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4.3 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA

4.3.4 Benefícios previdenciários

Acerca das demandas previdenciárias, apesar de não haver previsão legal, a mitigação ao princípio da congruência vem ocorrendo no ordenamento pátrio, a partir da iniciativa do próprio magistrado. O atual entendimento jurisprudencial é no sentido de permitir a concessão de um benefício previdenciário diferente daquele postulado pela parte ou mesmo o deferimento da tutela para além da que foi requerida, porém, ainda há uma parcela doutrinária e jurisprudencial contrária a esse posicionamento.

O Superior Tribunal de Justiça já defende essa flexibilização. No Recurso Especial nº 1568353/SP131, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, aduz que, em matéria previdenciária, não deve ser entendido como julgamento extra ou ultra petita a concessão de benefício diverso do requerido na inicial.

131 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1568353/SP. Relator: Ministro Herman Benjamin.

Já no Recurso Especial nº 929942/RS132, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, destacou-se que o pleito contido na peça inaugural de uma demanda previdenciária deve ser analisado com certa ponderação. O Ministro compreendeu que se foi postulada na inicial a concessão do benefício em um percentual mínimo, calculado pela parte, não deveria ser censurável a decisão judicial que reconhece o tempo de serviço pleiteado e concede o benefício com um coeficiente de cálculo superior ao mínimo requerido.

Ressalta-se, que, a grande maioria dos indivíduos que propõem ações face à Seguridade Social (representada pelo Estado), são aqueles mais vulneráveis social e economicamente, ou seja, os que mais precisam ser contemplados com o recebimento de benefícios previdenciários, uma vez que estes consistem em prestações que garantem a renda, de modo a presumir que são usados como fonte precípua de subsistência.

Por conseguinte, pessoas hipossuficientes, em geral, também são carentes de adequado discernimento intelectual e, por não possuírem recursos financeiros necessários, muitas vezes, não conseguem contratar um bom advogado, especializado para defender corretamente os seus interesses, salvo quando são amparadas pela assistência judiciária gratuita, a exemplo das defensorias públicas, que, em larga maioria, contam com o auxílio de profissionais bem capacitados, mas que pela proporção de vulneráveis, não conseguem abarcar a todos.

Além do mais, para a concessão de determinados benefícios previdenciários (a exemplo da aposentadoria rural por idade), a prova testemunhal tem tamanha importância para a formação do convencimento do magistrado, por conta disso, percebe-se que pela vulnerabilidade e condições educacionais de alguns indivíduos, a comprovação de determinado direito pode ficar prejudicada, uma vez que pode não haver a narrativa de fatos relevantes, como também, a falta de discernimento adequado pode dificultar a possibilidade de compreensão da causa pelo juiz.

Todavia, por estas ocorrências, defende-se a necessidade de mitigação do princípio da congruência, oportunizando uma prestação jurisdicional digna para os que tenham direito, uma vez que é bastante comum a parte se equivocar em relação ao pedido de determinado benefício previdenciário, principalmente nos casos em que o cerne da questão gira em torno da incapacidade laborativa, nos quais são comumente confundidos os pedidos de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente.

O equívoco em relação a esses benefícios acidentários é compreensível e justificável, uma vez que a perícia médica é o meio que atesta qual deles deve ser garantido, porém não deve

132 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 929942/RS. Relator: Ministro Arnaldo Esteves

ser obrigado que as partes e os advogados tenham o devido conhecimento médico para reconhecer qual deles deve ser garantido. Acerca dessa discussão, oportuno destacar o julgado referente a pedido de uniformização de lei federal proferido pela Turma Nacional de Uniformização. Esse pedido visa uniformizar diferentes entendimentos acerca de questões submetidas a julgamento pelas Turmas Recursais dos Juizados Federais. Vejamos:

INCIDENTE NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. FUNGIBILIDADE

ENTRE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INCAPACIDADE.

POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO PEDIDO ATINENTE A ESTE BENEFÍCIO, AINDA QUE A PETIÇÃO INICIAL SÓ REQUEIRA AUXÍLIO- DOENÇA E/OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCIDÊNCIA DA QUESTÃO DE ORDEM N° 20 DA TNU. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO.

1. Trata-se de Pedido de Uniformização interposto pela parte autora em face de Acórdão proferido pela Terceira Turma Recursal da Seção Judiciária do Ceará que não conheceu pedido atinente à concessão do benefício de Auxílio-Acidente. Entendeu o Colegiado que “em razão da promovente em sua peça inicial não ter requerido a concessão de auxílio-acidente, a questão precluiu, e, por conseguinte, não cabe tal pedido em sede recursal, por não ser admitida a inovação recursal, bem como a rediscussão do mérito deve ser afastada também”.

2. Defende a parte autora, no entanto, que o Acórdão recorrido diverge dos entendimentos sufragados pela TNU e pela Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, segundo os quais, em decorrência do princípio da fungibilidade, é possível a concessão do benefício de auxílio-acidente, mesmo quando requerido apenas auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.

3. Inicialmente o pedido de uniformização fora inadmitido pela Presidência da Turma Recursal de origem. No entanto, após a interposição de Agravo, o recurso foi admitido pela Presidência desta TNU.

4. Nos termos do art. 14, caput, da Lei n. 10.259/2001, caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questão de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei, sendo que o pedido fundado em divergência de turmas de diferentes Regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgada por Turma de Uniformização, integrada por Juízes de Turma Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.

5. In casu, verifico que está devidamente caracterizada a divergência entre o entendimento trilhado pelo Acórdão recorrido e a jurisprudência desta Turma Nacional, cujo ponto cerne gravita em torno possibilidade de concessão de auxílio-acidente quando o pedido formulado na inicial é de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.

6. Esta questão já foi analisada por este Colegiado. Conforme se depreende do julgamento proferido nos autos do PEDILEF N° 05037710720084058201 (Sessão de 16/08/2012, Relator Juiz Federal ROGÉRIO MOREIRA ALVES), esta Turma Nacional firmou a tese de que o princípio da fungibilidade é aplicado aos benefícios previdenciários por incapacidade, permitindo que o Juiz conceda espécie de benefício diversa daquela requerida na petição inicial, se os correspondentes requisitos legais tiverem sido preenchidos.

7. Nesta linha de intelecção, assentou-se naquela ocasião o entendimento de que o fato de o pedido deduzido na petição inicial não ter se referido à concessão de auxílio-acidente não dispensa a Turma Recursal de analisar o preenchimento dos requisitos inerentes a essa espécie de benefício, na medida em que o núcleo do pedido deduzido na petição inicial é a concessão de benefício por incapacidade, gênero do qual o auxílio-acidente é espécie.

8. Vejamos o teor do julgado, in verbis: AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA

POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-ACIDENTE. FUNGIBILIDADE ENTRE

BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INPACIDADE. INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA.

1. A sentença julgou improcedente pedido de restabelecimento de auxílio-doença de concessão de aposentadoria por invalidez, porque o autor não está incapacitado para o exercício do labor campesino e porque a limitação funcional é pequena (10% a 30%) e decorreu de acidente de trânsito. O autor interpôs recurso inominado alegando que a redução da capacidade laborativa enseja a concessão de auxílio-acidente e que, apesar de não requerido na petição inicial, o direito a esse benefício pode ser reconhecido no presente processo em razão da fungibilidade dos benefícios por incapacidade. A Turma Recursal manteve a sentença pelos próprios fundamentos, sem enfrentar a fundamentação específica articulada no recurso.

2. O autor interpôs pedido de uniformização alegando contrariedade à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual não configura nulidade por julgamento extra petita a decisão que, verificando o devido preenchimento dos requisitos legais, concede benefício previdenciário de espécie diversa daquela requerida pelo autor.

3. O princípio da fungibilidade é aplicado aos benefícios previdenciários por incapacidade, permitindo que o juiz conceda espécie de benefício diversa daquela requerida na petição inicial, se os correspondentes requisitos legais tiverem sido preenchidos. Prevalece a flexibilização do rigor científico por uma questão de política judiciária: considerando que se trata de processo de massa, como são as causas previdenciárias, não seria razoável obrigar o segurado a ajuizar nova ação para obter a concessão de outra espécie de benefício previdenciário cujos requisitos tenham ficado demonstrados durante a instrução processual.

4. O núcleo do pedido deduzido na petição inicial é a concessão de benefício por incapacidade. O auxílio-acidente, assim como o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, constitui espécie de benefício previdenciário por incapacidade. A aferição dos pressupostos legais para concessão de auxílio-acidente em processo no qual o autor pede auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez não afronta o princípio da congruência entre pedido e sentença, previsto nos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil. Em face da relevância social da matéria, é lícito ao juiz adequar a hipótese fática ao dispositivo legal pertinente à adequada espécie de benefício previdenciário.

5. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu várias vezes que não configura julgamento extra petita a concessão de auxílio-acidente quando o pedido formulado é o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez: Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, REsp 541.695, DJ de 01-03-2004; Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp 267.652, DJ de 28-04-2003; Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, REsp 385.607, DJ de 19-12-2002; Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, REsp 226.958, DJ de 05-03-2001; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, EDcl no REsp 197.794, DJ de 21-08-2000.

6. O fato de o pedido deduzido na petição inicial não ter se referido à concessão de auxílio-acidente não dispensa a Turma Recursal de analisar o preenchimento dos requisitos inerentes a essa espécie de benefício. Precedente da TNU: Processo nº 0500614-69.2007.4.05.8101, Rel. Juiz federal Adel Américo de Oliveira, DJU 08/06/2012.

7. Pedido parcialmente provido para: (a) uniformizar o entendimento de que não extrapola os limites objetivos da lide a concessão de auxílio-acidente quando o pedido formulado é o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez; (b) determinar que a Turma Recursal promova a adequação do acórdão recorrido, analisando se os requisitos para concessão do auxílio-acidente foram preenchidos.

9. [sic] Considerando-se, pois, que o Colegiado de origem não conheceu do pedido de concessão de auxílio-acidente apresentado no recurso sob o fundamento de que ele não havia sido expressamente requerido na petição inicial, inexorável é o provimento do presente incidente, nos termos da Questão de Ordem n° 20 desta TNU.

10. Posto isso, com a ressalva do entendimento pessoal acerca do tema, DOU PROVIMENTO ao incidente nos termos da Questão de Ordem nº 20, determinando o retorno dos autos à Turma Recursal de origem para que promova a adequação do

julgado, conhecendo o pedido de auxílio-acidente, avaliando, então, se a parte autora preenche os requisitos exigidos para a sua concessão.

11. É como voto. Publique-se. Registre-se. Intime-se.133 (grifos nossos)

Contudo, observa-se que o princípio da igualdade deve preponderar sobre demandas como essas, uma vez que a parte sempre tem como oponente o Estado, sendo este o lado visivelmente mais forte. Portanto, há a real necessidade de equiparação entre as partes, oportunizando que o lado mais fraco duele com as mesmas armas. Desse modo, é preciso que o magistrado proceda a igualdade substancial das partes, no sentido de tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Por mais razão ainda se defende essa mitigação, uma vez que, o direito à seguridade social configura-se em direito fundamental, por isso, a sua aplicação deve imperar sobre qualquer regra ou princípio, em prol de melhor assegurar um verdadeiro processo civil constitucional, em que a efetividade da prestação jurisdicional importe mais do que meros formalismos processuais.

Por isso, é forte a tendência jurisprudencial em relação à mitigação do princípio da congruência, principalmente em prol da defesa das pessoas mais prejudicadas pela falta de oportunidades e de garantias básicas para uma vida digna. Portanto, é preciso que o Estado-juiz volte os olhos para esses indivíduos, fornecendo a eles o tão esperado direito, quando assim, fizerem jus.

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