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2.2 O município de Belford Roxo

2.2.5 Belford Roxo, uma cidade dormitório?

A invisibilidade dos pobres foi sempre um objetivo a ser alcançado no projeto de modernização do Brasil, instaurado no inicio do século passado. E as políticas urbanas cumpriram muito bem a função de garantir a invisibilidade por meio da distância geográfica. “Urbanizar, ordenar, regular ou "limpar” os centros urbanos foram, e continuam sendo, ações de redirecionamento daqueles que estão “fora do lugar” (LAGO, 2007, p. 279)”.

O termo “cidade-dormitório” é caracterizado pela existência de um importante contingente populacional, economicamente ativo, trabalhando fora do município os quais residem. São cidades que tiveram um crescimento populacional acentuado em relação ao seu crescimento econômico e/ ou à expansão do seu mercado de trabalho. Diferentemente da

conotação pejorativa que definem e caracterizam o termo cidade-dormitório na literatura brasileira, as noções correspondentes à cidade-dormitório na bibliografia internacional são vistas de forma menos pessimista e comumente, estão associadas ao processo de (sub) urbanização das classes médias (OJIMA et al., 2010). As cidades-dormitório podem também abrigar populações com condições socioeconômicas favoráveis e que usufruem de ótima infraestrutura urbana, com fácil mobilidade para desempenhar suas atividades cotidianas (como trabalho, estudo ou lazer) em outra cidade, originando os fluxos de deslocamento pendular (OJIMA et al., 2007). “Essa modalidade é normalmente denominada “deslocamento pendular”, porque se considera que trabalhar ou estudar em municípios distintos produz esse movimento de regularidade cotidiana” (OJIMA et al., 2007, p. 115).

Segundo Ojima et al. (2010), o perfil socioeconômico e de desenvolvimento urbano de uma cidade-dormitório varia entre os extremos das condições de desenvolvimento humano. Por um lado, as cidades-dormitórios podem sofrer com a existência de precárias condições de moradia e exposição a riscos ambientais, com limitado acesso a infraestrutura e serviços públicos – como educação, saneamento e transporte público, baixos níveis de renda associados à baixa escolaridade e escassas oportunidades de trabalho. Por outro lado, as cidades-dormitório podem abrigar populações com boas condições socioeconômicas e que usufruem de excelente infraestrutura urbana e fácil mobilidade (OJIMA et al., 2010), como é o caso de Valinhos, localizado na Região Metropolitana de Campinas, e que possui um novo padrão de dispersão da população metropolitana, fugindo completamente, das características, motivações e impactos, dos moldes até então observados (CUNHA; MIGLIORANZA, 2006). O elemento fundamental que define “cidade-dormitório” nesses dois polos é o mesmo: “áreas residenciais com elevada proporção de pessoas que realizam suas atividades cotidianas (trabalho, estudo ou lazer) em outra cidade, geralmente na sede metropolitana, originando os fluxos de deslocamento pendular” (OJIMA et al., 2010, p. 396).

No Brasil, a noção de cidade-dormitório está associada aos processos de marginalização e periferização da pobreza nos contextos de expansão metropolitana (OJIMA et al., 2010). O estereótipo de cidade-dormitório surge diante da incapacidade da cidade gerar empregos ou ainda, das condições de uso dos serviços de saúde, lazer e educação, levando à sua população a buscar tais serviços em outra localidade, voltado para sua residência apenas para dormir (PINTO, 2009).

São vários os fatores apontados como causa do surgimento das cidades-dormitório. Dentre eles, os processos de conurbaçao e metropolização marcados pela expansão urbana de áreas com baixo dinamismo econômico e elevado crescimento populacional, ocupadas por

população de baixa renda, residente em assentamentos precários e com nítida dependência econômica de um polo regional (OJIMA et al., 2010). “Há uma associação quase que imediata do processo de metropolização ao surgimento das cidades-dormitório baseado no modelo dicotômico centro-periferia” (OJIMA et al., 2010, p. 398). Para Pinto (2009), a condição de cidade-dormitório é comum especialmente nas áreas metropolitanas polarizadas pelas capitais que concentram grande oferta de serviço e emprego.

O processo de urbanização e metropolização ocorrido no Brasil reforçou a especulação imobiliária que destinou às classes sociais mais pobres conjuntos habitacionais longe das metrópoles, garantindo, dessa forma, a valorização de áreas intermediárias que, por sua vez, foram destinadas a classe socioeconômica mais privilegiada. Esse processo contribuiu para o estabelecimento da distância física e distância social desta população, tornando proibitiva a vivência normal da população de baixa renda no município principal, salvo na condição de marginais, em favelas ou cortiços (CANO, 1988).

A periferização dos assentamentos humanos e dos industriais e a especulação imprimiram importantes modificações nos processos de urbanização. A principal foi o surgimento da conurbaçao e da subsequente metropolização, fazendo surgir inclusive às chamadas “cidades-dormitórios”, dando um caráter de maior complexidade institucional à urbanização (CANO, 1988, p. 90).

O processo de urbanização da Baixada Fluminense não foi diferente. A cidade do Rio de Janeiro necessitava de áreas próximas que pudessem viabilizar sua expansão, uma vez em que o processo de favelização, já em 1940, não atendia, quantitativamente e qualitativamente, a demanda de habitação por parte da população mais pobre (SIMÕES, 2006). Ainda de acordo com o autor, os loteamentos no núcleo da capital também se tornaram inviáveis diante do aumento de custos que não pôde ser absorvido pela população pobre, impedindo sua aquisição. No inicio do século XX, o grande capital se deslocou para incorporação e produção de apartamentos destinados às classes média e alta na Zona Sul, Tijuca e nos subúrbios mais próximos do centro (SIMÕES, 2006). Diante da indisponibilidade de parcelamento de terras nos distritos mais próximos à cidade do Rio de Janeiro e tendo a última barreira, que impedia o processo de urbanização na Baixada Fluminense, rompida após o término do ciclo da laranja (SOARES, 1960), Nova Iguaçu e região tornaram-se o cenário ideal para o processo de expansão que a cidade do Rio de Janeiro necessitava (SIMÕES, 2006).

Com terrenos baratos e serviços de transporte estruturados, a Baixada passou a abrigar a população de trabalhadores que para a capital afluía, atraídos pela expansão do mercado de trabalho (SOARES, 1960). “(...) sua ocupação real está em relação com a maior proximidade

da massa urbana da metrópole, com a vizinhança das estações de estrada de ferro ou ainda com as rodovias secundárias que a elas vêm ter” (SOARES, 1960, p. 173).

A saída encontrada pela Baixada Fluminense para superar a crise provocada pela decadência da laranja foi o processo de industrialização e com ele novas áreas foram sendo ocupadas e beneficiadas pela abertura da Rodovia Presidente Dutra, ligando as duas maiores economias do país: Rio de Janeiro e São Paulo (RODRIGUES, 2005). Alguns municípios assumem o papel de centro industrial e centro dormitório da população, como Nova Iguaçu e Duque de Caxias. “É a partir desse processo que a Baixada Fluminense passa a exercer papel de periferia do crescimento metropolitano impulsionado pela cidade do Rio de Janeiro” (RODRIGUES, 2014, p. 71).

Segundo Ojima et al. (2010), uma das formas de obter empiricamente a dinâmica populacional que configura as cidades-dormitório é a utilização da informação disponível no Censo Demográfico24 que registra o município em que a pessoa trabalha ou estuda. Dessa forma, torna-se possível captar a mobilidade em um contexto regional, quando o município de residência é diferente do informado como local de trabalho ou estudo. Segundo o Censo Demográfico (IBGE, 2010), as pesquisas sobre o deslocamento pendular são fundamentais para as atividades de planejamento em níveis local e regional, uma vez em que fornecem indicadores sobre integração funcional entre diferentes localidades. Além de facilitar a racionalização dos sistemas de transporte, em teoria, permite melhorar a qualidade de vida das populações, pela redução dos custos de transporte, do tempo gasto nos deslocamentos, entre outros.

A figura 15 representa a intensidade dos deslocamentos para trabalho e estudo na concentração urbana dos municípios do Rio de Janeiro cuja intensidade dos deslocamentos está representada pelo maior valor, relativo, absoluto ou ambos, quando for o caso (IBGE, 2010).

24 Com abrangência territorial nacional, os censos demográficos são realizados decenalmente pela Fundação IBGE.

Intensidade dos deslocamentos para trabalho e estudo na Concentração Urbana do Rio de Janeiro/RJ

Figura 15 – Intensidade dos deslocamentos para trabalho e estudo na Concentração Urbana do Rio de Janeiro/RJ

Fonte: Censo Demográfico 2010 (https://portaldemapas.ibge.gov.br/portal.php#mapa206133), acessado em

14/02/2018.

Nota-se que o contingente populacional do município de Belford Roxo que faz o deslocamento pendular para a cidade do Rio de Janeiro é expressivo. Há registro ainda de deslocamento pendular de Belford Roxo para os municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São João de Meriti, na ordem de 10.000 a 39.999 pessoas (IBGE, 2010). Ao considerar a população estimada de Belford Roxo, 495.783 pessoas; Nova Iguaçu, 798.647 pessoas; Duque de Caxias, 890.997 pessoas; e 460.461 pessoas, em São João de Meriti que possui uma densidade demográfica de 13.024,56 hab./km², observa-se que o deslocamento pendular de Belford Roxo, seja para trabalho ou estudo, é representativo especialmente quando comparado com outros municípios da Baixada Fluminense (tabela 09).

Fluxos de deslocamentos entre municípios de arranjos populacionais com mais de 2.500.000 habitantes, com percentual de deslocamento para estudo superior a 30% - ano 2010.

Município A Município B Arranjos

Populacionais

Pessoas que trabalham e estudam na ligação

Percentual, por motivo do deslocamento (%)

Trabalho e estudo

Trabalho Estudo

Belford Roxo Nova Iguaçu Rio de Janeiro/ RJ 23.453 2,3 60,9 36,8 Duque de

Caxias

São João de

Meriti Rio de Janeiro/ RJ 21.398 2,6 61,4 36,0

Olinda Paulista Recife/ PE 20.566 1,8 65,0 33,1

Belford Roxo Duque de

Caxias Rio de Janeiro/ RJ 19.570 2,1 65,2 32,6 Mesquita Nova Iguaçu Rio de Janeiro/ RJ 13.512 1,8 61,4 36,8 Duque de

Caxias Magé Rio de Janeiro/ RJ 11.260 1,6 67,2 31,1

Porto Alegre São Leopoldo Porto Alegre/ RS 10.671 3,0 65,3 31,7

Tabela 09 – Fluxos de deslocamentos entre municípios de arranjos populacionais com mais de 2.500.000

habitantes, com percentual de deslocamento para estudo superior a 30% - ano 2010.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.

De acordo com o IBGE (2016), as duas maiores concentrações urbanas do país, Rio de Janeiro e São Paulo, apresentam deslocamentos, para trabalho e estudo, em um patamar acima de 1 (um) milhão de pessoas. São Paulo/ SP possui um total de 1.801.878 pessoas deslocando- se entre municípios, com 506 ligações. Já Rio de Janeiro/ RJ, possui 1.092.510 pessoas e 182 ligações. As maiores são registradas em São Paulo/ SP, entre os Municípios de Guarulhos e São Paulo, e entre Osasco e São Paulo. No Rio de Janeiro/ RJ, destacam-se as ligações entre Niterói e São Gonçalo, Duque de Caxias e Rio de Janeiro e entre Nova Iguaçu e Rio de Janeiro (Tabela 10).

Fluxos de deslocamentos para trabalho e estudo, acima de 50.000 pessoas, entre municípios dentro das Grandes Concentrações Urbanas de São Paulo/SP e Rio de Janeiro/RJ – 2010.

Município A Município B Arranjos Populacionais Pessoas que trabalham e

estudam na ligação

Guarulhos São Paulo São Paulo/ SP 147.757

Niterói São Gonçalo Rio de Janeiro/ RJ 121.419

Duque de Caxias Rio de Janeiro Rio de Janeiro/ RJ 119.599

Osasco São Paulo São Paulo/ SP 114.289

Nova Iguaçu Rio de Janeiro Rio de Janeiro/ RJ 110.846

Rio de Janeiro São João de Meriti Rio de Janeiro/ RJ 85.875

São Bernardo do Campo São Paulo São Paulo/ SP 84.168

Niterói Rio de Janeiro Rio de Janeiro/ RJ 75.835

Santo André São Bernardo do Campo São Paulo/ SP 71.535

Belford Roxo Rio de Janeiro Rio de Janeiro/ RJ 70.659

São Paulo Taboão da Serra São Paulo/ SP 67.733

Diadema São Paulo São Paulo/ SP 61.375

Diadema São Bernardo do Campo São Paulo/ SP 54.062

Embu São Paulo São Paulo/ SP 50.642

Tabela 10 – Fluxos de deslocamentos para trabalho e estudo, acima de 50 000 pessoas, entre municípios dentro

das Grandes Concentrações Urbanas de São Paulo/SP e Rio de Janeiro/RJ – 2010.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.

Para Oliveira et al. (2011), os movimentos pendulares da população estão diretamente relacionados às condições de desenvolvimento socioeconômico e aos mecanismos da reestruturação produtiva, responsáveis por novas formas de trabalho e de mobilidade ou imobilidade espacial da população. Uma análise da natureza dos deslocamentos de Belford Roxo permite perceber que os fluxos mais importantes são para trabalho, o que pode refletir uma desigual distribuição dos serviços entre os municípios da concentração urbana, especialmente na Baixada Fluminense.