regras a serem seguidas para a conquista da felicidade”, deixando de lado, naturalmente, qualquer possibilidade das mulheres seguirem seus próprios desejos, e definindo que a adequação aos padrões de beleza “aparece como essencial para a obtenção da felicidade”. Seguir seu próprio desejo pode ser muito mais difícil do que se imagina quando o olhar para os vínculos de dominação dá-se de modo pouco crítico, naturalizando tudo. Ainda que as próprias reportagens analisadas, e o discurso da mídia de algum modo, nos diga que é possível ser feliz e sentir-se mulher não obstante a heterogeneidade dos perfis femininos possíveis - e até apresentados, eventualmente, nas propagandas de hidratante e perfume, por exemplo - há uma “continuidade em relação aos ideais das revistas femininas da metade do século XX: o casamento e a maternidade são questões centrais para a felicidade” (FREIRE FILHO; LEAL, 2015, p. 14).

O discurso sobre a felicidade, a dona de casa feliz que mencionamos antes, figura destituída pelos argumentos da Mística Feminina, tem uma longa genealogia como nos explica Freire Filho e Leal. Foi o discurso da primeira onda do feminismo que afirmou a felicidade como um bem emocional e econômico. A dona de casa feliz e realizada, com sua casa limpa, organizada, crianças educadas e bem alimentadas era o oposto daquelas mulheres tristes e cheias de opiniões, temperamentais, que estavam no centro de uma imagem que trazia o caos doméstico - crianças desobedientes, roupas desalinhadas e maridos ausentes - como pano de fundo. Era o oposto também das feministas que pouco femininas e hostis eram também feias. “A felicidade era, portanto, mais do que uma emoção: representava uma performance que deveria ser realizada ininterruptamente” (FREIRE FILHO; LEAL, 2015, p. 9). A caricatura da Feminina Feia foi usada inicialmente para atacar o movimento das mulheres, para ridicularizá-las, ainda na primeira onda feminista. Wolf (1992, p. 23) relata que a conhecida sufragista norte-americana Lucy Stone era descrita pelos seus oponentes políticos, no século XIX, como uma "mulher grande e masculina, de botas e charuto, dizendo palavrões como um soldado” e nos diz que tal caricatura foi ressuscitada na segunda onda do feminismo, ao buscar “desmentir” a história de que as feministas eram feias. Desde então elogiadas em suas aparências, as feministas eram belas e estavam brigando por seus direitos. Ora, a atenção do movimento feminista a partir dos anos de 1970 foi focalizada já à partir da beleza e este é um enfoque “meticulosamente político”, afinal, quando a atenção é atraída para

suas características físicas, sejam as feministas muito bonitas ou muito feias, aquilo que elas tem a dizer esvazia-se, “o resultado líquido é impedir que as mulheres se identifiquem com as questões” (WOLF, 1992, p. 90). Efetivamente, a recuperação da caricatura da feminista feia,

que procurava penalizar as mulheres pelos seus atos públicos, prejudicando seu sentido de individualidade, tornou-se o paradigma de novos limites impostos às mulheres por toda parte. Depois do sucesso da segunda onda do movimento das mulheres, o mito da beleza foi aperfeiçoado de forma a frustrar o poder em todos os níveis na vida individual da mulher. […] Se quisermos nos livrar do peso morto em que mas uma vez transformaram nossa feminilidade, não é de eleições, grupos de pressão ou cartazes que vamos precisar primeiro, mas, sim, de uma nova forma de ver (WOLF, 1992, p. 23-24).

Foi, afinal, uma nova forma de ver que sujeitou as mulheres ao Mito da Beleza, nada que tenha mudado de modo prático em seus corpos, mas os olhares pousados sobre eles. Falando sobre a “descoberta” da celulite por volta de 1924, Vigarello (2006, p. 168) diz que a celulite nasce não dos corpos das mulheres, mas de um “efeito do olhar”, um tipo de “empecilho” que só um olhar muito curioso sobre o trabalho estético é capaz de identificar. A celulite - prima irmã da gordura localizada, a que é responsável pelo maior número de cirurgias estéticas realizadas no Brasil, a lipoaspiração (228 mil cirurgias feitas em 2013 ) - 50

nasce no início do século XX muito mais por uma mistura entre um tato que espremia e beliscava a pele e um olhar que a perscrutava, “uma maneira de usar os olhos e a mão, uma cultura de exame também, cotejando mais do que antes desnudamento e enfeamento. […] Da constatação medicinal às recomendações estéticas, a celulite se impõe com a seriedade de objetos cientificamente confirmados” (VIGARELLO, 2006, p. 168). Essa gordura indesejada e alojada sob a pele rapidamente inspirou as mais diversas práticas para eliminá-la. Nos últimos anos de 1930, nos conta Vigarello, a revista Vogue a identifica como “o inimigo público n. 1”, não obstante a gordura, como nos lembra Wolf (1992, p. 254) seja feminina, “ela é o meio e o regulador de características sexuais femininas”, e parte constituinte de seu organismo. Enquanto nos meninos a proporção de gordura e musculatura cai durante a puberdade, ela aumenta nas meninas, esse aumento “é o veículo para a maturação sexual e a fertilidade” das mulheres na fase adulta. Entre 20 e 40 anos, mulheres saudáveis podem ter até 23% de gordura no corpo, ao contrário dos 18% indicados aos homens na mesa faixa etária . 51

Mas o “percentual de gordura” é, hoje, algo que deve ser perseguido obsessivamente. As Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/saude/brasil-lidera-ranking-mundial-de-cirurgias-plasticas>. 50

Acesso em: 12 mar. 2016.

Dado disponível em POLLOCK, M.; WILMORE, J. Exercícios na Saúde e na Doença: avaliação e 51

“musas fitness” - mulheres que se dedicam à pesadas atividades físicas e dietas extremamente severas documentando toda sua rotina na rede social Instagram, baseada essencialmente na divulgação de imagens - possuem percentual de gordura abaixo de 10%. Bella Falconi, uma dessas “musas” que tem 2,3 milhões de seguidores no Instagram, sustentou por muito tempo 52

8% de percentual de gordura. Assustou-se quando percebeu a impossibilidade de engravidar submetendo o organismo a este nível de restrição. “Tive muito medo de não engravidar! Aliás, era um fantasma que dormia comigo todas as noite”, conta . Somente quando o percentual de 53

gordura passou para 14% a “musa” voltou a menstruar e conseguiu finalmente ser mãe. As dietas extremamente restritivas e o excesso de treino estavam matando a mulher capaz de ser mãe que havia nela.

Ser belas e felizes são as ambições das mulheres de ontem, mas essencialmente também das de hoje. A Mística Feminina que viu a violência para as mulheres na ideia de que a vida doméstica era natural e fonte de felicidade, hoje junta-se ao Mito da Beleza e fatores como ser bem-sucedida, ser uma líder na comunidade, profissional competente e respeitada somam-se às demandas já antigas e aparentemente ainda não gastas neste processo de submissão, controle e obediência femininas. As reportagens dos estudos de Freire Filho e Leal, que mencionamos antes, viam na infelicidade - que para os jornalistas e suas fontes parece ser um “problema feminino” - o que restaria contemporaneamente de desigualdade entre os gêneros e não os problemas que efetivamente acometem as relações de dominação entre homens e mulheres, como violência doméstica e sexual, feminicídio, diferenças salariais ou a repetida e já cansada divisão desigual das atribuições de responsabilidades com os filhos e com a casa entre homens e mulheres que vivem juntos, por exemplo. Para as reportagens, argumentam os autores, “sociedade e governo não teriam muito o que se preocupar com as mulheres no que diz respeito a essas questões sociais mais amplas” (FREIRE FILHO; LEAL, 2015, p. 13). Ou seja, o que está no centro da questão são as “emoções e aspectos psicológicos individuais para a vida política e social na contemporaneidade, sendo a felicidade uma das mais primordiais” (FREIRE FILHO; LEAL, 2015, p. 13). A felicidade é um imperativo, que começa a ganhar fôlego a partir dos anos de 1950, quando o consumo de produtos de beleza passa também a poder influenciar o psiquismo de cada mulher, fazendo com que ficasse “não somente mais bela, como também mais feliz e satisfeita com ela

Dados coletados em 12 mar. 2016. Este número pode rapidamente ser alterado 52

Disponível em:<http://extra.globo.com/mulher/corpo/bella-falconi-confessa-que-tinha-baixissimo-percentual- 53

mesma” (SANT’ANNA, 1995, p. 128). A felicidade é, hoje, um “projeto de engenharia individual” e as questões centrais para as mulheres serem felizes continuam sendo, nesta fala midiática, o casamento e a maternidade. Só que a felicidade, Friedan nos mostrou, pode ser apenas uma justificativa para a opressão, a dona de casa feliz é uma dessas imagens que ajudam a fomentar “técnicas de opressão e de violência em nome de um pacto social que privilegia o direito de alguns subjugando o de outros” (FREIRE FILHO; LEAL, 2015, p. 18). A mulher contemporânea, violentada pelo Mito da Beleza, passa a ver na “alta performance” em todas as esferas, dentro e fora do lar, a imagem síntese da mulher de hoje, da mulher poderosa. Para uma vida feliz, a mulher é convocada a equilibrar o sucesso tanto na domesticidade quanto no mundo do trabalho.

A naturalização do modelo predominante de felicidade proposto pela sociedade como parte de uma essência da feminilidade persiste: se em 1950 o casamento era visto como um desejo natural, hoje, falhar no equilíbrio (na verdade na alta performance) em todas essas áreas é também fracassar como mulher (FREIRE FILHO; LEAL, 2015, p. 19).

Entretanto, os homens não são os inimigos, nem os algozes, e podem ser, até, vítimas. O Mito da Beleza, elaborado para manter as mulheres no cativeiro assim que a “enjoativa ficção doméstica da ‘família reunida’ perdeu seu sentido, e as mulheres da classe média saíram em massa de dentro de casa” (WOLF, 1992, p. 19), tem suas explicações no campo político e econômico. O que o Mito faz às mulheres é uma consequência de necessidades “da cultura, da economia e da estrutura do poder contemporânea de criar uma contra-ofensiva contra as mulheres” (WOLF, 1992, p. 16). O poder dado às mulheres pelas duas ondas feministas é um poder de liberdade que traz tantas mudanças e transformações que a força oposta a isso é uma produção incessante de imagens de como deve ser uma mulher - até para ser considerada uma mulher de verdade, uma mulher feminina - um acúmulo de imagens e prescrições comportamentais que deixa ver, a quem consegue pensar politicamente a questão, uma “alucinação coletiva reacionária” que vem de homens, mas também de mulheres, completamente perdidos diante da velocidade com que as relações entre os sexos se transfiguram. A questão da relação entre os gêneros, entre os dois pólos desta relação de poder e dominação deve ser pensada, adverte Mattos (2006, p. 154) justamente a partir de um aspecto “relacional”, ou seja, “dominação, opressão, instrumentalização, engano, ilusões, fazem parte do jogo ‘jogado’ tanto por homens quanto por mulheres”. Voltaremos a isso.

Mas uma breve observação empírica do “mercado das aparências” fomentado pela cultura de massa nos mostra que a possibilidade vislumbrada por Wolf no início dos anos

1990 está plenamente estabelecida. A autora dizia que naquele momento, há pouco, os anunciantes haviam percebido que o “enfraquecimento da confiança sexual funciona seja qual for o sexo do consumidor” (WOLF, 1992, p. 385) e o estabelecimento de um Mito da Beleza para os homens poderia, inclusive, ser mais prejudicial à eles do que foi às mulheres, já que eles têm mais facilidade para “se separarem dos seus corpos” e para entrar em competição uns contra os outros, competição esta que sabemos pelo funcionamento do Mito com as mulheres, é instilada com o objetivo de “separar para conquistar”. Enquanto estiverem em disputas uma contra as outras em nome da beleza, as mulheres jamais conseguirão ouvir umas às outras e se unir politicamente. Ora, os homens naquele momento estavam sendo vistos como um “mercado virgem a abrir as suas portas do ódio de si mesmos” (WOLF, 1992, p. 385) e estas imagens de como um homem devem ser começaram a dizer à eles “verdades” um tanto mentirosas de como as mulheres os vêem e como podem os desejar. Bem, os homens já realizaram essa tarefa aflitiva, já escancararam as portas do ódio contra si mesmos e as imagens do corpo de homem “ideal” é visto cotidianamente nas televisões, páginas de revistas e outdoors do perfume recém-lançado. Tão difundido que não é necessário descrevê-lo aqui, mas para que não restem dúvidas de qualquer natureza: o corpo masculino (e másculo, viril e potente) é um corpo musculoso, minuciosamente e penosamente trabalhado nos novos templos da expiação dos pecados da carne: as academias. Analisando as práticas dos body- builders, essencialmente praticados pelos homens até aquele momento, Courtine (1995) nos fala da beleza como um capital e da força como um investimento. Mas nos fala também de outra coisa, de como o frenesi muscular que tomou conta dos homens tem relação com a ascensão de um outro poder, o feminino que emergia finalmente depois da primeira onda do feminismo.

Nessa “super-virilização” da aparência masculina, como não ver ainda o

resultado de uma outra inquietação, aquela que se manifestou desde a virada do século, em relação ao lugar que as mulheres se preparavam para ocupar na sociedade americana? No imaginário masculino

confrontado com a redefinição dos papéis específicos dos dois sexos o body- bulding testemunha um sentimento de perda da potência viril. O estufamento contínuo da imagem “ideal” do corpo masculino é uma inflação fálica: uma resposta, de ordem mimética, à ameaça pela ameaça. Mas é também o trabalho de luto negado, a nostalgia travestida de uma representação bastante antiga da potência masculina (COURTINE, 1995, p. 104, grifo nosso).

Mas o segundo movimento do feminismo também fez com que o tema do andrógino agradasse, um “masculino-feminino” que fosse chic, elegante. “As descrições do corpo feminino puderam passar a borracha nas formas muito ‘sexuais’ durante o último terço do

século, acentuar o retraimento dos quadris, cultivar a discrição do busto e, sobretudo, o que é mais original, exibir uma evidente densidade muscular” (VIGARELLO, 2006, p. 176). Sem dúvida é um movimento que abre as portas para a exibição imagética sem proporções das mulheres que falamos antes, com 8% de gordura corporal, que fartando nosso olhar com músculos, apresentam um corpo contido, magro, musculoso e com tão pouca gordura que já nem menstruam ou engravidam. Mas a chegada do Mito da Beleza ao universo masculino produziu uma beleza que não mais definiria o gênero, já que poderia ser cultivada e reivindicada por ambos os sexos, emancipou-se da dualidade “força” ou “fraqueza” para tornar-se “beleza ilimitada”. O Mito adentra também a publicidade voltada para os homens, com um discurso que privilegia a estética e os cuidados com o corpo. Cria-se, naturalmente, um mercado. Ou é por ele que a “beleza e o bem-estar masculinos” são criados. “A verdadeira mudança, é preciso repetir, está no interresse progressivamente partilhado pelos cuidados de ‘beleza’: ‘os homens descobrem a noção de capital estético. Devem doravante sustentá-lo, valorizá-lo’” (VIGARELLO, 2006, p. 178). E este mercado, tal como o Mito voltado às mulheres deixou a lição de herança, atesta um “verdadeiro culto ao corpo”. E ainda que esta beleza masculina esteja associada à “rudeza da performance”, a observação dessa mudança, insiste Vigarello (2006) precisa ser associada à presença gay. Uma conquista de direitos que foi seguida por uma conquista cultural, um modo de dar-se a ver que não é possível ser ignorado, tampouco pode ser apenas tolerado, e ainda que certamente preconceitos e violências não possam ser considerados ignorâncias já datadas, o “direito” de ser diferente dos outros ganha terreno, e não apenas para os gays. A necessidade de recusar os clichês transcendendo a questão do gênero, vai aparecer nas páginas das revistas, por exemplo, “renovando o imaginário dos portes e dos traços”. Segundo Vigarello (2006, p. 179), “a cultura gay facilitou esse jogo com as referências: liberdade de agir dada aos homens, variedade de gestuais e de perfis, mesmo se ‘toda a cultura’ não se tornasse ‘homossexualizada’”. A ideia da beleza como uma obrigação da qual dificilmente consegue-se