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Metáforas

No documento alexandramoreira (páginas 57-61)

3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS ADOTADOS DA LINGUÍSTICA COGNITIVA

3.5 Relações de projeção de frames

3.5.1 Metáforas

O marco da inclusão da metáfora como operação fundamental do processamento cognitivo foi a publicação do livro de Lakoff e Johnson (1980), intitulado Metaphors

We Live By, no qual propunham a ocorrência das metáforas no nível conceitual e não

apenas como um fenômeno estilístico. Daí a denominação de metáfora conceitual proposta pelos autores. Segundo essa teoria, a forma como as pessoas pensam, o que experienciam e o que fazem diariamente estão relacionados com metáforas (LAKOFF; JOHNSON, 1980. p. 3). Os autores definem a metáfora como o “entendimento e a

experimentação de um tipo de coisa em termos de outra” (LAKOFF; JOHNSON, 1980, p. 5).

Para evidenciar a teoria da metáfora conceitual e para mostrar como os conceitos metafóricos permeiam as atividades cotidianas, os autores analisaram a metáfora conceitual ARGUMENTO É GUERRA, por meio de sentenças como as listadas a seguir:

Your claims are indefensible. (Suas reivindicações são indefensáveis.)

He attacked every weak point in my argument. His criticisms were right on target. (Ele atacou cada ponto fraco na minha argumentação. Suas críticas foram bem no alvo.)

I demolished his argument. (Eu demoli seus argumentos.)

I've never won an argument with him. (Eu nunca venci uma discussão com ele.)

You disagree? Okay, shoot! (Você discorda? Ok, atire!)

If you use that strategy, he'll wipe you out. He shot down all of my arguments.

(Se você usar essa estratégia, ele vai acabar com você. Ele derrubou todos os meus argumentos.)

Em uma argumentação, o oponente é encarado como inimigo a ser derrotado e o processo de argumentação se desenvolve como em uma guerra, envolvendo estratégias, ataques, defesas, batalhas e terminando com um vencedor e um derrotado. Ou seja, quase todos os elementos de uma guerra se fazem presentes, metaforicamente, em uma argumentação. A estruturação dos dois domínios ocorre de forma semelhante, quase isomórfica, sendo que o domínio da argumentação é estruturado a partir do domínio da guerra. Esse mapeamento entre domínios conceituais é denominado de Projeção Conceitual (EVANS; GREEN, 2006, p. 286). O domínio de onde parte o mapeamento, fornecendo as características para a compreensão do segundo domínio, é denominado de domínio fonte. O outro domínio, que é interpretado sob a estrutura fornecida pelo domínio fonte, é chamado de domínio alvo.

A teoria da metáfora conceitual se fundamenta na teoria da cognição corporificada, uma vez que os domínios básicos, que são mapeados para domínios mais abstratos, são gerados a partir da experiência corporificada vivenciada pelo aparato sensório-motor.

A metáfora permeia quase todos os enunciados e processos cognitivos. A ideia de que existe uma distinção clara entre linguagem literal e linguagem metafórica não resiste a uma análise mais aprofundada. Em Gibbs (1994), é apresentada a dificuldade de se estabelecer uma linha divisória entre o sentido puramente literal e o figurativo. E qual é a relação da metáfora conceitual com o processo de categorização? Segundo Glucksberg (2008), metáforas são declarações categoriais sobre pertinência em classes: “Quando alguém diz que o seu cirurgião é um açougueiro, é isso mesmo que ele quer dizer, que o cirurgião pertence a uma categoria de pessoas que são açougueiros de uma forma ou de outra.” (GLUCKSBERG, 2008. p. 68).

A categoria é criada quando a metáfora é cunhada pela primeira vez. A teoria da metáfora conceitual proposta por Lakoff e Johnson (1980) continha os seguintes elementos:

• Unidirecionalidade – ou seja, o mapeamento ocorre em apenas uma direção, do domínio fonte para o domínio alvo e não ao contrário. Por exemplo, se o AMOR pode ser conceitualizado como uma JORNADA, uma JORNADA não pode ser parcialmente mapeada para os elementos do domínio do AMOR. Viajantes não são vistos como amantes e acidentes não são encarados como decepções amorosas. Isso não quer dizer que não possa existir outro mapeamento no sentido inverso, porém os elementos mapeados são distintos.

• Metáforas permitem inferências – em função do mapeamento entre os domínios, é possível inferir que situações que ocorrem no domínio alvo também podem ocorrer no domínio fonte.

• Motivações para Domínio Alvo e Fonte – segundo a teoria, existem elementos que habilitam um domínio a ser candidato a domínio alvo ou fonte. Os domínios alvo tendem a ser mais abstratos, enquanto os domínios fonte mais concretos. Isso evidenciaria o caráter corporificado da cognição. Em função disso, Lakoff e

Johnson propuseram que os esquemas imagéticos poderiam funcionar como domínio fonte para o mapeamento metafórico.

• Princípio da invariância – o mapeamento metafórico preserva a estrutura do esquema imagético. Ou seja, o mapeamento não viola a estrutura do domínio alvo, restringindo a forma como o mapeamento deve ser realizado.

Um ponto de potencial inconsistência na teoria da metáfora conceitual é o princípio que estabelece que o mapeamento não viole a estrutura do domínio alvo. Se o domínio alvo, que é mais abstrato, já possui uma estrutura, então qual é a necessidade do mapeamento? Posteriormente, alguns aspectos da teoria conceitual da metáfora foram modificados pela teoria que distingue metáforas primárias e metáforas complexas, proposta por Grady (1997), em sua tese de doutorado. Essa teoria elimina a inconsistência potencial da teoria da metáfora conceitual, dividindo as metáforas em primárias e em complexas. As metáforas primárias são fundacionais, enquanto as complexas são construídas a partir da unificação das metáforas primárias (EVANS; GREEN, 2006, p. 304). O mapeamento que ocorre nas metáforas primárias é realizado entre conceitos que são igualmente básicos, pois ambos são frutos de experiência direta e de percepção.

Essa proposta está em desacordo com a ideia de que o mapeamento seja entre conceitos com diferentes níveis de abstração. Para Grady, o que distingue o domínio fonte do alvo é que, apesar de ambos serem igualmente fundamentais, os conceitos do domínio alvo são diretamente percebidos (GRADY, 2007, p. 192). Uma das metáforas primárias fornecidas por Grady é “QUANTIDADE É ELEVAÇÃO VERTICAL”, como no enunciado “The price of shares has gone up” (Os preços das ações subiram). Nesse caso, a questão não é o grau de abstração que é considerado, mas o fato de o conceito de ELEVAÇÃO VERTICAL ser diretamente percebido pelos nossos sentidos, enquanto o conceito de QUANTIDADE tem a possibilidade de ser um parâmetro em qualquer domínio.

As metáforas complexas são estruturadas a partir das metáforas primárias, incorporando crenças culturais e, por essa razão, tendendo a ser mais restritas a certas culturas. As metáforas complexas envolvem domínios mais complexos e não exibem evidências de terem surgido a partir de uma base experimental. Como mostrado em Lakoff (2008, p.25), a metáfora “amor é uma jornada” é composta pelas seguintes

metáforas primárias: propósitos são destinações; dificuldades são impedimentos ao

movimento; relacionamentos são recipientes e intimidade é proximidade.

A essas metáforas é acrescentado o seguinte conhecimento literal enciclopédico de senso comum:

Um veículo é um instrumento para viagem; um veículo é um recipiente onde os viajantes ficam próximos; espera-se que as pessoas possuam objetivos de vida e, idealmente, amantes possuem objetivos de vida compatíveis. (Lakoff, 2008, p.25).

Esses aspectos são combinados da seguinte forma: os objetivos de vida são

destinações; as pessoas que se amam são viajantes que buscam alcançar esses destinos; os relacionamentos são veículos, de modo que os amantes estão dentro da relação; eles estão próximos; o relacionamento os ajuda a atingir seus objetivos de vida; as dificuldades do relacionamento são impedimentos para o movimento.

Concluindo, metáforas fazem parte do processo cognitivo e são fundamentais para o raciocínio abstrato. Elas são estruturadas, primariamente, pelos frames básicos e são combinadas para formarem metáforas mais complexas, que são influenciadas pelo ambiente cultural no qual o indivíduo está inserido. Feldman (2006, p.194), sugere que todos os frames culturais derivam do mapeamento metafórico de nossas experiências corpóreas representadas nos frames básicos, estabelecendo relações complexas entre eles.

No documento alexandramoreira (páginas 57-61)