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Evolução histórica, econômica, política e social do município de BFR e da BF

BFR é um jovem município localizado na periferia metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, caracterizado desde sempre como uma cidade dormitório, com baixos índices de desenvolvimento socioeconômico. Esta categoria foi escolhida por apresentar uma visão geral dos entrevistados em relação aos aspectos relacionados à evolução histórica, econômica, política e social do município, especialmente após o período de emancipação e da própria BF.

No quadro 05, estão indicados trechos dos discursos presentes nas entrevistas realizadas, selecionados por melhor representarem a ideia principal apresentada pelos entrevistados em relação a presente categoria.

Amostras relevantes para as análises sobre a evolução histórica, econômica, política e social do município de BFR e da BF.

E5 “Historicamente tudo o que diz respeito ao crescimento político administrativo desse lugar, veio da classe média, da burguesia. Desde 1930, teve aqui a criação de uma classe média, juntamente com o ciclo da laranja, da fruticultura na região da Baixada Fluminense. Antes havia um interesse de se fazer um cinturão verde ao redor do município do Rio de Janeiro. Então houve a vinda de um grupo de imigrantes: eram portugueses, turcos, espanhóis, italianos. E eles criaram um centro ali ao redor da Praça Getúlio Vargas, da Eleaquim Batista. Eles foram criando um comércio variado. E aí começaram a criar clubes, cinemas. Nós éramos um pedaço do primeiro distrito da sede de Nova Iguaçu. Só em 1938 que passamos a ser o nono distrito. Essas pessoas se uniram muito nesse momento, até porque eles vinham de vários lugares e daí elas tinham uma rede de sociabilidade. Sabiam que uns dependiam dos outros para que as coisas acontecessem. Um precisava comprar do outro, um precisava consumir do outro, para todo mundo poder ter sucesso. Havia sim um sentido coletivo. Houve uma expansão da classe média muito significativa nesse momento, até que chegamos ao quarto distrito. Na década de 80 tínhamos aqui muito mais do que hoje nós temos, uma associação comercial muito forte. Nós tínhamos empresários que, apesar de poucas empresas, agiam muito mais em conjunto. Havia uma liderança”.

E6 “A população da Baixada é desassistida, acho que hoje ainda é. Quanto mais você volta para o passado é mais fácil perceber isso: que ela é desassistida de, digamos, uma atenção do poder público. Enquanto essa população ocupava a região na década de 50, 60 ficavam muito evidente na não preocupação. Ninguém tinha nenhuma preocupação com, por exemplo, saneamento básico, fornecimento de serviços mais básicos ainda que saneamento, como saúde, educação pra população. Essa população começou se virar, ela começou a ela mesma resolver os seus problemas. Isso ia, por exemplo, desde conseguir resolver coisas como saneamento básico, que não existia... como é que sairia das casas o esgoto? A solução, na década de 70, 60, são as famosas valas negras. A imprensa verificava isso como uma coisa muito caótica, mas pra população da Baixada, isso não era caótico, era uma solução que ela conseguia ter perante a inexistência de qualquer preocupação pública. Então ela começava a fazer valas e alguém começava a organizar como é que seria essa vala, podia passar no quintal do outro, por exemplo, então várias regras são estabelecidas. Lixo, por exemplo, não tem... nunca existiu... eu me lembro. Eu cresci... nasci e cresci na Baixada, eu já era adulto quando começou a ter recolhimento de lixo ali em Nova Iguaçu nas periferias, porque eu vivi em periferia”.

E7 “A Fazenda do Iguaçu era a mais importante produtora de açúcar do Mosteiro de São Bento. Conceição do Rio de Janeiro foi construída com recursos das fazendas da Ordem. A Ordem não tinha só a Fazenda do Iguaçu, ela tinha terras em Raiz da Serra, Inhomirim, Saracuruna, Ilha do Governador, depois Maricá, Niterói, Cabo Frio, Campos de Goitacazes. Coisa impressionante... E os beneditinos, no caso da nossa fazenda, eles ficaram aqui até 1922, então depois eles fizeram produção de arroz, sempre tiveram hortaliça, gado, criação de gado, telhas, tijolos, anil, cal, uma produção intensa. Depois vieram as carvoarias no século 19. Com as carvoarias, nós vamos começar a ver uma degradação ambiental maior porque vem um desmatamento muito brutal para a fabricação de carvão. A Baixada vira quase uma carvoaria. Então quando a gente pensa, por exemplo, na questão da laranja, que começa uma produção já no final do século 19, nem toda a Baixada foi só laranja. E mesmo no caso da Fazenda do Iguaçu, que tinha produção de laranja, não era uma produção tão larga porque ela tinha outras atividades produtivas, inclusive mineradora e cerâmica. E as próprias carvoarias, que era algo rentável porque o carvão era o petróleo da época. Nova Iguaçu tinha produção de laranjas de uma forma mais intensa, quase como monocultura, mas você não tem esse quadro pra toda a Baixada. A Fazenda do Brejo, por exemplo, em Belford Roxo, ela tinha uma produção que não era só de laranja. Pensar que a história da Baixada é laranja e depois loteamento, é pouco, porque é um território muito grande...”.

Quadro 05 – Amostras relevantes para as análises sobre a evolução histórica, econômica, política e social do

município de BFR e da BF.

Ao entrevistado E5, foi direcionada a questão relacionada aos impactos da emancipação para o município de BFR, considerando investimentos públicos, privados, participação política, grupos dominantes, segurança pública, entre outros que julgasse de maior relevância ao estudo. A partir da ACD, é possível verificar que o entrevistado está produzindo uma história por meio do diálogo (FAIRCLOUGH, 2001): “Historicamente tudo o que diz respeito ao crescimento político administrativo desse lugar, veio da classe média, da burguesia”. Parte da produção do discurso resgata a memória de uma época vivida: “Nós éramos um pedaço do primeiro distrito da sede de Nova Iguaçu. Só em 38 que a gente passou a ser o nono distrito”. Para Orlandi (2005), a memória, quando pensada em relação ao discurso, deve ser tratada como interdiscurso41.

Aos entrevistados E6 e E7, foram dirigidas questões relacionadas ao desenvolvimento socioeconômico da BF, influenciado por três grandes ciclos econômicos: o ciclo da cana-de-açúcar, do café e o ciclo da laranja – sendo este último considerado o responsável pelo desenvolvimento acelerado da região (RODRIGUES, 2014; SIMÕES, 2006); assim como a transformação da terra agrícola em área urbana (SIMÕES, 2006).

A população da Baixada é desassistida, acho que hoje ainda é. Quanto mais você volta para o passado é mais fácil perceber isso: que ela é desassistida de, digamos, uma atenção do poder público. Enquanto essa população ocupava a região na década de 50, 60 ficavam muito evidente na não preocupação. Ninguém tinha nenhuma preocupação com, por exemplo, saneamento básico, fornecimento de serviços mais básicos ainda que saneamento, como saúde, educação pra população (ENTREVISTADO E6, 2018).

Ao referir-se ao desenvolvimento socioeconômico da BF, a linguagem do entrevistado E6 é construída a partir do processo parafrásico, caracterizado pelo dizível a memória, ou seja, em todo dizer há sempre algo que se mantém (ORLANDI, 2005). Neste caso, o total e completo descaso do poder público para com a população da BF.

Ainda na fala do entrevistado E6, é possível observar fragmentos de modalidade42 objetiva: “Lixo, por exemplo, não tem... nunca existiu... eu me lembro, né? Eu cresci... nasci e cresci na Baixada, eu já era adulto quando começou a ter recolhimento de lixo ali em Nova

41 O interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos (ORLANDI, 2005).

42 A modalidade é compreendida como um ponto de intersecção no discurso, entre a significação da realidade e a representação das relações sociais, ou entre as funções ideacional e interpessoal da linguagem. Na modalidade, existe um comprometimento daquele que fala com suas proposições (FAIRCLOUGH, 2001). A modalidade pode ser subjetiva, no sentido de que a base subjetiva para o grau de afinidade selecionado com uma proposição pode ser explicitado: “penso /suspeito/ duvido que a terra seja plana”; ou objetiva, onde a base subjetiva está implícita: “a terra pode ser/ é provavelmente plana” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 200).

Iguaçu nas periferias, porque eu vivi em periferia”. Na modalidade objetiva, aquele que fala projeta seu próprio ponto de vista como universal (FAIRCLOUGH, 2001).

Já o discurso do entrevistado E7, foi (re) significado a partir da ruptura do processo de produção da linguagem, ao introduzir um elemento novo no contexto socioeconômico da BF: as carvoarias.

Então quando a gente pensa, por exemplo, na questão da laranja, que começa uma produção já no final do século 19, nem toda a Baixada foi só laranja. E mesmo no caso da Fazenda do Iguaçu, que tinha produção de laranja, não era uma produção tão larga porque ela tinha outras atividades produtivas, inclusive mineradora e cerâmica. E as próprias carvoarias, que era algo rentável porque o carvão era o petróleo da época (ENTREVISTADO E7, 2018).

A este processo, Orlandi (2005) atribuiu o nome de polissemia. Uma “(...) ruptura do processo de produção da linguagem, pelo deslocamento das regras, fazendo intervir o diferente, produzindo movimentos que afetam os sujeitos e os sentidos na sua relação com a história e com a língua” (ORLANDI, 2005, p. 34).

Coube ao entrevistado E7 atribuir um novo elemento a evolução histórica da BF e do próprio município de BFR: as carvoarias. “(...) uma coisa bastante surpreendente é que no caso das carvoarias, elas não foram o grande negócio só no século 19, mas até meado do século, praticamente... eu ouso dizer que a grande produção, por exemplo, de Belford Roxo, Caxias, eram as carvoarias e o negócio de madeira. Ainda hoje existem várias madeireiras na Washington Luiz”. Para o entrevistado E7, as carvoarias provocaram um brutal desmatamento da Mata Atlântica e da reserva que existia antes do ciclo cafeeiro.

Ao longo da revisão bibliográfica, tornou-se evidente o potencial econômico e o relevante papel da Baixada Fluminense na economia da cidade do Rio de Janeiro – desde os tempos de Império. Contudo, o Estado exerceu (e ainda exerce) forte influência no atual desenho da BF, seja na área da Saúde, Educação ou Segurança Pública. Para o entrevistado E2, existe um notório abismo que separa a capital do Estado da Baixada Fluminense: “(...) você vê isso por meio dos incentivos: o que acontece no hospital público da Baixada Fluminense e no hospital público do Rio. Na Baixada Fluminense as coisas são muito mais lentas e não existe uma preocupação do Governo do Estado com o todo. E com isso, claro, a violência aumenta”. E acrescenta, “Num passado recente todas as pessoas que estavam à margem da criminalidade eram oriundas do município e existia certo respeito, porque tinham participado de projetos sociais, de instituições patrocinadas pela iniciativa privada (...). Hoje a criminalidade da Baixada Fluminense basicamente é das pessoas que migraram da cidade do Rio de Janeiro pra cá, que não têm nenhuma referência com ninguém da população, o que

mostra a falta de preocupação do governo do estado do Rio de Janeiro com a Baixada Fluminense”. Observa-se que ainda hoje, cabe aos municípios da Baixada receber a massa populacional excluída do estado da Guanabara.