O desenho inspirado pela natureza não se constitui em uma novidade na evolução da Arquitetura e de seu desenvolvimento formal, conforme apontam Estevez (2009) e Dollens (2009). Porém, na maioria dos casos, as influências se deram apenas por questões de ordem exclusivamente formal. Um exemplo desse tipo de estratégia, na qual o desenho foi inspirado pela natureza, é o projeto da Cidade das Artes e das Ciências, de Santiago Calatrava115,
inaugurado em 1988 em Valência, Espanha (Figuras 58 e 59):
FIGURA 58: CROQUIS CIDADE DAS ARTES E DAS CIÊNCIAS
FONTE: www.calatrava.com
FIGURA 59: CIDADE DAS ARTES E DAS CIÊNCIAS FONTE: www.calatrava.com
A inspiração do projeto diz respeito à um olho humano e enquanto na Figura 3, à esquerda, podemos observar o croqui que ensaia a mimese proposta, na Figura 4, à direita, podemos observar a obra arquitetônica realizada.
Considerando uma história milenar de espaços e ambiente construídos pelos seres humanos, onde inúmeras aproximações com elementos da natureza foram realizadas, percebe-se que as tecnologias levaram os arquitetos a explorar processos movidos por questões de desempenho, em direção ao entendimento e reprodução do comportamento dos sistemas naturais.
115 Santiago Pevsner Calatrava Valls (Valência, 28 de julho de 1951) é um arquiteto e engenheiro espanhol cujo
trabalho tem se tornado bastante popular nas últimas décadas. Calatrava licenciou-se em arquitetura em 1974. Mudou-se para Zurique para estudar engenharia civil, licenciando-se em 1979 e doutorando-se em 1981. Fonte:
Como destacamos anteriormente, vislumbra-se atualmente um conjunto de estratégias na busca pelo reequilíbrio ou diferentes níveis de equilíbrio, de uma arquitetura contextualizada no meio-ambiente, em constante transformação, privilegiando características de desempenho dentro do processo de projeto.
Uma destas estratégias é a morfogênese, usada em várias disciplinas como geologia, cristalografia, engenharia, urbanismo, arte e também na arquitetura. Inicialmente utilizada na diversidade das ciências biológica, o termo refere-se à lógica da produção de forma relacionada ao padrão de decisões em um organismo, através de processos de crescimento e diferenciação. Morfogênese é o fundamento teórico e corpo de conhecimento relacionado com a evolução da estrutura de um organismo em fenômenos naturais. Estudo da estrutura dos organismos em Biologia e Geologia, o campo tem uma rica base filosófica. Estudos morfogenéticos no projeto envolvem conceitos e investigação científica que possuem implicações teóricas importantes para a geração de forma em projeto. Estes são particularmente relevantes para as teorias e práticas da geração da forma em mídia digital, ou como estes tipos de processos generativos da forma são freqüentemente chamados, morfogênese digital. (OXMAN e OXMAN, 2014.p. 191. Tradução nossa.116)
Trata-se, portanto, de uma abordagem contemporânea que procura identificar características importantes para a evolução dos sistemas através da compreensão dos processos biológicos, ou seja, no entendimento de como os organismos se desenvolvem na natureza e quais são as características que possibiltam que estes processos ocorram.
Segundo Brian Goodwin117 (1994),
As ciências da complexidade conduzem à construção de uma teoria dinâmica de organismos como a fonte primária das propriedades emergentes da vida que têm sido revelados na evolução. Estas propriedades são geradas durante o processo conhecido como morfogênese, o desenvolvimento da forma complexa do organismo adulto desde o seu simples começo, tais como um ovo ou um botão. Durante morfogênese uma ordem emergente é gerada por tipos distintos de processos
116 Do original em Inglês: Morphogênesis is the theoretical foundation and body of knowledge related to the
evolution of structure of an organism in natural phenomena. The study of the structure of organisms in Biology and Geology, the field has a rich philosophical background. Morphogenetic studies in design involve concepts and scientific research that gave significant theoretical implications for form generation in design. These are particularly relevant to theories and practices fo form generation in digital media, or as these type of form generative processes are frequently termed, digital morphogenesis.
117 Brian Carey Goodwin (Montreal, 1931 - 15 de Julho de 2009) foi um reconhecido matemático e biólogo canadense.
Estudou na Universidade McGille emigrou para o Reino Unido, onde se tornou professor de dedicação exclusiva na Open University até a sua apposentadoria em 1992. Goodwin foi um dos fundadores-chave do ramo da biologia matemática conhecida como biologia teórica que se centra nos métodos da matemática e da física para compreender os processos biológicos. Seu campo de estudo foi a morfogênese e a evolução, onde desenvolveu uma avaliação crítica do papel da seleção natural. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Brian_Goodwin. Acessado em 15/08/2012.
dinâmicos em que os genes desempenham um papel significativo, mas limitado. Morfogênese é a fonte de propriedades emergentes evolutivas. (GOODWIN 1994. p. 21. Tradução nossa118.)
É sabido há algum tempo no campo da Genética que a partir do embrião e de seu desenvolvimento, no começo quase todas as células são idênticas. Com o passar do tempo e de sucessivas reproduções ocorre um processo de diferenciação. Esse processo permite uma variação tanto de um ponto de vista formal como funcional para o ser que se forma (parodiando a dicotomia arquitetônica), e o que é mais destacável, sem nenhum tipo de coordenação central. Trata-se de um fenômeno de auto organização.
Apresentamos um exemplo em que é possível observar dois padrões de gênese da forma, ou morfogênese, um primeiro, presente na natureza a partir do desenvolvimento de uma espécie vegetal, e outro, que não apenas mimetiza os aspectos formais do primeiro, mas busca reconstituir seus padrões de comportamento e de desenvolvimento (evolução), via simulação em ambiente digital a partir de programação realizada no programa computacional Processing: (Figuras 60 e 62).
FIGURA 60: MORFOGÊNESE BIOLÓGICA. FONTE: http://wakeup-
world.com/2012/04/04/the-astonishing- geometry-of-nature/
FIGURA 61: MORFOGÊNESE DIGITAL – SOFTWARE: PROCESSING
FONTE: AUTOR – VER: http://youtu.be/xtun6qkgnpu
118 Do original em Inglês: The sciences of complexity lead to the construction of a dynamic theory of organisms as the
primary source of the emergent properties of life that have been revealed in evolution. These properties are generated during the process know as morphogenesis, the development of the complex form of the adult organism from simple beginnings such as an egg or a bud. During morphogenesis emergent order is generated by distinctive types of dynamic process in which genes play a significant but limited role. Morphogenesis is the source of emergent evolutionary properties.
Os estudos sobre a busca por uma entropia negativa que possa contribuir para uma desaceleração em um nível sistêmico, em função do desequilíbrio causado pelos seres humanos especialmente no ambiente construído, poderiam iniciar justamente no entendimento das influências que ocorreram e ocorrem entre meio ambiente e seres humanos, e que são decorrentes dos modos de vida e comportamentos sociais contemporâneos. A morfogênese digital possibilita uma aproximação conceitual em direção ao desempenho, uma vez que permite a mimetização de organismos naturais e a produção de sistemas que resultam em formas a partir das entradas relacionadas ao comportamento e ao conjunto de regras que os determinam e os mantêm enquanto sistemas.
Assim Stanislav Roudavsky119 (2009) define a morfogênese digital:
“Em Arquitetura, morfogênese (“morfogênese digital" ou "morfogênese computacional") é entendida como um conjunto de métodos que emprega meios digitais não como ferramentas representativas para visualização, mas como ferramentas geradoras para a derivação da forma e sua transformação, muitas vezes em uma aspiração de expressar processos contextuais na forma construída. Nesse entendimento inclusivo, a morfogênese digital em arquitetura tem uma relação amplamente semelhante ou metafórica com os processos de morfogênese na natureza, compartilhando com ela a dependência no desenvolvimento gradual, mas não necessariamente adotando ou referindo-se aos mecanismos atuais de crescimento ou adaptação”. (ROUDAVSKY 2009, p. 348-349. Tradução nossa.120)
Mais recentemente, o termo tem sido utilizado para designar uma abordagem de projeto que visa contestar a hegemonia de processos top-down de solução da forma, e substituí-la por uma lógica bottom-up de busca da forma. A ênfase passa a ser, portanto, no processo, onde o desempenho e o comportamento dos materiais tornaram-se centrais para a busca da aparência e do comportamento do produto final e os métodos de representação do mesmo. Se conseguirmos encontrar formas que operam de modo mais eficiente de um ponto de vista estrutural, então poderemos usar os materiais de modo mais econômico e ambientalmente adaptado. Se pudermos conceber formas que se mostram mais eficientes em termos de consumo energético, consumiremos menos energia no aquecimento ou arrefecimento dos
119 Stanislav Roudavski é um artista, arquiteto, designer e pesquisador com interesses em ambientes virtuais
navegáveis expressivos e dramáticos em tempo real, teatro virtual, novas formas de narrativa, arquitetura virtual, e lugar e espaço virtual. Do original em Inglês: Stanislav Roudavski is an artist, architect, designer and researcher with interests in real-time navigable expressive and dramatic virtual environments, virtual drama, new forms of narrative, i tual a hite tu e, i tual pla e a d spa e. Fonte: http://dawhois.com/site/stanislavroudavski.net.html. Acesso em 07/08/2014.
120 Do original em Inglês: I a hite tu e, o phoge esis digital o phoge esis o o putatio al
o phoge esis is u de stood as a g oup of ethods that employ digital media not as representational tools for visualization but as generative tools for the derivation of form and its transformation often in an aspiration to express contextual processes in built form. In this inclusive understanding, digital morphogenesis in architecture bears a largely analogous or metaphoric relationship to the processes of morphogenesis in nature, sharing with it the reliance on gradual development but not necessarily adopting or referring to the actual mechanisms of growth o adaptatio .
nossos edifícios. Em ambos os casos a concepção morfogenética poderia e deverá contribuir para preservar os recursos do mundo.
Ahlquist e Menges (2011) comentam a característica evolutiva possibilitada pela morfogênese digital:
A característica em aberta da computação evolutiva é de particular interesse para a arquitetura, como uma tarefa de design geralmente não pode ser exaustivamente descrita como um problema, mas sim como uma oportunidade para criar novas possibilidades no âmbito de um dado escopo. Aqui, a evolução é mais sobre como encontrar do que pesquisar, sobre a extensão contínua do espaço de busca através de novas soluções que surgem como subproduto da dinâmica evolutiva de mutação, seleção e herança. Desta forma, algoritmos evolucionários, que eram tradicionalmente utilizadas para a otimização, também permitem processos morfológicos performativos, gênese adaptativa, e novidades inerentes a serem investigadas em muitos limites que estão substituindo as experimentações feitas à mão. (AHLQUIST e MENGES 2011, p. 21. Tradução nossa.121)
Percebe-se que o interesse na produção com intermediação do computador associado às preocupações sobre como a Arquitetura poderia promover práticas menos invasivas ao meio ambiente a partir da otimização dos recursos naturais e da potencialização do desempenho, tem também oportunizado mudanças e revisões nas fundamentações teóricas relacionadas aos processos de projeto, ampliando as possibilidades de colaboração entre diversos campos do conhecimento e consequentemente promovendo ampliação dos limites e dos paradigmas teóricos ligados à Arquitetura.