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CAPÍTULO 3 AS PROPOSTAS CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO DE

3.2 As propostas curriculares para a EJA

3.2.4 Betim

A implantação da Suplência de 5ª a 8ª séries na Rede Municipal de Betim – MG iniciou- se de forma experimental em quatro escolas no ano de 1995. A Secretaria de Educação convocou todos os professores envolvidos no ensino regular de suplência para a elaboração do Projeto Político-Pedagógico que deveria orientar a Educação de Adultos sob a sua responsabilidade. Proporcionou um tempo próprio e coletivo a esse processo de elaboração, devidamente remunerado. Os professores receberam ainda um apoio técnico de assessores “com formação específica nas disciplinas curriculares”, contratados pela Secretaria Municipal de Educação de Betim.

Constituiu-se um grupo de trabalho interdisciplinar, o que se configuraria como uma oportunidade de reflexão coletiva sobre Educação de Jovens e Adultos que contemplasse suas

8 BETIM, MG. Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Projeto político-pedagógico para a educação de

jovens e adultos: modalidade: suplência de quinta a oitava séries: rede municipal de Betim: versão preliminar.

especificidades (e também as especificidades das áreas de conhecimento), ampliasse e redefinisse as possibilidades desse espaço de Educação.

A primeira etapa, desenvolvida no segundo semestre de 1995, teve como eixo principal identificar o aluno da suplência como sujeito de seu processo de escolarização, convocando-o a participar da elaboração de uma proposta de Educação que considerasse suas expectativas, suas necessidades, seus temores e seus desejos. Para isso, os professores elaboraram o instrumento diagnóstico dos alunos, planejaram e empreenderam sua aplicação, bem como analisaram os dados coletados.

Para a etapa que se desenvolveria em 1996 foram levantados dados sobre as representações dos professores acerca de pontos que seriam abordados no projeto e na assessoria por áreas. O diagnóstico feito apontou para a necessidade de investimentos em discussões de cunho coletivo sobre currículo, avaliação, estrutura e funcionamento da escola.

Para a projeção de uma nova prática, viu-se a urgência do aprofundamento teórico e da socialização de conhecimentos produzidos nas últimas décadas nas áreas de ensino específicas de cada professor. Num primeiro momento foram enfocadas as representações dos alunos e considerou-se necessário abrir espaço para trabalhar também as dos professores. Nos momentos de formação buscou-se fazer emergirem as práticas adotadas e assumidas pelos professores, adotando como estratégia o uso do relato oral e insistindo também no registro escrito, em busca

A elaboração dessa versão curricular de caráter experimental teve como objetivo fornecer parâmetros para que os professores pudessem testar, na prática de sala de aula, as diretrizes captadas e sistematizadas durante as análises e reflexões realizadas. Para que a (re)construção do individual e do social possa acontecer, torna-se necessário assumirmos a nossa própria (re)construção, como indivíduos que buscam construir a si mesmos enquanto sujeitos. Alguns princípios podem abrir caminhos e pistas nessa (re)construção: devemos assumir a necessidade de suprir elementos de nossa formação básica, lutando para uma formação permanente e devemos considerar que o levantamento crítico e analítico sobre a nossa prática pedagógica supre e requer uma fundamentação teórica sobre ela. Nesse sentido, ressalta-se a importância da formação de grupos de estudos de professores no interior das escolas como momentos fundamentais para reflexão sobre a prática e para desvelar as teorias que as embasam.

Na segunda parte do documento, a proposta ensaia uma primeira versão dos eixos temáticos (e possíveis desdobramentos) nas áreas de conhecimento: História, Ciências, Matemática, Geografia e Português. Explicita que essa versão preliminar compõe uma diretriz com dupla finalidade: a de reorientar práticas em transformação e de ser também transformada na ação e reflexão que prosseguirá no segundo semestre de 1996 e em 1997.

Foram propostos eixos temáticos — vida escolar, vida em sociedade, mundo do trabalho, vida familiar, comunidade local, práticas sociais, meio ambiente, direitos e deveres, espaço mundial, experiências comunitárias e grupos institucionalizados — que, segundo ressalta a proposta, possibilitam condições de expressão da vivência individual e social dos alunos e, ao mesmo tempo, criam condições para que o (a) professor (a) possa encaminhar reflexões sobre a historicidade dos temas, abrindo espaços de construção de novos conhecimentos e de desenvolvimento de procedimentos a eles necessários.

Após a apresentação dos eixos temáticos, o documento apresenta as perspectivas para o ensino de História, Geografia, Ciências e Matemática.

Com relação ao ensino de Matemática, é destacada a necessidade de repensar a concepção de Matemática, uma vez que a forma como ela é, em geral, apresentada na escola continua reforçando uma concepção de conhecimento estático, pronto, árido, pois que essencialmente formalizado e fechado em si mesmo. Duas concepções de Matemática são apresentadas para discussão: como atividade tipicamente humana e elemento da cultura (Matemática e

Matematicidade); como um instrumento de leitura e transformação da realidade, (Matemática e linguagem). Esta última concepção, cuja ênfase está no aspecto sociopolítico, não se contrapõe à primeira, mas ao contrário, a amplia, dando-lhe uma dimensão mais instrumental, com o objetivo de capacitar o aluno à compreensão, representação e transformação de sua realidade.

Como linguagem, a Matemática apresentará um aspecto sintático: a preocupação com o estabelecimento de regras e procedimentos técnicos, com a elaboração e a obediência aos algoritmos, com a destreza e a correção no uso e manipulação de termos e sinais; e um aspecto semântico: significado dos termos e sinais, compreensão dos conceitos e procedimentos e sentido das idéias e mesmo das regras. Alguns lingüistas apontam um terceiro aspecto chamado pragmático, considerado na proposta como sociocultural, por revelar:

[...] uma preocupação com a relação do conhecimento com o ambiente, o lugar histórico da aprendizagem e, por isso, quer buscar as motivações que levaram à sua produção e evolução, e os anseios, necessidades ou possibilidades que justificam o seu aprendizado (BETIM, 1996, p.67).

O documento discute que a ênfase no aspecto sintático (que talvez ainda ocorra em larga escala) no ensino de Matemática trouxe à baila as preocupações com a compreensão e o significado. O aspecto semântico dominou a cena e é ainda hoje a tônica de muitos trabalhos sobre o ensino de Matemática e a preocupação dos autores da maioria dos livros didáticos e da maioria das práticas relatadas pelos professores de Matemática da Suplência de Betim.

No entanto, o papel na construção da cidadania que tem se buscado conferir à Educação de Jovens e Adultos em Betim indica a necessidade de um cuidado crescente com o aspecto sociocultural da abordagem matemática.

O documento enfatiza que adota como objetivo a formação do leitor crítico, que figura nas propostas de ensino da Língua Materna, no sentido de ajudar na compreensão melhor do mundo. Para balizar a proposta, considera ainda o parâmetro dos programas oficiais e a perspectiva do acesso dos alunos ao segundo grau.

Considerados esses elementos, passou-se à tarefa de compor um “listão” com o que se julgou fundamental para o aluno concluinte do 1º grau. O documento ressalta que a busca de definir o que seria essencial na Educação Matemática, no nível da Escola Fundamental, não teve

a conotação de mera exclusão de alguns conteúdos mais sofisticados, mas pretendeu uma programação da melhor qualidade.

Enfatiza que essa programação deve ser entendida como um mero referencial, como contribuição da área de Matemática, em termos de embasamento conceitual, desenvolvimento de habilidades e construção e apropriação de estratégias, para a ampliação do universo cultural do aluno e de sua capacidade de interpretação e transformação da realidade. Ressalta, ainda, que essa contribuição não tem características de pré-requisitos, mas, indica possibilidades para a participação da Matemática no desenvolvimento dos grandes eixos temáticos, construídos pelos professores, a partir do perfil e das demandas dos alunos e, naturalmente, pela ideologia que rege a prática pedagógica para o ensino de Suplência de Betim, esses sim, identificados com a Proposta Curricular da Suplência de Betim.

Reorganizada pela assessora da área a partir da escolha feita junto com os professores de Matemática de Betim, a lista contempla os conteúdos cuja contribuição para o desenvolvimento do projeto político pedagógico da Suplência de Betim pareceu mais relevante. A intenção é atender à demanda dos professores por um referencial mínimo que oriente seu trabalho Não há sugestão de seqüenciamento e nem de distribuição por séries. Tais questões ou outras que surgirem deverão passar pela análise das demandas que emergirem na prática pedagógica.

Nas reflexões finais, o documento pondera que ainda falta investir muito nas peculiaridades da Educação Matemática de Jovens e Adultos, até porque são poucas as referências de trabalhos dessa natureza e nesse nível de escolaridade nas quais se possa fundamentar ou com as quais se possa confrontar.

A definição de uma programação referencial em termos de conteúdos e habilidades a desenvolver revela o quanto ainda é o conteúdo a referência para os professores num trabalho de Educação, particularmente de Educação Matemática. No entanto, é preciso avançar na reflexão por uma via, e não há nenhum pecado em fazê-la avançar pela discussão dos conteúdos, desde que os sujeitos envolvidos estejam honestamente interessados em fazê-la avançar e sinceramente dispostos a rever suas práticas e transformá-las.

Os elaboradores explicitam:

Ficou, entretanto, clara a fragilidade do nosso conhecimento e a superficialidade da nossa reflexão sobre a Matemática elementar. Todos sabemos, por certo, operar com aqueles elementos que compõem o programa de Matemática, mas nos sentimos pouco à vontade para interpretá-los, falar de sua intencionalidade, sua utilidade e sua conexão com outros saberes. Isso nos reportou à questão das deficiências na formação do professor de Matemática, especialmente na falta de oportunidades para retomar os conceitos e procedimentos que serão objeto do ensino nos cursos Fundamental e Médio, deitando sobre eles um olhar que nos permita enxergá-los como componentes de um corpo de conhecimento, mas com toda uma história de inserções e descolamentos da realidade. Isso aponta ainda para a necessidade de um processo contínuo de formação de professores em serviço, em que, a partir dos dados e demandas da prática pedagógica, possamos nos aprofundar num conhecimento um pouco mais global e substancial dos conteúdos matemáticos, do ensino da Matemática e da contribuição deles na Educação de Jovens e Adultos (BETIM, 1996, p.71).