• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO

4.1 A versão pós colonial de “Our History”

4.1.1 Too big to fail, too big to jail

Na ocasião da apresentação do relatório pelo Subcomitê em 2012, executivos do banco foram submetidos a duros ataques pelos senadores. O HSBC pediu desculpas por seus lapsos e disse que reformas foram implementadas desde então. Paul Thurston, executivo-chefe de banco de varejo e gestão de patrimônio, que foi enviado para organizar o correspondente mexicano em 2007, disse ter ficado “horrorizado” com o que encontrou: “o ambiente externo no México foi o mais desafiador que eu já experimentei. Os funcionários do banco enfrentaram riscos muito reais de serem alvo de suborno, extorsão e sequestro [...]" (RUSHE, 2012, p.1).

O relatório destaca as diversas formas de leniência do HSBC frente a todas as evidências de lavagem de dinheiro, incluindo o sistema extremamente relaxado para diligenciamento de clientes e movimentações entre bancos correspondentes (PERMANENT SUBCOMMITTEE ON INVESTIGATIONS OF UNITED STATES SENATE, 2012). O chefe de conformidade do HSBC desde 2002, com mais de 20 anos de casa, pediu demissão antes da apresentação do relatório (RUSHE, 2012).

Em 11 de dezembro de 2012, o HSBC admitiu ter violado o BSA, o International

Emergency Economic Powers Act (IEEPA - Lei dos Poderes Econômicos Internacionais de

Emergência) e o Trading with the Enemy Act (TWEA - Lei de Comércio com o Inimigo). A violação ao BSA decorreu da não manutenção de um programa eficaz de combate à lavagem de dinheiro e da não realização das devidas diligências aos seus correntistas estrangeiros correspondentes, permitindo que, entre 2006 e 2010, traficantes de drogas mexicanos lavassem dinheiro através dos EUA. Já as violação ao IEEPA e ao TWEA decorreram da realização de transações ilegais, entre meados da década de 1990 e 2006, em nome de clientes em Cuba, Irã, Líbia, Sudão e Mianmar, que eram países sujeitos a sanções impostas pelo Office of Foreign

Assets Control (OFAC - Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros) no momento das

transações (DOJ, 2012).

Como resumido e exemplificado pelo procurador-geral adjunto Lanny A. Breuer em sua declaração à imprensa na divulgação do acordo:

O HSBC está sendo responsabilizado por falhas espantosas de supervisão [...] que levaram o banco a permitir que narcotraficantes e outros lavassem centenas de milhões de dólares através de subsidiárias do HSBC e facilitassem centenas de milhões em transações com países sancionados. [...] o Cartel de Sinaloa, no México, o Cartel Norte del Valle, na Colômbia, e outros traficantes de drogas lavaram pelo menos US$ 881 milhões em tráfico ilegal de narcóticos pelo HSBC Bank USA. Esses traficantes não precisavam se esforçar muito. Eles, às vezes, depositavam centenas de milhares de dólares em dinheiro, em um único dia, em uma única conta, usando caixas projetadas para se ajustar às dimensões precisas das janelas dos caixas das agências do HSBC México (BREUER, 2012b, p.1)

Apesar do conhecimento das fragilidades e descontroles do sistema de conformidade do HSBC, mesmo antes da emissão do Cease and Desist Order, em 2010, a lavagem de dinheiro só incomodou os países centrais quando envolveu o tráfico de drogas e o terrorismo, (CHRISTENSEN, 2011, PLATT, 2017), apesar de serem as mesmas estruturas financeiras utilizadas por políticos corruptos ou executivos (BAKER, 2005).

Como parte do DPA assinado com o DOJ decorrente da admissão de culpa, o HSBC concordou em instalar um monitor independente para avaliar as reformas dos controles internos durante o prazo de cinco anos estabelecido para o acordo. Os principais executivos do banco adiaram parte de seus bônus durante esse período e os bônus de vários executivos antigos e atuais, incluindo os dos EUA diretamente envolvidos na época, foram recuperados (DOJ, 2012). Apesar do tamanho da multa, as ações do HSBC na bolsa de valores de Londres subiram 2,8% e os lucros antes dos impostos referentes ao terceiro trimestre de 2012, anunciados um mês antes, alcançaram US$ 3,5 bilhões (RUSHE; TREANOR, 2012), o que reduz a multa como, aproximadamente, dois meses de lucro do banco.

Segundo relatos da imprensa, o procurador-geral adjunto foi duramente questionado sobre o motivo pelo qual as autoridades americanas haviam concordado com um DPA para o banco ao invés de uma execução criminal. Além de rejeitar as acusações de que os promotores não haviam sido duros o suficiente, Lanny A. Breuer alegou que o DOJ havia analisado as "consequências colaterais" de processar o HSBC e, consequentemente, retirar sua licença para operar nos EUA, bem como o custo de milhares de empregos (RUSHE; TREANOR, 2012).

Alguns meses depois, uma equipe do U.S. House of Representatives Financial

Committee (Comitê Financeiro da Câmara dos Representantes dos EUA) iniciaria uma

avaliação sobre a decisão do DOJ de não processar o HSBC ou qualquer um de seus executivos ou funcionários, divulgando o resultado desse trabalho em 2016 em um relatório intitulado: “Too Big to Jail: Inside the Obama Justice Departament´s Decision not to hold Wall Street

Accountable” (Grande demais para a cadeia: dentro da decisão do Departamento de Justiça de

Obama de não responsabilizar Wall Street), elaborado a partir de documentos do processo obtidos após grande insistência junto ao Tesouro norte-americano, bem como de entrevistas com alguns funcionários da época (U.S. HOUSE OF REPRESENTATIVE, 2016).

Nessa ocasião, veio a público, por meio do relatório, a existência de uma carta do chanceler do Tesouro do Reino Unido, George Osborne, em conjunto a então FSA, ao presidente do Federal Reserve (FED – Sistema de Reserva Federal) norte americano, Ben Bernanke, com uma cópia transmitida ao secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner. O chanceler Osborne levantou o clássico argumento de guerra econômica e ação assimétrica, insinuando que os EUA estavam “visando injustamente” aos bancos britânicos ao buscar acordos que eram “três vezes maiores” do que acordos com bancos dos EUA para “violações

comparáveis de sanções”. A carta também alegava que processar uma “instituição financeira

sistemicamente importante” como o HSBC “poderia levar a um contágio” e colocar “implicações muito sérias para a estabilidade financeira e econômica, particularmente, na Europa e na Ásia” (U.S. HOUSE OF REPRESENTATIVE, 2016, p.44).

A conclusão do relatório aponta que os documentos do Tesouro fornecem evidências de que a liderança do DOJ se recusou a seguir a recomendação da sua equipe jurídica para processar o HSBC porque estavam preocupados com o potencial desastre financeiro global sugerido, repetidas vezes, pelo FSA. Logo, há evidências de que o envolvimento do Reino Unido desempenhou um papel crucial na decisão de não se processar o banco (U.S. HOUSE OF REPRESENTATIVE, 2016). E o relatório conclui:

Uma nação governada pelo estado de direito não pode ter um sistema de justiça de duas medidas - um para os maiores bancos e outro para todos os outros.

Consequentemente, na medida em que o DOJ continua a acreditar que certas instituições financeiras são grandes demais para se processar efetivamente, é imperativo que o DOJ informe imediatamente ao Congresso sobre este fato, para que o Congresso possa procurar resolver o problema de “grande demais para a cadeia” através da função legislativa (U.S. HOUSE OF REPRESENTATIVE, 2016, p.33). O relatório anual do HSBC, publicado no início de 2017, informou que o monitor expressou "preocupações significativas" sobre o ritmo das melhorias nos controles de conformidade de crimes financeiros. As questões levantadas incluiriam casos de potencial crime financeiro que o DOJ e o HSBC estariam revisando, bem como os sistemas e controles de deficiências em andamento que, segundo a opinião do monitor, conteriam dúvidas sobre o cumprimento das obrigações sob o DPA. O relatório ainda informa que, para o monitor, “[...] ainda existem desafios substanciais para o HSBC cumprir sua meta de desenvolver um

programa de conformidade de sanções e AML [Anti-Money Laundering – Antilavagem de

Dinheiro] razoavelmente efetivo e sustentável” (HSBC, 2017a, p.66; McCULLOCH, 2017,

p.1).

Sem publicação do detalhamento de quais seriam essas questões (BALL; DAVIES, 2015), em 11 de dezembro de 2017, o HSBC emitiu um comunicado de imprensa, confirmando que o DPA de cinco anos havia expirado nessa data e, visto haver cumprindo todos os seus compromissos, o DOJ entraria com uma ação, pedindo a demissão das acusações diferidas por esse acordo junto às autoridades responsáveis (HSBC, 2017b). Assim se encerrava um capítulo da história que seria alvo de muitas críticas, tanto pela justiça considerada no paradigma “too

big to fail, too big to jail”, quanto pela impunidade de qualquer um dos indivíduos responsáveis

(HARDOUIN, 2017).