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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL UMA ANÁLISE CURRICULAR DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS MÉRI BELLO KOORO

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Academic year: 2021

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UMA ANÁLISE CURRICULAR DA MATEMÁTICA NA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

MÉRI BELLO KOORO

UNICSUL

SÃO PAULO

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Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

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UMA ANÁLISE CURRICULAR DA MATEMÁTICA NA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

MÉRI BELLO KOORO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade Cruzeiro do Sul, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências e Matemática, sob orientação da Profa.Dra. Celi Espasandin Lopes.

UNICSUL

SÃO PAULO

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Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação de Mestrado defendida por Méri Bello Kooro e aprovada pela Banca Examinadora. Data: ____ / ____ /_____

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Orientadora – Profa. Dra. Celi Espasandin Lopes

____________________________________________________ Membro – Profa. Dra. Iara Regina Bocchese Guazzelli

____________________________________________________ Membro – Profa. Dra. Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho:

Em especial, ao meu marido, Luiz, pelo companheirismo, apoio e incentivo constantes.

Aos meus filhos Helga, Joyce e Felipe, pelo carinho, incentivo e pela compreensão durante minhas ausências para a dedicação a esse trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Quero expressar a minha gratidão a todos que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho.

À Professora Doutora Celi Espasandin Lopes, pelo privilégio de conhecê-la como pessoa humana, pelo respeito e pela confiança que depositou em mim e pela competência profissional na orientação deste trabalho.

Às Professoras Doutoras Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca e Maria Delourdes Maciel, que gentilmente aceitaram participar da Banca de Qualificação, cujas críticas, sugestões e recomendações foram muito apreciadas.

Ao Professor Doutor Wanderley Carvalho, que me criticou e me disse palavras de estímulo e encorajamento.

À coordenação e ao corpo docente do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul de São Paulo, pelo conhecimento que me ajudaram a construir.

Aos funcionários da Universidade Cruzeiro do Sul, sempre tão atenciosos.

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Ao colega Sebastião, que gentilmente auxiliou na coleta de documentos.

Às amigas Cleoncie e Tamiko, pela amizade e pelo empréstimo de documentos.

A todos os colegas, pela presença e amizade. Em especial, à Ana Paula e Noemi, com quem compartilhei momentos de muita aprendizagem, pela colaboração amiga em momentos importantes.

À Leda, pela revisão e sugestões dadas para a finalização deste trabalho.

Aos meus alunos, com os quais muito aprendi e que foram fonte e inspiração para a realização deste trabalho.

À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, por me conceder uma bolsa de estudos.

Obrigada!

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo investigar e analisar como são organizados os currículos para o ensino de Matemática na Educação de Jovens e Adultos, fazendo uso de informações contidas em documentos curriculares oficiais publicados pelo Ministério da Educação e por Secretarias Estaduais e Municipais de Educação de algumas regiões do Brasil. Duas questões foram orientadoras da investigação: Que estruturas

e conteúdos são privilegiados em propostas de ensino de Matemática na Educação Escolar de Jovens e

Adultos, no nível do chamado “Ensino Fundamental”? e Tais estruturas e conteúdos são adequados às

especificidades do público da EJA? Para responder a estas questões optamos por uma abordagem qualitativa, realizando uma pesquisa bibliográfica e documental, tomando como parâmetro a reflexão sobre Educação Matemática em uma perspectiva cultural. Para nortear nossa análise, utilizamos categorias que foram definidas a priori e categorias que emergiram a partir do discurso e do conteúdo apresentados pelas propostas. A análise dos documentos mostrou-nos que, embora a maioria das propostas apresente considerações pertinentes e coerentes com os referenciais teóricos os quais consideramos relevantes para a Educação de pessoas jovens e adultas, a organização dos temas e as orientações didáticas não estão na mesma perspectiva, sendo ainda muito similares às que são feitas no ensino regular, sem considerar as especificidades da Educação de Jovens e Adultos. Nem todos os documentos contemplam a área de Matemática e os que a contemplam não orientam o professor sobre como fazer a abordagem na EJA. Acreditamos que a abordagem deva ser mais direcionada e coerente com os objetivos da EJA. Além disso, o discurso dos documentos apresenta um texto que dialoga pouco com o professor, que discute minimamente a abordagem dos eixos temáticos da Matemática, assim como os aspectos formativo e funcional. Mediante o processo de análise dos resultados da pesquisa, apresentam-se sugestões que podem auxiliar a (re)significar os currículos de Matemática para a Educação de Jovens e Adultos.

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ABSTRACT

This study is aimed at investigating and analyzing how curriculums for mathematics teaching in Youngster and Adult Education are organized, with the use of information from official curricular documents published by the Ministery of Education and by State and Municipal Education bureaus in some Brazilian regions. The investigation was based on two questions: Which structures and contents are prioritized in proposals for mathematics teaching in Youngster and Adult Education in the so-called “Fundamental Teaching” level? and Are such structures and contents proper for the specificities of the people who take the EJA (Youngster and Adult Education) course? In order to answer these questions, we chose to carry out a qualitative-approach research, by developing a bibliographical and documental investigation based on a reflection on Mathematics Education in a cultural perspective. To guide our analysis, some categories were pre-established and some others emerged from the discourse and contents in the proposals. The document analysis showed us that, although most proposals bear considerations that are pertinent and coherent with the theoretical references that we consider relevant for the education of youngsters and adults, the organization of topics and didactic orientation are not in the same perspective. In fact, they are very much alike the ones developed in regular education, unregarding the specificities of Youngster and Adult Education. Not all documents involve mathematics, and the ones that involve it do not help teachers on how to approach mathematics teaching in EJA. Besides, the discourse in the documents consists of academic texts that establish little relationship with teachers and bring little discussion about the approach to mathematics topic bases and their formative and functional aspects. In face of the analysis of the research results, some suggestions are presented that could help bring a new characterization to mathematics curriculums and Youngster and Adult Education.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

A trajetória profissional e a construção da investigação... 11

CAPÍTULO 1 - A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL 1.1 Introdução ... 18

1.2 Primeiras décadas do século XX da EJA no Brasil... 19

1.3 Novos caminhos para pensar a EJA... 22

1.4 Perspectivas contemporâneas para a EJA... 25

1.4.1 Uma escola pública de EJA... 26

1.4.2 Uma nova concepção de educação de pessoas jovens e adultas... 27

1.4.3 Um repensar sobre a educação de jovens e adultos ... 28

CAPÍTULO 2 - AS DIMENSÕES CURRICULARES PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 2.1 Concepção de currículo... 34

2.2 Concepção pós-moderna de currículo... 37

2.3 Questões Culturais ... 39

2.4 Concepção do currículo de matemática com um enfoque cultural... 44

2.4.1 Componente Simbólico... 49

2.4.2 Componente Social... 51

2.4.3 Componente Cultural... 52

2.5 O currículo como configurador da prática pedagógica em Matemática... 53

CAPÍTULO 3 - AS PROPOSTAS CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 3.1 Introdução... 57

3.2 As propostas curriculares para a EJA 3.2.1 MEC – Primeiro Segmento... 59

3.2.2 MEC – Segundo Segmento ... 63

3.2.3 São Paulo... 68

3.2.4 Betim... 70

3.2.5 Distrito Federal... 75

3.2.6 Rio Grande do Norte... 76

3.2.7 Bahia... 79

CAPÍTULO 4 - METODOLOGIA E ANÁLISE 4.1 Introdução ... 82

4.2 Pesquisa qualitativa... 82

4.3 Pesquisa bibliográfica e pesquisa documental... 83

4.4 Análise de conteúdo... 85

4.5 Organização da análise... 86

4.6 Unidades de análise e definição de categorias... 87

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4.8 Análise comparativa das categorias definidas a priori... 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 110

BIBLIOGRAFIA ... 117

APÊNDICES QUADROS DE CATEGORIAS EMERGENTES A – Quadro 1 – Proposta do MEC 1º Segmento... 123

B – Quadro 2 – Proposta do MEC 2º Segmento ... 124

C – Quadro 3 – Proposta de São Paulo ... 125

D – Quadro 4 – Proposta de Betim... 126

E – Quadro 5 – Proposta do Distrito Federal ... 127

F – Quadro 6 – Proposta do Rio Grande do Norte... 128

G – Quadro 7 – Proposta da Bahia ... 129

QUADROS DE CATEGORIAS DEFINIDAS A PRIORI H – Quadro 8 – Proposta do MEC 1º Segmento ... 130

I – Quadro 9 – Proposta do MEC 2º Segmento ... 136

J – Quadro 10 – Proposta de Betim ... 137

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INVESTIGAÇÃO

O ato criador depende de um “amor intelectual” pelos objetos da experiência. Estamos longe da assepsia que exigia do cientista uma absoluta neutralidade e indiferença diante do objeto. Emoção e objetividade não se opõem. É a emoção que cria o objeto.

Rubem Alves

Iniciei minha carreira como professora de Matemática no Ensino Fundamental da Prefeitura do Município de São Paulo em 1979. Apesar de todo o meu empenho na tentativa de promover uma aprendizagem satisfatória, vivenciei muitas situações de conflito em decorrência dos resultados não satisfatórios apresentados pelos alunos. A situação tornava-se mais decepcionante ainda, quando a Coordenação Pedagógica colocava o professor como principal responsável pelo fracasso escolar. Durante a minha trajetória, vários acontecimentos foram despertando em mim a necessidade de um novo foco para minha relação em sala de aula. Selecionei alguns deles para este relato.

Na gestão do prefeito Mário Covas, participando de um ciclo de encontros e palestras sobre mudanças curriculares, assisti a uma palestra que, pela primeira vez, me fez refletir sobre como a escola anula a curiosidade natural da criança.

Em 1990, ministrei aulas em um Curso de Operação de Microcomputadores oferecido à comunidade, realizado na escola em que eu trabalhava, graças a uma parceria entre uma empresa e a Prefeitura. Foi uma experiência bastante gratificante, na qual os alunos — dos quais alguns eram do ensino regular — mostraram-se interessados e participativos, diferentemente do que acontecia com os alunos na sala de aula do ensino regular. Sentia que algo estava errado na escola regular.

A maioria dos professores reclamava que os alunos não tinham interesse nas aulas e não tinham condições de serem aprovados. No entanto, ao final do ano, a maioria dos alunos ficava em recuperação somente em Matemática. Nos demais componentes curriculares, eles acabavam conseguindo passar sem recuperação, pois haviam apresentado trabalhos, cadernos, etc. Apenas

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os professores de Matemática trabalhavam em período de recuperação. Afinal, eram os vilões! Vivi um período de grandes conflitos, sentindo a falta de solidariedade dos próprios colegas, cujo discurso, durante o ano, era um e a prática, no final do ano, era outra.

Na gestão da prefeita Luiza Erundina, foi implantado o regime de ciclos com a progressão continuada. Nessa ocasião, participei do curso para professores de 5ª série, que foi muito significativo para mim: em encontros com professores de várias escolas da região, coordenados por monitores, estes nos apresentavam situações que levávamos para a escola e depois retornávamos para o grupo, para estudo, análise e reflexão. Esse curso me desestabilizou. Até então, nas minhas reflexões anteriores, não havia questionado a minha prática, mas as situações vivenciadas me possibilitaram ver o processo escolar com outro olhar. A partir de então, teve início para mim um processo lento, porém constante, de reflexão sobre a minha prática. À medida que refletia, tentava mudar. Transformava-me como profissional e como pessoa também, pois acredito que essas mudanças ocorrem simultaneamente.

Com a progressão continuada, o registro da avaliação passou a ser feito através de conceitos. Minha percepção sobre avaliação também mudou e os conflitos diminuíram, pois passei a analisar o processo, e não mais o produto. Na época não me conscientizei de que estava recebendo influências das idéias de Paulo Freire, então Secretário da Educação.

Hoje tenho consciência de que minha prática inicial foi fruto da concepção formada durante a minha experiência escolar como aluna. Meu estágio do curso de graduação foi realizado em uma escola particular, ministrando aulas de reforço aos sábados, sem nenhum contato com os professores.

Em 1993, por ocasião de uma reestruturação de opção de jornada, foi-me atribuída uma sala de Suplência1 do Ensino Fundamental. Identifiquei-me tanto com esse público que daí em diante passei a trabalhar somente com essa população. Nessa nova etapa, novos desafios surgiram. Como trabalhar com esse público com características tão diferenciadas? Quais suas expectativas? Que conteúdos abordar?

1 Na Lei 5.692-71, que instituiu o Ensino Supletivo, a função da suplência era “suprir a escolarização regular para os

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Em 1994, fui convidada para trabalhar no Centro Municipal de Ensino Supletivo — CEMES2, pioneiro na Prefeitura Municipal de São Paulo. Nesse projeto os trabalhos coletivos da equipe e a proximidade com o aluno, através do atendimento individual, eram fundamentais. Ali trabalhei durante sete anos. Durante esse período, convivi com esses alunos conversando sobre os seus sonhos, suas expectativas, seus medos e suas frustrações.

Em 1997 participei de reuniões para análise e reorganização do material didático do CEMES, realizadas pela Universidade do Estado de São Paulo (UNESP). Como representante, levava as sugestões de alterações estudadas e propostas pela equipe. Nessas reuniões tomei consciência do quanto estava desatualizada. Fiquei surpresa ao ouvir que as unidades de estudo que utilizávamos eram arcaicas. Não possuía argumentos para questionar a maioria das mudanças propostas. Desconhecia os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o fracasso da Matemática Moderna.

Estava em conflito e, como multiplicadora das propostas, ainda enfrentava situações de resistência por parte de alguns professores do grupo. Uma delas ocorreu logo na primeira unidade de trabalho com o novo material, cujo conteúdo proposto era o estudo do uso da calculadora, questão polêmica para muitos professores ainda hoje.

Mas a transformação continuava e o desafio era estimulante.

Em 1999 participei do curso de capacitação para educadores da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Prefeitura do Município de São Paulo, ministrado pelo Núcleo de Trabalhos Comunitários (NTC) na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Entre outros, o curso tinha como objetivo conscientizar e instrumentalizar os educadores com relação às questões fundamentais inerentes à educação de jovens e adultos, para que aqueles pudessem desenvolver em sua prática dinâmicas participativas que propiciassem aos educandos condições de aprendizagem e compreensão da realidade social em que estavam inseridos. Recebíamos, explicitamente, influência das idéias de Paulo Freire. Vivenciar esse curso foi uma das minhas melhores experiências. Inicialmente oferecido somente a professores, foi depois enriquecido com

2 Modalidade de Ensino Supletivo (CES - Centros de Ensino Supletivo) - Ofereciam material didático em módulos e

propiciavam aos alunos encontros para orientação de estudos — que estes freqüentavam livremente. Também realizavam a avaliação da aprendizagem dos alunos — aos quais cabia a decisão de quando realizá-las —, possibilitando a eles concluir o primeiro grau ou lograr aprovação em um ou mais componentes (“eliminar matérias”). As 6ªs feiras eram dedicadas ao trabalho coletivo da equipe.

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a participação de coordenadores pedagógicos e supervisores, que nos possibilitaram ver com um novo olhar não só nossos alunos como também os outros segmentos da equipe escolar.

Nesse contexto, sensibilizada cada vez mais com a realidade dos alunos da Educação de Jovens e Adultos, tão fortemente marcados pelo processo de exclusão, fui expressando mais minha afetividade e ficando menos preocupada com o tempo para cumprir o conteúdo. Fui me conscientizando de que, para atuarmos com esses jovens e adultos, temos que acreditar no processo educativo como relação mútua e positiva entre educador e educando, no intuito de transformação. Hoje acredito que, se incentivarmos o aluno a aprender a aprender e despertarmos nele o interesse pelo conhecimento, poderemos auxiliá-lo a desenvolver competências que o tornem capazes de alcançar seus objetivos. Creio também que a educação deva possibilitar ao aluno um exercício crítico de sua cidadania e, portanto, cabe ao professor desenvolver atividades de ensino que partam dessa concepção.

Em continuidade ao processo de busca da melhoria profissional, em 2001 participei do curso para professores do Ensino Médio, oferecido pela Fapesp na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), que me possibilitou fazer significativas reflexões sobre os obstáculos didáticos. Nessa ocasião estávamos estudando no CEMES os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e fizemos importantes reflexões e conexões.

Com o objetivo de aprofundar conhecimentos matemáticos e estar próxima do ambiente acadêmico, iniciei em 2002 o curso de Aperfeiçoamento em Matemática na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Nessa ocasião já tinha como objetivo enfocar a Educação de Jovens e Adultos, caso ingressasse num programa de Mestrado.

Ao mesmo tempo, continuei participando dos cursos de formação oferecidos pela Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP). Em 2002 participei do Curso “Programa de Vivência Cultural — Múltiplas Linguagens”, para professores da EJA da Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), em parceria com a Fundação de Apoio à Faculdade de Educação (FAFE) — USP. E em 2003 participei do 1º Encontro da EJA que iniciava reflexões na perspectiva de construção coletiva de uma nova EJA para São Paulo — proposta de Reorganização e Reorientação Curricular.

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Ao concluir o curso de Aperfeiçoamento candidatei-me ao Programa de Mestrado em Ensino Profissionalizante, com a intenção de desenvolver uma pesquisa que enfocasse o ensino de Matemática na Educação de Jovens e Adultos.

Esses momentos de desenvolvimento profissional que tive possibilidade de vivenciar sem dúvida conduziram-me para a realização desta pesquisa e ampliaram meu olhar sobre o processo de análise.

A problemática de investigação

Na elaboração do projeto envolvendo o ensino de Matemática na Educação de Jovens e Adultos, tinha a percepção de que um dos problemas desse segmento era o currículo. Porém não tinha clareza quanto à delimitação do problema. A revisão bibliográfica fez-me constatar que, muito embora a Educação de Jovens e Adultos estivesse constantemente na pauta das discussões nacionais sobre a educação brasileira, ainda há uma tímida produção científica relacionada à Educação Matemática e ao currículo desse nível de ensino. Um documento publicado pela Ação Educativa (2000) 3, relativo à produção discente da pós-graduação em educação no período de 1986 a 1998, constatou a existência de sete trabalhos na área de Matemática e ressaltou a ausência de aprofundamento em estudos sobre currículo na EJA.

A minha experiência como professora de matemática em EJA desde 1993 colocou-me uma série de questionamentos a respeito de como trabalhar com esse público com características tão diferenciadas.

Diversas especificidades, sobre as quais discorrerei nos parágrafos seguintes, intervêm no ensino de Matemática para jovens e adultos: um público especial, um curso com limitação de tempo, a falta de materiais didáticos específicos para esse público, um professor geralmente sem formação específica para essa atuação.

3 HADDAD, Sérgio (Coord). O Estado da Arte das Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos no Brasil –

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Muitos jovens e adultos dominam noções matemáticas que foram aprendidas de maneira informal ou intuitiva. No entanto, como veremos mais adiante neste trabalho, esse conhecimento que o aluno traz não é considerado como ponto de partida para a aprendizagem das representações simbólicas convencionais, o que pode ser observado pela forma como o professor os trata: como crianças. Tal fato é agravado pela carência de material apropriado para esse segmento, pois o professor precisa fazer adaptações do material destinado ao Ensino Fundamental, para poder utilizá-lo no trabalho com jovens e adultos.

Além disso, em função da freqüente redução de tempo dos cursos da EJA, as instituições e os professores se vêem, muitas vezes, obrigados a reduzir também os conteúdos selecionados para os currículos da escola “regular”.

Concordo com as considerações do documento publicado pela Ação Educativa (1999) ao ponderar que,

[...] a educação de jovens e adultos se apresenta como um campo de práticas educativas que, embora tendo em comum um segmento da população como objeto de sua atenção, abriga uma diversidade de concepções. A síntese desses elementos é objeto de preocupação e o campo curricular apresenta-se como um lugar privilegiado para se analisar como tais concepções se acomodam ou se sobrepõem nas tentativas de se elaborar um projeto educativo coerente onde se expressem as várias identidades da educação de jovens e adultos.

Tal consideração nos remete a Fonseca (2002), que enfatiza a necessidade de considerar o tripé — necessidade, desejo e direito —, tomando os alunos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem para pautar nossas ações educativas que, em particular na Educação Matemática, vamos desenvolver na EJA.

Em minha experiência com Educação de Jovens e Adultos percebi que os alunos estão cada vez mais tomando consciência da conquista do direito à Educação. Além da pressão exercida pela demanda do mercado de trabalho, os alunos têm o desejo de inserção na sociedade, e o retorno à escola é o primeiro passo na conquista da realização desse desejo. Entretanto, as estruturas e conteúdos que vêm sendo utilizados na Educação de Jovens e Adultos (EJA) são inadequados às necessidades e características próprias desse segmento.

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A partir desses pressupostos, elaboramos4 as questões de investigação deste estudo:

- Que estruturas e conteúdos são privilegiados em propostas de ensino de Matemática na Educação Escolar de Jovens e Adultos, no nível do chamado “Ensino Fundamental”? - Tais estruturas e conteúdos são adequados às especificidades do público da EJA?

Para responder a estas questões realizamos uma pesquisa bibliográfica e documental com a intenção de analisar as recomendações curriculares de Matemática para a EJA.

No capítulo a seguir iremos discutir o contexto da EJA no Brasil.

4 Assumo, a partir daqui, a primeira pessoa do plural, para melhor indicar o papel dialógico realizado em colaboração

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CAPÍTULO 1

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

O povo pode ensinar-nos muitas coisas, mas a maneira de ensinar do dominado é diferente da maneira de ensinar do dominador. Os trabalhadores ensinam em silêncio, por seu exemplo, por sua condição. Não atuam conosco como professores. Por isso, nós, enquanto seus professores, devemos estar completamente abertos para sermos seus alunos, para aprender pela experiência com eles, numa relação educacional que é, em si mesma informal.

Paulo Freire

Aqui apresentamos alguns apontamentos sobre a história da educação de jovens e adultos no Brasil, com o objetivo de relacionarmos o contexto histórico ao processo de análise das propostas curriculares produzidas para essa etapa educacional, tendo o foco principal na abordagem e no processo de ensino e aprendizagem da Matemática.

1.1. Introdução

O fim do século XX caracterizou-se pela organização de conferências internacionais para o delineamento de acordos e compromissos, fundados nos direitos humanos e voltados à superação das desigualdades sociais, à modernização e à democratização de diversas nações. Organismos internacionais (Unesco, OIT, Unicef, OMSD, entre outros), governantes, equipes técnicas de órgãos públicos, organizações não governamentais e movimentos sociais, reunidos, firmaram metas e assumiram responsabilidades no sentido de superar problemas sociais e econômicos.

Especificamente no campo educacional, tais acordos remeteram-se ao asseguramento dos direitos educativos de crianças, jovens e pessoas adultas como uma das vias para garantir a construção de sociedades mais justas e democráticas. Um dos principais marcos da definição de diretrizes e metas educativas por vários países foi a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien (1990). No caso do Brasil, os referenciais de Jomtien foram

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considerados em documentos legais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96) e o Plano Nacional de Educação.

A V Conferência Internacional de Educação de Adultos — Confintea, realizada em 1997 em Hamburgo, na Alemanha, representou um marco histórico para a educação de jovens e adultos no Brasil. Renovaram-se os compromissos educacionais, manifestando-se a importância da aprendizagem de jovens e adultos, numa perspectiva de educação ao longo da vida que superou as idéias de suprimento e de educação compensatória, presentes nas conferências anteriores.

A educação escolar de jovens e adultos no Brasil compreende Ensino Regular Noturno, Modalidade EJA escolar, Ações de Alfabetização, Cursos e Exames Supletivos nas etapas de Ensino Fundamental e Médio, bem como processos de Educação à Distância realizados via rádio, televisão ou materiais impressos. Embora a Constituição assegure o Ensino Fundamental público e gratuito em qualquer idade, a oferta de serviços de escolarização de jovens e adultos é reduzida, situando-se em patamares muito inferiores à demanda potencial. No período posterior à realização da V Confintea, a matrícula pública no ensino de jovens e adultos cresceu, mas os índices de cobertura escolar permaneceram muito aquém da universalização determinada pela Constituição.

1.2. Primeiras décadas do século XX da EJA no Brasil

A partir da década de 30, quando a sociedade brasileira passava por grandes transformações associadas ao processo de industrialização, começou a se consolidar um sistema público de educação no País, em que a educação básica de adultos começou a delimitar seu lugar na história da educação. Impulsionado pelo governo federal, que traçava diretrizes educacionais para todo o País, determinando responsabilidades dos Estados e municípios, o movimento de oferta e ampliação de ensino básico gratuito incluiu também esforços de extensão do ensino elementar aos adultos, especialmente nos anos 40.

A educação dos adultos ganhou destaque dentro da preocupação geral com a educação elementar comum com o fim da ditadura de Vargas em 1945 e o alerta da ONU — Organização das Nações Unidas, para a urgência de integrar os povos visando a paz e a democracia, após o término da Segunda Guerra Mundial. Em 1947 foi lançada a Campanha de Educação de Adultos,

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sob a direção do professor Lourenço Filho, que conseguiu resultados significativos nos primeiros anos, articulando e ampliando os serviços já existentes e estendendo-se às diversas regiões do País.

O estabelecimento da Campanha propiciou também a reflexão e o debate em torno do analfabetismo e da educação de adultos no Brasil. O analfabetismo era concebido como causa, e não como efeito da situação econômica, social e cultural do País. Nessa concepção, o adulto analfabeto era considerado incapaz e marginal, identificado psicológica e socialmente como criança. Durante a própria campanha as idéias preconceituosas sobre os adultos analfabetos foram criticadas e seus saberes e capacidades passaram a ser reconhecidos. Para tanto contribuíram também teorias mais modernas da psicologia.

As críticas à Campanha de Educação de Adultos no final da década de 50 denunciavam o caráter superficial do aprendizado, a inadequação do método para a população adulta e para as diferentes regiões do País. Tornava-se necessária uma nova visão sobre o problema do analfabetismo e, para a consolidação de um novo paradigma pedagógico, a referência principal foi o educador pernambucano Paulo Freire, cujas idéias inspiraram os principais programas de alfabetização e educação popular que se realizaram no País no início dos anos 60. Esses programas foram empreendidos por intelectuais, estudantes e católicos engajados numa ação política junto aos grupos populares. Em janeiro de 1964 foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização orientado pela proposta de Paulo Freire, cuja preparação contou com o engajamento de estudantes, sindicatos e diversos grupos estimulados pela efervescência política da época, tendo sido interrompido alguns meses depois pelo golpe militar.

O novo paradigma pedagógico mudava o entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social. O analfabetismo, antes apontado como causa da pobreza e da marginalização, passou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza gerada pela estrutura social não igualitária. O processo educativo deveria, portanto, interferir na estrutura social que produzia o analfabetismo, buscando superar os problemas através de um exame crítico da realidade dos educandos.

Os ideais pedagógicos também tinham um forte componente ético, implicando um profundo comprometimento do educador com os educandos, sendo estes reconhecidos como homens e mulheres produtivos, que possuíam uma cultura. Nesse sentido, Paulo Freire criticou a

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chamada educação bancária, que considerava o educando uma espécie de gaveta vazia onde o educador deveria depositar conhecimento. Freire, tomando o educando como sujeito de aprendizagem, propunha uma ação educativa que não negasse sua cultura, mas que fosse transformando a sua consciência ingênua em consciência crítica. O princípio básico de sua

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1.3. Novos caminhos para pensar a EJA

Um avanço importante dessas experiências é a incorporação de uma visão de alfabetização como processo que exige um certo grau de continuidade e sedimentação. Os programas mais recentes prevêem um tempo maior dedicado à alfabetização e pós-alfabetização, visando garantir maior domínio dos instrumentos da cultura letrada, para que o educando possa utilizá-los tanto na vida diária como para prosseguir seus estudos.

A crescente preocupação com relação à iniciação matemática é outro indicador da ampliação não apenas da concepção das práticas de leitura, mas também das demandas que essas práticas interpõem — de mobilização de conceitos, de procedimentos, de critérios e da lógica matemática.

Ao lado dessa característica, um princípio pedagógico que não pode deixar de ser considerado na educação básica de adultos é o da incorporação da cultura e da realidade vivencial dos educandos como conteúdo ou ponto de partida da prática educativa. Entretanto, a análise das práticas tem mostrado a dificuldade de operacionalizar esse princípio. Muitos materiais didáticos, geralmente os produzidos em grande escala, não atendem aos interesses e necessidades educativas dos jovens e adultos, perdendo-se assim a oportunidade de criar situações de ampliação dos instrumentos de pensamento e de visão de mundo dos educandos e educadores.

Outra questão metodológica diz respeito ao caráter crítico, problematizador e criativo que se pretende imprimir à educação de adultos. Educadores identificados com esses princípios conseguem estabelecer uma relação de diálogo e enriquecimento mútuo com seu grupo. Entretanto, na passagem para o trabalho específico de leitura e escrita ou de matemática, torna-se difícil garantir a natureza significativa e construtiva das aprendizagens. Produz-se, assim, uma dissociação entre os momentos de “leitura do mundo”, quando os educandos são chamados a analisar, comparar, elaborar, e os momentos de “leitura da palavra ou dos números”, quando os educandos devem repetir, memorizar e reproduzir.

Com a propagação de estudos e pesquisas sobre o aprendizado da língua escrita com base na lingüística e na psicologia, em meados da década de 80, reforçaram-se os argumentos críticos às cartilhas de alfabetização que contêm palavras e frases isoladas que dificultam a compreensão. Entretanto, mesmo nas propostas pedagógicas preocupadas em trabalhar com palavras ou frases

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significativas, ainda se observa a ênfase exagerada nos procedimentos do método silábico, de montagem e desmontagem de palavras.

A psicopedagoga argentina Emilia Ferreiro, através de suas pesquisas, mostrou que crianças pré-escolares, convivendo num ambiente letrado, chegam à escola com hipóteses e informações prévias sobre a escrita, que costumam ser desprezadas pelas propostas de ensino. Mostrou, ainda, que adultos analfabetos também têm uma série de informações sobre a escrita e elaboram hipóteses semelhantes às das crianças.

As propostas pedagógicas para a alfabetização começaram recentemente a incorporar a convicção de que não é necessário nem recomendável montar uma língua artificial para ensinar a ler e escrever. O educador deverá trabalhar com as produções do educando, ajudando-o a analisá-las e introduzindo novas informações. Com a utilização de uma diversidade maior de textos como jornais, enciclopédias, receitas e embalagens, procura-se ampliar o universo lingüístico, possibilitando o conhecimento das funções, estruturas e estilos próprios dos diferentes tipos de texto presentes na nossa cultura. Essas reorientações começaram a se fazer presentes nas propostas pedagógicas para adultos. Algumas experiências abandonaram as palavras geradoras como pontos de partida, introduzindo outros procedimentos, como o trabalho com os nomes dos alunos ou os chamados textos coletivos, surgindo assim uma maior diversidade de materiais didáticos.

Os educadores brasileiros também têm entrado em contato com estudos que tematizam as relações entre pensamento e linguagem, pensamento e cultura, cultura oral e cultura letrada, conceitos espontâneos e conceitos científicos.

Uma das questões pedagógicas mais estimulantes refere-se ao ensino de Matemática para jovens e adultos que, independentemente do ensino sistemático, quase sempre desenvolvem procedimentos próprios de resolução de problemas envolvendo quantificações e cálculos. Para o educador, o desafio, ainda pouco equacionado, é como relacionar de forma significativa esses conhecimentos com a aprendizagem das representações numéricas e dos algoritmos ensinados na escola.

Com a extinção da Fundação Educar em 1990, criou-se um enorme vazio em termos de políticas para a educação de jovens e adultos, e alguns Estados e municípios, assim como algumas organizações, assumiram a responsabilidade de oferecer programas na área.

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Ainda em 1990, o Brasil participou da Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, na qual foi reforçada a necessidade de expansão e melhoria do atendimento público na escolarização de jovens e adultos. Porém, somente em 1994 foi concluído o Plano Decenal, fixando metas para o atendimento de jovens e adultos pouco escolarizados. Segundo D’Ambrosio (2004), esse plano parece ter sido esquecido, apesar de ter sido amplamente discutido por vários setores da sociedade e distribuído por todo o Brasil, com a intenção de que fosse utilizado e debatido nas licenciaturas, servindo de parâmetro para as inovações educacionais.

A seção dedicada à educação básica de jovens e adultos na LDBEN n.º 9.394/96 reafirmou o direito destes a um ensino básico adequado às suas condições e o dever do poder público de oferecê-lo gratuitamente, na forma de cursos e de exames supletivos.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, Resolução CNE/CEB n.º 1/2000, definem a EJA como modalidade da Educação Básica e como direito do cidadão, afastando a idéia de compensação e suprimento e assumindo a de reparação, eqüidade e qualificação, o que representa uma conquista e um avanço.

Em 2001 foi lançada a Proposta Curricular Nacional para a EJA – 1º Segmento, com o objetivo de oferecer um subsídio para orientação e elaboração de programas de educação de jovens e adultos e, conseqüentemente, também o provimento de materiais didáticos e a formação de educadores a ela dedicados.

Em 2002, a Proposta Curricular Nacional para a EJA – 2º Segmento — foi apresentada, com a finalidade de subsidiar o processo de reorientação curricular nas secretarias estaduais e municipais, bem como nas instituições e escolas que atendem ao público de EJA. O objetivo era organizar sugestões coerentes com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Fundamental, mas que considerassem as especificidades de alunos jovens e adultos e também as características desses cursos.

Atualmente, o currículo consolidado na EJA traduz-se pela adaptação do material destinado ao Ensino Fundamental. Novas orientações curriculares não atingem de imediato a prática nas salas de aula E, em geral, há pouca oportunidade nos espaços escolares para o debate e a reflexão sobre as propostas curriculares para os diferentes níveis de ensino.

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As discussões sobre Currículos de Matemática para a Educação Básica no Brasil consideram que a proposta dos parâmetros em ação, que veio com o objetivo de impulsionar e otimizar as apropriações dos PCNs, não foi estudada por muitas secretarias de educação, o que implicou a não efetiva utilização, análise e reflexão desse material pelo professor de EJA (SBEM, 2004).

Dessa maneira torna-se compreensível a resistência por parte da maioria dos professores, gerada principalmente pela insegurança agregada às precárias condições de trabalho, pois não tiveram acesso prévio ao novo material, nem oportunidade de participar de discussões a seu respeito e tampouco passaram por um processo de preparação para sua utilização, o que dificultou a possibilidade de mudança de concepções.

Além disso, os professores que tiveram a oportunidade de se apropriar das idéias contidas nesses documentos travam uma luta pessoal na busca de ações que conciliem o currículo consolidado com as novas orientações curriculares. Sem oportunidade de discuti-las com seus pares, enfrentam resistência por parte dos professores e dos alunos, ao tentarem novas abordagens, e entram em conflito, ao perceberem a inviabilidade de um trabalho com projeto interdisciplinar.

1.4. Perspectivas contemporâneas para a EJA

A diversidade de tentativas de configurar a especificidade da EJA é uma característica marcante do momento vivido por ela. Uma das frentes do momento presente é, sem dúvida, a configuração da EJA como um campo específico de responsabilidade pública do Estado. Arroyo (2005) destaca indicadores que apontam nessa direção: a preocupação das universidades, em suas funções de ensino, pesquisa e extensão, que se voltam para a educação de jovens e adultos; a criação de espaço institucional no MEC; a discussão da EJA no Fundeb; a elaboração de estruturas gerenciais específicas para EJA nas Secretarias Estaduais e Municipais.

Por outro lado, a sociedade — ONGS, igrejas e cultos afro-brasileiros, sindicatos e movimentos sociais, bem como, instituições como UNESCO, Abrinq e Natura — apresenta sinais de preocupação com os jovens e adultos que têm direito à educação básica.

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As faculdades de Educação também criam cursos específicos de formação para EJA, muito embora o foco central ainda sejam a leitura e a produção de escrita e exista uma visão mais limitada sobre a formação matemática que seria adequada à formação inicial e contínua dos professores.

1.4.1. Uma escola pública de EJA

Gadotti (2003) pondera que a escola pública, criada para atender prioritariamente crianças e jovens e não pensada como “Escola de EJA”, necessita de uma reorientação curricular para atender também a esse público. Considera que o melhor referencial e a melhor proposta não têm nenhum significado se não forem assumidos coletivamente pelas escolas como um todo. Afirma, ainda, que é preciso pensar num tempo próprio, apropriado, para a reorientação e a reestruturação escolar, tempo para amadurecer as idéias, para promover as mudanças necessárias, pois a nossa pouca experiência democrática e o nosso sistema educacional vertical não favorecem o envolvimento das pessoas. Democracia é respeito, é consideração pelas pessoas e pelo que elas fizeram e fazem. É respeito pelo que já existe, pela experiência de cada um. Para que as escolas possam aderir voluntariamente, com autonomia, precisam sentir-se respeitadas. Como exemplo, Gadotti cita Paulo Freire à frente da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que não impôs nenhuma metodologia, pois acreditava no fortalecimento do que já se faz bem nas escolas e no fazê-lo melhor. Daí a importância da negociação, do diálogo. Dessa forma, cada escola precisa aprender a escolher o caminho que seguirá: o dos Movimentos Sociais e Populares, o das ONGs, etc., que têm, muitos deles, uma larga experiência em lidar com os excluídos.

Gadotti (2003) chama-nos a atenção para o fato de que as escolas ainda não descobriram ou não utilizaram todo o seu potencial de mobilização social e sua capacidade criadora, faltando-lhes talvez uma dose de rebeldia para se transformarem em escolas radicalmente democráticas.

A história brasileira de longos anos de autoritarismo desafia a educação a desenvolver atitudes e valores democráticos. Isso nos leva a repensar o papel da escola e do educador de jovens e adultos frente às novas exigências culturais e às novas contribuições das teorias educacionais. Leva-nos a refletir sobre o tipo de pessoa e de sociedade que desejamos formar.

Também a partir das considerações de Arroyo (2003), podemos ponderar que é possível construir uma escola para a educação de jovens e adultos, que nasce no âmbito escolar a partir de

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fatos do dia-a-dia, dos quais emergem dificuldades, expectativas, desejos e propostas relacionadas à aquisição de conhecimento dos envolvidos no processo educacional. Este autor pondera que não tem sido fácil construir a articulação entre a EJA e o sistema escolar. A EJA tem uma história longa, muito rica, densa, que merece ser conhecida para que se possa pensar em uma nova educação de jovens e adultos.

Se atentarmos para a orientação de Fonseca (2002) de que uma proposta educativa precisa indagar a seus alunos sobre suas expectativas, demandas e desejos, para indagar-se a si mesma sobre a sinceridade de sua disposição e sobre a disponibilidade de suas condições para atender os anseios dos alunos ou com eles negociar, perceberemos que, de fato, nossas propostas não têm priorizado o aluno em suas elaborações. Pesquisa sobre propostas curriculares de Suplência II, realizada pela Ação Educativa (1999), constatou, na elaboração destas, uma relativa ausência do aluno jovem e adulto, com suas características, necessidades, formas de aprender e conhecimentos prévios como referência definidora.

Em nosso modo de entender, se faz parte da nossa concepção de educação incluir as representações e experiências de vida dos educandos no processo pedagógico, as características e expectativas destes devem ser consideradas, refletidas e discutidas, ao se definir uma proposta curricular.

1.4.2. Uma nova concepção de educação de pessoas jovens e adultas

Di Pierro (2003) pondera que a transição de paradigmas na EJA está ocorrendo em todo mundo. O Brasil começa a avançar em direção a uma concepção ampliada de educação de jovens e adultos, mas ainda está aprendendo a desenvolver esse novo referencial. Nessa nova concepção, consolidada na V Conferência Internacional de Educação de Adultos realizada em Hamburgo, em 1997, a educação de jovens e adultos é um momento de uma educação continuada ao longo de toda a vida, assentada no princípio de que a necessidade e o direito à educação não se esgotam em nenhuma das fases do desenvolvimento humano.

Ainda segundo Di Pierro, o referencial dominante ainda é o ensino supletivo, baseado na visão compensatória de que a função da educação do jovem e adulto é repor a escolaridade não realizada na infância e adolescência.

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Enquanto a visão compensatória constrói uma cultura escolar que privilegia o conhecimento erudito e sistematizado pela ciência que compõe o tradicional currículo escolar, a concepção de educação continuada ao longo da vida atribui valor à cultura popular e enfatiza os processos de aprendizagem, valorizando tanto os processos formais quanto os saberes teóricos. Numa concepção de educação continuada, somos obrigados a pensar qual a maneira singular pela qual os adultos aprendem, como constroem o conhecimento e a cultura, como resolvem os problemas individuais e coletivos na vida cotidiana.

O reconhecimento dos jovens e adultos como portadores de conhecimento, de cultura, de estratégias próprias de resolução de problemas implica admitir que as pessoas partem de patamares diferentes e podem chegar a níveis escolares cada vez mais elevados por diferentes trajetórias formativas. Isso impõe uma grande flexibilidade na organização dos tempos e espaços escolares e a criação de mecanismos de certificação que sejam capazes de valorizar os conhecimentos extra-escolares. Segundo Di Pierro (2003):

Essa possibilidade está inscrita na LDB, mas ainda não aprendemos a fazer com que a escola exercite sua capacidade de diagnosticar os conhecimentos de que os alunos são portadores e que eles adquiriram não só na vida escolar, mas também por outras vias, sendo capaz de, por meio de uma tutoria individualizada, recomendar trajetórias de aprendizagem pelas quais cada educando possa satisfazer as necessidades de aprendizagem que tem hoje, no futuro (PIERRO, 2003, p.21).

Tais considerações nos fazem refletir sobre a importância da formação do educador, para que possa ocorrer a transformação da escola. Um dos principais fatores que os impedem de atender às expectativas de mudança e à concretização de uma nova proposta são as características relativas à sua formação. Por isso acreditamos que, ao elaborar uma proposta curricular, a valorização e a formação de professores são aspectos fundamentais para uma melhoria da qualidade do ensino.

1.4.3. Um repensar sobre a educação de jovens e adultos

De acordo com Arroyo (2005), o que há de mais esperançoso na nova configuração da EJA é o “protagonismo” da juventude. Esse tempo de vida, considerado apenas como uma etapa

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preparatória para a vida adulta, nas últimas décadas vem se revelando como um tempo humano, social, cultural e identitário, que requer a superação da visão reducionista com que foram olhados, por décadas, os alunos da EJA. Para esse autor, o ponto de partida para reconfiguração da EJA deverá ser perguntar-nos quem são os alunos jovens e adultos. Quanto mais se avançar na configuração da juventude e da vida adulta, mais elementos teremos para configurar a especificidade da EJA, tão negativamente marcada em sua trajetória. Mas essa reconfiguração não pode ter como ponto de partida a inserção “escolar”.

A Educação de Jovens e Adultos tem de partir, para sua configuração como um campo específico, da especificidade desses tempos de vida – juventude e vida adulta – e da especificidade dos sujeitos concretos históricos que vivenciam esses tempos. Tem de partir das formas concretas de viver seus direitos e da maneira peculiar de viver seu direito à educação, ao conhecimento, à cultura, à memória, à identidade, à formação e ao desenvolvimento pleno (LDB, n.9394/96, Art.1º e 2º).

Por décadas, o olhar escolar enxergou esses jovens e adultos apenas em suas trajetórias escolares truncadas: alunos evadidos, reprovados, defasados, alunos com problemas de freqüência, de aprendizagem, não-concluintes da 1ª à 4ª série ou da 5ª à 8ª série. Esse olhar não possibilitará avanços na reconfiguração da EJA.

Uma das maneiras de considerar esses jovens e adultos é vê-los como alunos(as), tomando consciência não apenas de que estão privados dos bens simbólicos que a escolarização deveria garantir, mas também de que essa grave situação indica o quanto está distante a garantia universal do direito à educação para todos. Colocar-se nessa perspectiva é um avanço, porém é preciso tomar cuidado com o modo de olhar. O direito dos jovens e adultos à educação não pode continuar sendo visto sob a ótica das carências escolares, que os considera merecedores apenas de uma segunda oportunidade.

Segundo Arroyo, a EJA somente será reconfigurada se esse olhar for revisto. O direito à educação deverá ultrapassar a oferta de uma segunda oportunidade de escolarização. Um novo olhar deverá ser construído, reconhecendo-os como jovens e adultos em tempos e percursos de jovens e adultos, reconhecendo-os como sujeitos dos diretos humanos. Dessa forma, a EJA adquire novas dimensões e o olhar sobre os educandos se alarga.

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Para ver esses jovens e adultos é necessário reconhecer e entender seu “protagonismo”, que não vem apenas das lacunas escolares e das trajetórias truncadas, mas também das múltiplas lacunas a que a sociedade moderna os condena. Nesse novo olhar mais abrangente, é preciso ver esses jovens-adultos em suas trajetórias humanas que, misturadas às trajetórias escolares truncadas, tornam-se ainda mais perversas. Uma nova compreensão da condição juvenil levará a uma nova compreensão do seu direito à educação e conseqüentemente levará a uma nova compreensão da EJA.

A EJA deve deixar de ser um “remédio” ou um “paliativo” para suprir carências, seja de alfabetização, de escolarização, seja de fome e exclusão e agora de violência e deterioração moral. A EJA precisa ter políticas públicas bem definidas e desenvolvidas em todos os Estados brasileiros. É um compromisso social que o governo precisa assumir, a fim de transformar qualitativamente a realidade de vida da população brasileira. É necessário estabelecer metas que superem essa configuração supletiva, preventiva e moralizante dos jovens-adultos e considerá-los com seu “protagonismo” positivo: sujeitos de direitos e sujeitos de deveres do Estado.

Os termos “suplência” e “supletivo” estão sendo abandonados, porém a lógica continua a mesma. O reconhecimento da juventude e da vida adulta como um tempo específico de direito à educação está, ainda, muito distante de ser legitimado na sociedade e no Estado. Há indicadores de que a consciência dos direitos vem avançando: a mobilização de trabalhadores, nas cidades e no campo; das mulheres; dos povos negros e indígenas; dos jovens tem demonstrado que se reconhecem sujeitos de direitos e exigem seu reconhecimento social e político.

A EJA somente se afirmará se ocupar os espaços que os movimentos sociais vão abrindo nas lutas por seus direitos, como demonstram as experiências mais determinantes em sua história: foram todas vinculadas aos movimentos sociais (ARROYO, 2005).

O nome genérico educação de jovens e adultos oculta identidades coletivas: pobres, desempregados, negros, pertencentes aos mesmos coletivos sociais, étnicos, culturais, raciais. Tentar reconfigurar a EJA implica assumir essas identidades coletivas e reconhecê-las como trajetórias coletivas de negação de direitos, de exclusão e marginalização; conseqüentemente, a EJA tem de se caracterizar como uma política afirmativa de direitos coletivos sociais, historicamente negados.

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Estamos defendendo que a reconfiguração da EJA virá do reconhecimento da especificidade dos jovens-adultos com suas trajetórias de vida, seu protagonismo social e cultural, suas identidades coletivas de classe, gênero, raça etnia... Virá do reconhecimento de sua vulnerabilidade histórica e das formas complicadas em que se enredam essas trajetórias humanas com suas trajetórias escolares (ARROYO, 2005, p.30).

Arroyo afirma que a própria história da EJA pode nos dar elementos para avançar na sua configuração: do Movimento de Educação Popular, um dos capítulos mais marcantes na história da EJA, o autor indica alguns traços que podem ajudar nessa configuração e destaca a importância não apenas da adoção de uma visão realista dos jovens-adultos, mas também da ênfase na Educação Popular e nas considerações de Paulo Freire quanto ao caráter dialogal de toda relação pedagógica. O diálogo entre os saberes escolares e os saberes sociais exigirá um trato sistemático desses saberes e significados, alargando-os e considerando a especificidade das trajetórias dos jovens e adultos — via de regra fragmentadas, que se contrapõem à linearidade do pensar e fazer pedagógico —, o que leva à interrogação da docência e da pedagogia.

Na história da EJA, podemos encontrar uma relação tensa com os saberes escolares. Seria uma postura própria de profissionais do conhecimento deixar-nos desafiar pelas interrogações dos jovens e adultos, que carregam para a escola trajetórias tão questionadoras dos valores e dos conhecimentos estabelecidos e merecem, por isso, um olhar amável e reconhecido para as interrogações que a vida lhes coloca. A EJA instiga os saberes escolares, as disciplinas e os currículos. Tais considerações têm que se fazer presentes no movimento de renovação curricular e de renovação do pensar e do fazer docente.

No conjunto dos níveis do sistema escolar, a educação de jovens e adultos foi o campo mais politizado. Os movimentos sociais sempre deram centralidade à educação dos seus militantes, jovens e adultos, e sempre contagiaram a EJA com sua paixão e indignação política. Essa indignação política, vivenciada no contato com jovens e adultos em situação de tanta radicalidade, levou o Movimento de Educação Popular, e Paulo Freire em particular, a ver em todo ato educativo um ato político, dimensão que marcou fortemente o movimento progressista de educação. No entanto, as discussões políticas de reconhecimento e valorização da EJA que ainda se fazem presentes parece não terem permitido um avanço no que se refere à discussão sobre orientações curriculares para EJA, ficando estas em um segundo plano e, predominando, na

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maioria das vezes, a reprodução de discussões curriculares de outros níveis de ensino que não envolvem as especificidades da EJA.

As relações entre a EJA e o sistema escolar foram sempre tensas ao longo da história de ambos. Tentar adequar a EJA às modalidades de ensino de nosso sistema escolar e fazer com que a sua informalidade entre na lógica da dita educação formal são pontos que merecem pesquisas e análises aprofundadas.

A análise da história da EJA, embora tenha corrido, em grande parte, à margem da construção do sistema escolar formal — em campanhas, movimentos sociais, ONGs, igrejas, sindicatos, voluntários, etc. —, sempre se fez em comparação com esse sistema, de tal modo que as conclusões sobre a EJA a viam como distante do ideal de educação ali prefigurado. Se as pesquisas sobre a história da EJA fossem feitas sem comparações e parâmetros escolares, talvez descobríssemos que sua riqueza está em ir além dos pesados esquemas, rituais e grades do sistema escolar.

Para darem conta dos sujeitos reais e do igual direito de todos os coletivos sociais à educação, ao conhecimento e à cultura, nas sociedades democráticas, os sistemas escolares ultimamente vêm redefinindo a lógica de sua organização, buscando formas mais inclusivas e igualitárias de garantir esses direitos. Assim sendo, a educação de jovens e adultos tem de ser avaliada na perspectiva desses avanços. Torna-se necessário repensar os parâmetros escolares com que a história da EJA tem sido contada, buscando parâmetros próprios, específicos, na diversidade de formas tentadas para garantir o direito à formação, à socialização e às aprendizagens.

Para Arroyo (2005), sem rever a rigidez de nosso sistema escolar, sem investir em torná-lo realmente público, dificilmente construiremos formas públicas da garantia do direito à educação dos jovens e adultos populares. A história da EJA mostra sérias tentativas de sair dessa rigidez como única forma de articular as trajetórias de vida e as trajetórias escolares dos setores populares. Reconhecida essa história de compromissos com os direitos populares, será possível um diálogo promissor entre o sistema escolar e a EJA. Um diálogo guiado por opções políticas, por garantias de direitos de sujeitos concretos.

Corroboramos a posição de Arroyo (2003), ao ponderar que a longa, muito rica e densa história da EJA merece ser conhecida por todos aqueles que querem construir uma nova escola de

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jovens e adultos. Para isso é preciso construir uma identidade docente colada à educação e desconstruir a identidade docente — demasiado escolarizada, gradeada e disciplinar — da maioria dos educadores, que é colada à escola. Dessa forma, acreditamos que o conhecimento dessa história se torna fundamental para sensibilizar educadores na tentativa de buscar formas mais adequadas de trabalhar com esse público tão especial.

Vem a ser importante também que educadores conheçam a atual concepção, que apresenta indicadores mundiais a partir de discussões realizadas em eventos científicos sobre a EJA, e conscientizem-se de que cada escola, no exercício de sua autonomia pedagógica, pode e deve criar e construir seu próprio projeto de EJA de acordo com as suas características, as da sua comunidade e as das experiências culturais, de vida, de trabalho e das práticas sociais de seus alunos.

No capítulo a seguir apresentaremos as dimensões curriculares para o ensino da Matemática na EJA.

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CAPÍTULO 2

AS DIMENSÕES CURRICULARES PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA

NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Os conceitos de uma teoria dirigem nossa atenção para certas coisas que sem eles não “veríamos”. Os conceitos de uma teoria organizam e estruturam nossa forma de ver a “realidade”. Assim, uma forma útil de distinguirmos as diferentes teorias do currículo é através do exame dos diferentes conceitos que elas empregam.

Tomaz Tadeu da Silva

Neste capítulo apresentamos as dimensões curriculares que constituem o referencial que permeará este estudo.

2.1. Concepção de currículo

O currículo relaciona-se com a instrumentalização concreta que faz da escola um determinado sistema social, pois é através dele que cada projeto educativo adquire especificidade. Dificilmente será possível ordenar em um esquema e num único discurso coerente todas as funções e formas que parcialmente o currículo adota, pois são múltiplas e contraditórias as tradições de cada sistema educativo.

Sacristán (2000) ressalta que, ao definir currículo, está descrevendo a concretização das funções da própria escola e a forma particular de enfocá-las num momento histórico e social determinado, para um nível ou modalidade de educação, numa trama institucional, etc.

O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos ensino. É uma prática que se expressa em comportamentos práticos diversos. O currículo, como projeto baseado num plano construído e ordenado, relaciona a conexão entre determinados princípios e uma realização dos mesmos, algo que

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se há de comprovar e que nessa expressão prática concretiza seu valor. É uma prática na qual se estabelece um diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a ele, professores que o modelam, etc. (SACRISTÁN, 2000, p.15).

O currículo de alguma forma reflete o conflito de interesses dentro de uma sociedade e os valores dominantes que regem os processos educativos, pois o sistema educativo serve a certos interesses concretos que se reflete em currículos diferenciados, conforme as finalidades diversas dos níveis que o compõem. Assim, o projeto que a escola tem para seus alunos não é neutro. A análise do currículo é não apenas uma condição para conhecer e analisar o que é a escola como instituição cultural e de socialização em termos reais e concretos — pois o modo como a escola o desenvolve revela fundamentalmente o valor desta —, mas é também um elemento central de referência na hora de elaborar um projeto alternativo de instituição.

As reformas curriculares, na maioria das vezes, são empreendidas visando melhor ajustar o sistema escolar às necessidades sociais. Nos níveis do ensino obrigatório o currículo estabelecido vai além das finalidades restritas aos âmbitos culturais, introduzindo diretrizes e componentes para definir um plano educativo que ajude na consecução de um projeto global de educação para os alunos, refletindo o esquema socializador, formativo e cultural próprio da instituição escolar.

A escola tem o compromisso de promover uma educação através de um processo de socialização norteado pelos princípios e objetivos definidos segundo as finalidades do currículo determinado pelas instâncias técnico-pedagógicas do sistema escolar.

Estamos de acordo com Lopes (1998), ao ponderar que:

[...] devemos olhar cuidadosamente para toda proposta curricular elaborada pelos órgãos públicos ou privados, observando suas intenções, sempre implícitas ao definirem os objetivos, os conteúdos e mesmo as orientações didáticas. É preciso analisar se essa reforma curricular apresentada considera as necessidades sócio-econômicas, culturais e políticas de seus estudantes (LOPES, 1998, p. 29).

Tendo clareza de que o processo educativo não é linear, mas cheio de conflitos e contradições, acreditamos que cada escola deve construir coletivamente o seu projeto educacional, estando atenta a sua clientela e buscando atender às reais necessidades de seus estudantes.

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De acordo com Sacristán (2000), o discurso dominante da pedagogia moderna, mediatizado pelo individualismo, ressalta as funções educativas relacionadas com o desenvolvimento humano, deixando de considerar, em muitos casos, a permanente função cultural da escola como finalidade essencial. Na discussão sobre a educação e a qualidade do ensino, torna-se fundamental retomar e ressaltar a relevância do currículo — recuperando a consciência do valor da escola como instituição facilitadora de cultura e buscando descobrir mecanismos através dos quais ela cumprirá tal função —, além de analisar seu conteúdo e sentido.

A natureza do saber distribuído pela escola foi um dos problemas centrais a ser colocado e discutido pela nova Sociologia da Educação que centrou seu interesse em analisar como as funções de seleção e de organização social da escola, que subjazem nos currículos, se realizam através das condições em que se desenvolvem.

Para Sacristán (2000), uma escola sem conteúdos culturais é uma proposta irreal, além de descomprometida. Corroboramos a posição do autor ao ponderar que o grau e tipo de saber que os indivíduos conseguem nas instituições escolares terão conseqüências no seu nível de desenvolvimento pessoal, em suas relações sociais e no status profissional que eles possam conseguir dentro da estrutura profissional de seu contexto.

Freqüentemente acusam-se os programas escolares de estarem sobrecarregados, obrigando a acelerar o ritmo do tratamento dos temas, que passam a ser trabalhados de forma superficial, o que impossibilita atividades mais sugestivas. As características de um currículo podem: ditar o que é qualidade de aprendizagem; provocar uma acepção mais superficial deste; distanciar a possibilidade de implantar outras metodologias; etc.

A relação pedagógica professor-aluno — normalmente determinada pela escola e pela prática docente — está muito centrada no desenvolvimento do currículo e não ocorre de uma forma dialogada. Desse modo, a atuação profissional dos professores está condicionada pelo papel que lhes é atribuído no desenvolvimento do currículo. Isso nos leva a concluir que as alterações curriculares deveriam ser constantes e com efetiva participação docente, a fim de possibilitar uma reprofissionalização dos professores.

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