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5 ENSINO E PESQUISA NO (TELE)JORNALISMO

5.3 A bibliografia e práticas docentes

Os planos de ensino de telejornalismo, com suas ementas, objetivos, metodologias e bibliografias, são um reflexo e instrumento norteador das práticas docentes, na difícil busca de ensinar não apenas o que se faz, mas como se faz e como se pode fazer. Em relação às referências bibliográficas dos programas dessa disciplina, quando da necessidade de orientação ou referência sobre o “fazer telejornalístico”, docentes e discentes ainda recorrem aos livros escritos por profissionais de TV133, cuja formação prática foi majoritariamente dada no próprio

interior das redações, através do que Melo (2003, p. 174) denomina de “pedagogia do batente”.

Em sua maioria, são organizados também por esses profissionais os poucos manuais de telejornalismo disponíveis, um dos principais materiais utilizados nessa disciplina. Apesar da larga vivência de mercado dos profissionais – que, em alguns casos, também acumulam experiência na graduação e na Pós – a maior parte dos manuais orienta-se por um conceito de manual baseado em “receitas” a reproduzir. Esses aspectos são só alguns ligados ao desafio que é a consolidação de uma pedagogia própria do jornalismo e do telejornalismo especificamente.

De acordo com Antonio Brasil (2012), o ensino do telejornalismo é, para muitos professores, um exercício isolado numa realidade “cara e frustrante”. Quando os alunos põem em prática os conhecimentos acumulados, seja no laboratório (muitas vezes com recursos mínimos ou precários) ou no estágio supervisionado, no mercado ou nas TVs universitárias, é natural que repitam os padrões estabelecidos pela televisão. E o mercado, por sua vez, quando diante da defasagem tecnológica de

133 Uma busca rápida nos planos de ensino das disciplinas voltadas ao telejornalismo nas nossas universidades pode evidenciar a recorrência a tais manuais (Cf., por exemplo, CURADO, 2002; BARBEIRO; LIMA, 2005; PATERNOSTRO, 2006).

alguns profissionais recém-formados, recorre a programas de “reciclagem empresarial”, perpetuando o distanciamento histórico com a universidade.

Daí os esforços de alguns professores, juntamente com os cursos de graduação, pela implantação de experiências como os telejornais universitários, a exemplo da TV UERJ On-line, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, e do TJ UFSC, da Universidade Federal de Santa Catarina. O desafio é sair do modelo de ensino predominantemente expositivo e de simulação para o da reflexão e de experimentação.

Outra medida em benefício do ensino foi a criação de diversas entidades e Grupos de Trabalho e Pesquisa (GTs e GPs) preocupados em desenvolver, aprimorar e fortalecer o jornalismo (e o telejornalismo) enquanto campo profissional e acadêmico. Entre eles: o Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) e, mais especificamente no telejornalismo, a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), com o GP de Telejornalismo; a Associação Latinoamericana de Investigadores da Comunicação (Alaic), com o GT “Estudios sobre periodismo”; a Associação Nacional dos Programas de Pós- Graduação (Compós), com os GTs Estudos de Jornalismo e de Televisão; e a Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), com a rede de Pesquisadores em Telejornalismo, além das várias revistas acadêmicas.

Foi diante do importante papel desses grupos no desenvolvimento de uma pedagogia voltada para a disciplina de telejornalismo, que a presente pesquisa desenvolveu e aplicou um questionário (Ver Apêndice) com professores de várias partes do Brasil, ligados a três desses grupos: o Grupo de Pesquisa em Telejornalismo da Intercom, a Rede de Pesquisadores em Telejornalismo da SBPJor e o Forúm Nacional de Professores em Telejornalismo.

Com o objetivo de traçar um cenário pedagógico desta disciplina em relação às práticas docentes, o questionário, com perguntas do tipo múltipla escolha (alguns contendo a opção aberta “outros”) abordou questões como: 1) grau de abordagem dos diferentes conteúdos relacionados ao telejornalismo; 2) frequência de uso de diferentes métodos de ensino; 3) importância dada a linguagem no plano de ensino; 4) uso de teorias de linguagem; 5) concepção da linguagem em telejornalismo; e 6) bibliografias utilizadas e necessárias.

A partir do questionário, aplicado entre os meses de março, abril e maio de 2015, no qual os participantes foram escolhidos pela sua vinculação a pelo menos um dentre esses três importantes grupos de estudos específicos da área, chegamos a algumas constatações relevantes acerca do ensino da disciplina. Apesar de um número relativamente pequeno de respondentes, 40 no total, consideramos os achados de extrema relevância, por se tratarem de colocações de caráter qualitativo, feitas por professores que estão diretamente envolvidos em grupos de discussões sobre a disciplina, de diferentes universidades do País, e que dispuseram a contribuir para este estudo.

Ao analisar os resultados do questionário, ficou evidente o importante lugar dado pelos professores de telejornalismo à linguagem. Para cerca de 97% dos respondentes a linguagem ocupa um lugar de importância ou muita importância no plano de ensino da disciplina (39). Apenas para uma pessoa (aproximadamente 3% dos respondentes) afirmou que a linguagem tem pouca importância em seus planos de ensino (Fig. 18).

Figura 18- Grau de importância da linguagem no plano de ensino para os professores. Gráfico baseado no questionário elaborado e aplicado pela autora desta tese

Os conteúdos tratados na disciplina também são um reflexo dessa percepção, pois 68% dos professores respondentes disseram ser a “linguagem da reportagem ou do telejornal” o assunto de maior abordagem nas aulas, seguido das “Rotinas de produção e critérios de noticiabilidade” (para 50%), “Formatos de convergência e novas tecnologias” (30%) e “Ética jornalística, objetividade, fontes e teorias da notícia” (25%). O conteúdo de menor abordagem, para 18% dos professores, foi “História,

Muito importante 60% Importante 37% Pouco importante 3%

formatos e linhas editoriais” (Fig. 19). Vale observar que nesta questão mais de um conteúdo poderia ser assinalado.

Figura 19- Ranking dos conteúdos com ampla abordagem segundo os professores. Gráfico baseado no questionário elaborado e aplicado pela autora desta tese

Tendo em vista a importância dada em relação à linguagem entre os respondentes, é relevante apresentar outro aspecto levantado pelo questionário: o que os professores de TJ entendem por “estudo da linguagem no telejornalismo”. Propondo na questão múltiplas escolhas com conceitos prévios do que seria a linguagem, a opção mais assinalada pelos respondentes (Fig. 20), foi a “Construção de sentidos no telejornal”, para 40% deles (16). A segunda mais assinalada foi a “Oralidade, simplicidade e clareza do texto da TV”, por 28% dos professores (11). A terceira mais marcada, por sua vez, foi a “Estruturação do telejornal/reportagem”, por 18% (7) respondentes.

Tais resultados mostram que, apesar da importância dada à linguagem nas práticas docentes na disciplina de telejornalismo, ela ainda é encarada por muitos professores apenas como oralidade. Isso sugere que a linguagem do telejornal, apesar de tratada e privilegiada em sala de aula, pode estar muitas vezes restrita à simplicidade e à clareza do texto na TV, e não estendida para o entendimento dos seus mecanismos mais gerais de organização e produção de sentido.

18% 25%

30%

50%

68%

História formatos e linhas editoriais Ética jornalística, objetividade, fontes e teorias da notícia Formatos de convergência e novas tecnologias Rotinas de produção e critérios de noticiabilidade Linguagem da reportagem/telejornal

Figura 20- Concepção dos professores acerca do que se trata o estudo da linguagem telejornalística. Gráfico baseado no questionário elaborado e aplicado pela autora desta tese

Em relação às teorias de linguagem utilizadas no ensino da disciplina, a de maior uso em comum entre os professores foi a “Análise de Discurso”, assinalada por 65% dos professores. A segunda mais comum utilizada entre eles foi a “Semiótica” e a “Narratologia”, com 33% das respostas. Vale ressaltar que dos 40 professores respondentes, 15% do total (6 deles) não assinalaram nenhuma dessas teorias de linguagem. O que indica que 85% dos respondentes afirma que utilizam ou já utilizaram pelo menos uma das teorias de linguagem indicadas.

Figura 21- Algumas teorias de linguagem utilizadas pelos professores Gráfico baseado no questionário elaborado e aplicado pela autora desta tese

Outra constatação sugerida pela análise das respostas ao questionário foi em relação aos métodos mais frequentemente utilizados em sala de aula (Fig. 22). A

3% 5% 8% 18% 28% 40%

Função fática e discurso no telejornalismo Audiovisual e sincretismo no telejornal Outros Estruturação do telejornal/reportagem Oralidade simplicidade e clareza do texto da TV Construção de sentidos no telejornal

10% 13% 15% 30% 33% 33% 65% Análise conversacional Linguística Conceitos bakthinianos Teorias da enunciação Narratologia Semiótica Análise do discurso

“Elaboração de produtos telejornalísticos pelos alunos” foi o método mais escolhido pelos professores (90% deles); seguido de “Aula Expositiva teórica e técnica” (70%) e “Exibição e análise de produtos telejornalísticos” (70%), empatados. Em penúltimo lugar, ficaram as “Leituras dirigidas”, com 33% das respostas, e em último, “Seminários com alunos ou visitas/palestras externas”, com 15%. Nesta questão também estava aberta a marcação de mais de um item.

Figura 22- Ranking de métodos com uso mais frequente entre os professores. Gráfico baseado no questionário elaborado e aplicado pela autora desta tese

Quanto à bibliografia utilizada na disciplina de telejornalismo, os três principais materiais assinalados no questionário foram (Fig. 23): “Livros escritos por profissionais de telejornalismo” (73%), “Artigos acadêmicos sobre telejornalismo” (65%) e “Estudos do audiovisual e televisão em geral” (63%). Em seguida ficaram os Manuais de telejornalismo (53%) e, por último, as produções dos próprios docentes (45%). 15% 33% 70% 70% 90%

Seminários com alunos e visitas/palestras externas Leituras dirigidas de teóricos e profissionais do telejornalismo Exibição e análise de produtos telejornalísticos Aula expositiva teórica e técnica Elaboração de produtos telejornalísticos pelos alunos

Figura 23- Regularidade no uso das diferentes bibliografias. Gráfico baseado no questionário elaborado e aplicado pela autora desta tese

A partir das respostas aqui reunidas, evidenciamos primeiramente o lugar de destaque da linguagem no ensino de telejornalismo, comprovada não apenas pela afirmação da sua importância pela maioria dos professores (Fig. 18), mas pelos conteúdos ditos mais valorizados no programa da disciplina (Fig.19) e pela declaração do uso de teorias de linguagem pela maioria (Fig. 21).

O levantamento sugere, também, que ainda há uma perspectiva mais limitada no sentido textual da função da linguagem dentro do ensino no telejornalismo (Fig.

20) e – tendo em vista o lugar importante das aulas expositivas e técnicas no

telejornalismo (a segunda mais respondida enquanto método de ensino em sala,

Fig.22), a necessidade de um conteúdo teórico que faça a ponte para o ensino das

práticas, o que nos leva mais uma vez ao enfoque na linguagem.

Já o uso recorrente por livros escritos por profissionais (mostrados na Fig. 23), ao mesmo tempo que mostra uma tendência pelo uso de “receitas do mercado” enquanto modelos importantes de produção, revela a urgência de se olhar criticamente para os produtos telejornalísticos, não apenas pela crítica em si, mas pela necessidade de uma apreensão criativa da linguagem do telejornal, pelo entendimento de uma gramática mais genérica capaz gerar novos usos, arranjos, estratégias e efeitos de sentido no telejornal.

45% 53% 63% 65% 73% Produção própria Manuais de telejornalismo Estudos do audiovisual e televisão em geral Artigos livros e pesquisas acadêmicas sobre telejornalismo Livros escritos por profissionais de telejornalismo