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Benefícios da junção de Ontologias com a FrameNet

No documento alexandramoreira (páginas 105-111)

4 FUNDAMENTOS COMPUTACIONAIS ADOTADOS

4.6 Benefícios da junção de Ontologias com a FrameNet

A semântica de frames e sua correspondente implementação na forma da FrameNet é uma importante contribuição para o entendimento da linguagem natural.

Existem, entretanto, alguns espaços para avanços. No uso da FrameNet para extração de informação, como determinar qual frame deve ser evocado? Como gerar novos frames, a partir de frames previamente estabelecidos? Como usar os frames para a descrição dos mapeamentos entre domínios, como no caso das metáforas? Que outras ligações semânticas existem entre os elementos de frames?

Um frame descreve uma cena conforme o nível conceitual segundo o qual se pode entender o significado de um item lexical, mas existem conhecimentos que podem ser agregados à FrameNet para ampliar sua aplicação. Para definirmos que conhecimento pode ser agregado à FrameNet, podemos utilizar as classificações de Brachman (1979) e Guarino (1995) para os tipos de conhecimento, organizados em níveis. Um desses níveis é o nível ontológico que estabelece o que existe no mundo, ou pelo menos como o percebemos, independentemente da linguagem. A FIG. 20 mostra os níveis de conhecimento propostos por Guarino (1995).

Nível Primitivas

Lógico Predicados, funções

Epistemológico Relações de estruturação

Ontológico Relações Ontológicas

Conceitual Relações Conceituais

Linguístico Termos Linguísticos

FIGURA 20 – Níveis de representação do conhecimento. FONTE – Guarino, 1995.

Dentro desta visão, os frames semânticos operam no nível linguístico, por ser um léxico; no epistemológico, ao oferecerem uma organização estruturada do conhecimento; e, no nível conceitual, como atestado por GAWRON (2008), que declara:

Frames are conceptual structures that provide context for elements of interpretation; their primary role in an account of text understanding is to explain how our text interpretations can (validly) leap far beyond what the text literally says.

(GAWRON 2008, p.4)

O nível ontológico é responsável pela análise da natureza do que existe e as relações que podem ser observadas no nível individual, tais como relações parte-todo (merologia).

O que é proposto aqui é que o uso combinado do nível ontológico com o nível conceitual expresso na FrameNet permita não só ampliar as aplicações da FrameNet, mas também auxiliar no próprio desenvolvimento da rede. Como esses conhecimentos interagem? Suponha o seguinte segmento de sentença:

a) Ele possui um livro ...

O trecho (a) é semanticamente ambíguo, como pode ser observado pelo contexto fornecido pelas sentenças abaixo:

b) Jorge Amado é um bom escritor. Ele possui um livro sobre meninos de rua. c) Carlos gosta de estudar os astros. Ele possui um livro sobre astronomia.

Claramente trata-se de dois frames distintos. Um sobre a produção de obras intelectuais e o outro sobre a posse de objetos materiais. Mas esta distinção pode ser verificada no nível ontológico, que detectaria que a natureza do livro em (b) é de um objeto intelectual abstrato, enquanto em (c), trata-se de um objeto material.

A mesma análise pode ser feita para a diferença de sentido do verbo “pegar” em

pegar a xícara de café, que evoca o frame de MANIPULAÇÃO, e o verbo “pegar”, em peguei a ideia que você me passou ou peguei a matéria da aula passada, que evocam o

frame de COMPREENSÃO”. Por exemplo, a ligação entre os frames GRASP e MANIPULATION, que não é estabelecida na base da FrameNet, a não ser pelo fato de compartilharem a unidade lexical grasp, é que existe um relaxamento em uma propriedade ontológica de um dos elementos do frame MANIPULATION, permitindo que sejam “manipulados” elementos abstratos, como conceitos. Sugere-se que o frame GRASP possua uma ligação com o frame MANIPULATION, seguindo a tese da criação de metáforas a partir do conhecimento corporificado. A FIG.21 resume o que foi dito. Note-se que é possível entender as ligações no nível ontológico entre os dois frames, o que não é possível observando-se a FrameNet isoladamente.

FIGURA 21 – Relação entre os tipos ontológico e a FrameNet.

As ontologias podem ser usadas, também, para definir novos frames, a partir de frames já definidos. Suponha uma cena onde existe um casamento parcial com um frame pré-existente. As diferenças das propriedades ontológicas servem para indicar o caminho que deve ser tomado para a criação de um novo frame. Assim, um elemento de frame que passa a ter um caráter mais abstrato pode indicar que o frame a ser definido deva atuar em um nível mais mental e menos no nível sensório-motor. O exemplo anterior também serve para ilustrar esta ideia. O frame GRASP trata da captura mental de um conhecimento, fazendo analogia com a captura física de um objeto descrito no frame MANIPULATION.

Outra aplicação possível é o estabelecimento de relações entre os elementos de frames. Guarino e Welty (2000) apresentaram um conjunto de meta-propriedades ontológicas (identidade, rigidez, unidade e dependência) que impõem certas restrições no relacionamento entre as entidades. Informalmente, identidade é a capacidade de uma entidade ser identificada; a rigidez é definida como algo que é essencial a uma entidade; unidade é definida como a capacidade de reconhecer todas as partes de uma entidade; e dependência ocorre quando a existência de uma entidade depende da existência de outra.

Desse modo, uma entidade que é um papel material na ontologia DOLCE, como, por exemplo, o conceito de “estudante”, possui as meta-propriedades identidade (um estudante é passível de ser identificado); não rigidez (uma vez que uma pessoa pode deixar de ser estudante sem deixar de existir); unidade (é possível reconhecer todas as partes do estudante) e possui a propriedade de dependência (uma vez que um estudante para existir precisa estar ligado a uma instituição). Portanto, ao encontrarmos um elemento de frame que pode ser enquadrado como papel material, é provável que participe da mesma cena outro elemento de frame com o qual possui uma relação de dependência. De fato, o frame EDUCATION_TEACHING inclui os elementos de frame student e institution, como elementos nucleares. Assim, a análise ontológica de uma cena pode sugerir a existência de elementos de frames que poderiam passar despercebidos.

Atualmente a FrameNet não faz distinção explícita entre papéis e tipos. Assim as sentenças “a person[People] bought[Commerce_buy] a car[Vehicle]” e “a student[Education_teaching]

bought[Commerce_buy] a car[Vehicle]” não possuem distinção explícita na FrameNet; no entanto, a distinção é feita pelos frames evocados pelos elementos de frames. Assim,

person evoca o frame PEOPLE e student evoca o frame EDUCATION_TEACHING,

que revelam características dos objetos. Porém, não é explicitado que person é um tipo e que student é um papel, apesar desta natureza carregar implicações sobre o significado, como, por exemplo, focalizar em uma determinada característica do EF.A falta de distinção entre papel e tipos ou a ligação rígida entre eles (por exemplo, a ligação fixa entre estudante e pessoa) engessa um relacionamento que, ontologicamente é dinâmico e mutável: quem pode afirmar que sempre todo estudante é uma pessoa?

Sumarizando, os problemas da FrameNet derivam de duas falhas: a falta de formalização e a inclusão parcial de informação ontológica. A formalização dos elementos da FrameNet permitiria uma compreensão mais precisa dos mesmos e eliminaria equívocos na sua utilização. A inclusão mais ostensiva de informação ontológica permitiria melhor distinção dos frames, seus relacionamentos e enquadramento dos enunciados que evocam o frame. Propomos aqui, avançar no sentido de eliminar essa lacuna, apresentando uma formalização e uma forma de utilizar a informação ontológica para a distinção de frames.

Uma decisão importante é sobre qual ontologia deve ser usada para a anotação dos lexemas de um domínio. Existem diversas propostas de ontologias em diferentes níveis de atuação. Desde as dez categorias de Aristóteles, em seu tratado denominado

Categorias, vários conjuntos de categorias de nível topo têm sido sugeridas para

organizar o que é percebido do mundo. Em se tratando de conceitos associados a um lexema, a questão é complexa, principalmente devido à polissemia. Taylor (1992) escreveu um artigo intitulado “How many meanings does a word have?”. Nele o autor reúne as discussões sobre a palavra “window” (janela) realizadas por George Lakoff e as considerações de John Searle para o verbo “open”. No caso da palavra “window”, ela é empregada para denotar diferentes categorias de conceitos. Por exemplo, segundo Lakoff (1987, p. 417), a palavra pode ser usada tanto no sentido de uma abertura em uma parede como para referenciar o retângulo de vidro que preenche a abertura. A abordagem estatística, associada à Semântica de Frames, pode fornecer uma solução para esse dilema, indicando o sentido mais provável de um lexema dentro de um enunciado. Essa solução se assemelha à que é empregada pelos seres humanos, segundo as descobertas recentes da Neurociência, tais como a natureza best-fit (melhor ajuste) de nossa rede neural (LAKOFF, 2008; FELDMAN, 2006). A natureza best-fit da nossa rede neural é usada para decidir qual interpretação é mais adequada dentre várias possíveis. É um “casamento” baseado em evidências perceptivas e estatísticas reunidas ao longo da vivência. Feldman (2006, p. 235) descreve um modelo que tem por base uma rede de crenças (belief networks20) para simular a inferência neural.

Além da dificuldade de se associar um lexema a uma categoria em função de sua natureza polissêmica, ainda existe a dificuldade de, uma vez definido seu significado, se decidir qual aspecto de seu sentido deve ser levado em consideração. Por exemplo, um automóvel pode ser visto como um objeto concreto, como um artefato, como um objeto de transporte, como um objeto de desejo, etc. Cada um desses aspectos é proeminente em uma situação específica. Os aspectos ou facetas são inúmeros, mas é preciso um critério para organizar e decidir qual aspecto deve ser privilegiado. Uma abordagem possível é proposta por James Pustejovsky (1995), que utiliza a estrutura qualia criada por Aristóteles, para definir qual aspecto do sentido de um lexema é proeminente.

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No documento alexandramoreira (páginas 105-111)