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A BIODIVERSIDADE BRASILEIRA

O termo biodiversidade ficou conhecido após a publicação do livro organizado por Wilson e

Peter ([1988] 1997) há quase duas décadas2. Na verdade, esta palavra já havia sido usada de forma

mais restrita por Bruce Wilcox durante o Congresso Mundial sobre Parques Nacionais, realizado na Indonésia em 1982 (MURPHY, [1988], 1997). O livro de Wilson e Peter deu-lhe mais projeção e, desde então, a palavra passou a ser empregada na literatura científica de maneira exponencial (LEWINSOHN e PRADO, 2003).

A Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), assinada por 178 países, contém 42 artigos. No segundo artigo, que trata da utilização de termos ali utilizados, define diversidade biológica como sendo “a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; isto compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas” (CONVENÇÃO SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA, 1992). A definição de Wilcox é mais abrangente ainda do que a da CDB, pois inclui ‘a variedade de formas

de vida, os papéis ecológicos que elas desempenham e a diversidade genética que contêm

(MURPHY [1988], 1997, página 90). Assim, ‘biodiversidade’ significa não apenas a imensa variedade de vida existente em nosso planeta, mas também a interação dinâmica entre genes, espécies, populações e seus ecossistemas (COIMBRA-FILHO, 1998, WILSON e PETER, [1988], 1997).

A origem da vida no nosso planeta é um assunto que tem despertado o interesse dos filósofos e cientistas desde a Antiguidade. Atualmente, os cientistas dispõem de dados suficientes para sugerir que os microorganismos foram as primeiras formas de vida a colonizar a Terra há cerca de 3,5 bilhões de anos. Foi através de um processo evolutivo longo e gradual que a vida primitiva deu origem a uma diversidade biológica cuja extensão não passa de mera especulação.

O biólogo Edward WILSON ([1988], 1997) afirma que não há maneira de se saber se existem 5, 10 ou 30 milhões de espécies de seres vivos na Terra, uma vez que não existe teoria capaz de predizer qual é realmente esse número. Entretanto, dados compilados por esse mesmo autor indicam que cerca de 1.400.000 espécies de organismos já foram descritas pelos cientistas, dos quais aproximadamente 750.000 são de insetos, 41.000 de vertebrados e 250.000 de vegetais superiores. O restante consiste de outros invertebrados (exceto os insetos já mencionados), algas, fungos, vírus e microorganismos

O fato é que, independentemente desse total, mais da metade dos seres vivos está concentrada nos países com mega biodiversidade: Austrália, Brasil, China, Colômbia, Congo, Costa Rica, Equador, Índia, Indonésia, Madagascar, Malásia, México, Panamá, Peru e Zaire

No território brasileiro existem 55.000 espécies de Angiospermas, ou plantas superiores, (só de orquídeas e gramíneas são conhecidas 2.300 e 1.420 espécies respectivamente). São 483 espécies de Mamíferos continentais, 41 de Mamíferos marinhos, 517 de Anfíbios, 1.662 de Aves, 468 de Répteis, 2.552 de Peixes, 3.154 de invertebrados de águas doces e 83.400 de invertebrados terrestres (BRANDÃO et al., 2003; COIMBRA-FILHO, 1998, GUERRA e NORDARI, 2003, LEWINSOHN e PRADO, 2000, MITTERMEYER, et al. 1992, ROCHA, 2003).

A partir de 1997, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) deu início a um projeto para a avaliação da diversidade biológica no Brasil, no qual especialistas de diversas universidades públicas nacionais apresentaram uma série de estudos detalhados sobre cada grupo de organismos que compõe a biodiversidade brasileira (BRANDÃO et al. 2003; KLACZKO, 2003; LEWINSOHN e PRADO, 2003; MANFIO, 2003; MIGOTTO e MARQUES, 2003; SABINO e PRADO, 2003; SHEPHERD, 2003; ROCHA, 2003). Os primeiros dados obtidos foram organizados e analisados

em 1999 e disponibilizados em 2003 no sítio daquele Ministério. Esta mega biodiversidade está

distribuída em seis biomas, como mostra a Figura 2.1.

O primeiro é a Floresta Amazônica, com uma área de 3,4 milhões de quilômetros quadrados, parte da qual tem sido sistematicamente desmatada, para criação de gado ou plantação de soja. A diversidade biológica dessa região chama a atenção de qualquer biólogo. Numa área de 100 hectares próxima a Manaus, os botânicos encontraram 1652 espécies de vegetais, incluindo 100 totalmente novas, 20 das quais não tinham denominação nem mesmo pela população local. Em uma única árvore foram identificadas 80 espécies de formigas. Existem ainda na Amazônia brasileira mais de 500 espécies de aranhas, 230 de vespas sociais, 1.800 de borboletas, 2.500 de abelhas, 100 de minhocas, 50 de camarões, 1.400 de Peixes, 163 de Anfíbios, 1.000 de Aves e 311 de Mamíferos.

Encontram-se também aí: o maior besouro, com 20 cm; a maior mosca, com 5 cm; a maior libélula, com 15 cm; a maior mariposa, com 30 cm; a maior cigarra, com 9 cm e a maior vespa, com 7 cm.

Abundância de luz, calor e água, ausência de períodos consideráveis de falta de alimento, diversidade de solo, diferentes índices pluviométricos e de altitudes, competição acirrada e constante por nutrientes e uma complexa rede de interação entre os seres vivos, são alguns dos fatores que contribuem para essa variedade única de espécies.

Tudo isso tem levado a mitos tais como que aquela região seria o ‘pulmão do mundo’, ‘o celeiro do mundo’ ou o próprio Eldorado. Na verdade, ocorre o inverso. A Floresta Amazônica atingiu o que os ecólogos denominam ‘clímax’, consumindo todo o oxigênio que produz. Além disso, apesar da exuberância da floresta, o solo da região é extremamente frágil (MEIRELLES FILHO, 2004).

O segundo bioma é a Mata Atlântica, que se estende por cerca de 5000 quilômetros ao longo da costa, através de uma cadeia de montanhas, até 100 quilômetros do oceano Atlântico. Áreas importantes desta região foram destruídas pelo crescimento agrícola e urbano, bem como por madeireiras, ou invadidas pelo turismo e pela indústria. Entretanto, organizações ambientalistas têm conseguido preservá-la em parte nos últimos anos. Exceto por áreas limitadas, a Mata Atlântica nativa está extinta na região sudeste. Vivem nessa região 197 espécies de Répteis, 1020 de Aves, 250 de Mamíferos, 350 de Peixes e 20.000 de Plantas.

O terceiro bioma, conhecido como Cerrado, ocupa uma área de 2 milhões de quilômetros quadrados na região centro-oeste do Brasil (com pequena inclusão na Bolívia). A sua vegetação é semelhante à savana, com árvores escassas e uma camada de grama. A agricultura intensa, a pecuária e o reflorestamento destruíram grande parte da vegetação nativa. O número estimado de espécies de apenas de três ordens de Insetos (borboletas, cupins e formigas), para o Cerrado é de 14.425. Existem ainda 750 espécies de Peixes, 180 de Répteis, 113 de Anfíbios, 800 de Aves, 6.000 de árvores e 195 de Mamíferos.

O quarto bioma é a Caatinga, com 734.478 quilômetros quadrados. Em alguns locais, o solo é pobre, erodido e pedregoso. Esta região apresenta 923 espécies de vegetais, 185 de Peixes, 348 de Aves e 148 de Mamíferos. Entre os Répteis existem 44 espécies de lagartos e 48 de serpentes, 3 de crocodilos, 4 de tartarugas, jabutis e cágados. Os Anfíbios (sapos, rãs e pererecas) são 47 espécies. . Um outro bioma é o Pantanal. Em uma área de 110.000 quilômetros quadrados, existem aí 1.700 espécies de plantas superiores, além de 150 de plantas aquáticas e 200 de gramíneas. São encontradas ainda 263 espécies de Peixes, 132 de Mamíferos, 656 de Aves, 71 de Anfíbios e 187 de Répteis. Entre os insetos existem 1132 espécies só de Lepidópteros (borboletas e mariposas). Finalmente, deve ser considerado o bioma dos Pampas. São 700.000 quilômetros quadrados, dos quais 176.000 estão no Brasil e o restante na Argentina e Uruguai. A região apresenta 400 espécies de Gramíneas, 350 de árvores e 90 de Mamíferos (MAURY, 2003; MEIRELLES FILHO, 2004). A Tabela 2.1 mostra a relação entre a biodiversidade brasileira e a mundial.

TABELA 2.1 Comparação da Biodiversidade do Brasil com a Mundial

ORGANISMO BRASIL MUNDO

VEGETAIS BRIÓFITAS 3.125 14.000 PTERIDÓFITAS 1.200-1.400 9.000-12.000 GIMNOSPERMAS 14-16 802 ANGIOSPERMAS DICOTILEDÔNEAS 20.972 170.984 MONOCOTILEDÔNEAS 9.326 55.662 FUNGOS DE ÁGUA DOCE 414 2.331

ANIMAIS

INVERTEBRADOS DE ÁGUA DOCE 4.318 149.616 INVERTEBRADOS TERRESTRES 83.504 863.270 VERTEBRADOS 7.739 54.393

Compilado de Alvaro e Marques, 2003; Brandão et al., 2003; Lewinsohn e Prado, 2003; Manfio, 2003; Migotto e Marques, 2003; Rocha, 2003; Sabino e Prado, 2003; Shepherd, 2003.

Assim fica claro que uma das grandes preocupações dos pesquisadores é com a perda dessa biodiversidade, pois ela pode ser uma fonte de desenvolvimento científico e econômico. Por exemplo, o emprego de substâncias extraídas de vegetais para o controle de pragas agrícolas, como medicamentos e nas indústrias de perfumes e cosméticos é bem conhecido (ALMEIDA et al. 1998; CORDELL, 1995, 2000; CRAGG et al., 1997; DE SMET, 1997; FERREIRA et al., 2001; FERRO, 2006; MORS et al., 2000a; MORS, 1979; NEGRAES, 2003; NEWMAN et al., 2003; RIZZINI e MORS, 1976; SIMÕES et al., 2003; YUNES e CALIXTO, 2001).

Ehrlich e Wilson (1991), apresentam três razões para preservar o meio ambiente. A primeira, é ética e estética; a segunda é que a humanidade já obteve enormes resultados do uso da biodiversidade como alimentos, remédios e outros produtos industriais e a terceira, a mais importante é a manutenção do equilíbrio entre os organismos que constituem o meio ambiente. Nos

países detentores de uma megabiodiversiadade, contudo, como é o caso do Brasil, a segunda razão apontada por aqueles autores, adquire uma outra dimensão.

Dados obtidos da literatura mostram a utilidade dos fitoterápicos em pediatria, geriatria, câncer, HIV, dermatologia, gastrite, citostático, relaxantes musculares, como laxativos, expectorantes, diuréticos, antiinflamatórios, antimicrobianos, anti-reumáticos, em úlceras, asma, diarréia, na hipertensão, diabetes, imunosupressor, hipotensão, doenças coronarianas. doenças nervosas e contra veneno de cobras (BEDOYA et al., 2001; CHEN et al. 2009; HAMBURGER e HOSTETTMANN, 1991; HÄNSEL e HAAS, 1997; MILLS e BONE, 2000; MENDES, et al. 2008, MORS et al. 2000a, MORS et al. 2000b; MUKHERJEE et al.., 2001; PEREIRA, 1997, ROSSI BERGMAN et al. 1994, 1997; SILVA,. et al. 2006; SCHULZ et al., 2001; VERMANI e GARG, 2002; WEISS e FINTELMANN, 2000).

Estudos envolvendo as plantas medicinais, têm tradicionalmente predominado na literatura em geral (CARVALHO, J.C.T. 2004; CECHINEL FILHO e YUNES, 2009; LIMA, S.M.R.R., 2006; MORAIS e BRAZ, 2007; SILVEIRA e PESSOA, 2005; SIMÕES et al., 2003; YUNES e CALIXTO, 2001; WAGNER e WISENAUER, 2006). Entretanto, a importância da biodiversidade brasileira não se restringe aos vegetais superiores. Trabalhos realizados com feromônios para o controle de pragas agrícolas e de insetos vetores de doenças, (CORRÊA e VIEIRA, 2007; MENDONÇA et al., 2005; MIOT et al, 2004; PIMENTA et al., 2006; RODRIGUES et al., 20005; SILVA, 2006; TREVISAN et al., 2006), atividade terapêutica de cogumelos (OLIVEIRA,O.M.M.F. et al, 2007) e as atividades da própolis como antiparasitária (DANTAS, et al, 2006; FREITAS et al, 2006), antifúngica (SANTOS, V.R et al. 2005), antibacteriana (VELIKOVA et al. 2000) e analgésica e antiinflamatória (PAULINO et al. 2006) são comumente realizadas em diversas universidades

brasileiras. A participação de pesquisadores nacionais em periódicos como o Biochemical

Systematics and Ecology, Journal of Chemical Ecology e o número especial do Journal of the

Brazilian Chemical Society (PILLI e ZARBIN, 2000) testemunha o crescimento do interesse nessa

área.

Finalmente, cabe ressaltar que com 800.000 quilômetros de costa, o Brasil não poderia deixar de explorar os organismos marinhos como vem tradicionalmente fazendo com as plantas. Resultados obtidos nessa área demonstram o seu potencial terapêutico, principalmente algas e esponjas (BERLINCK et al, 2004, COSTA COUTO, 20009; TEIXEIEA, 2009).

De maneira mais concreta pode-se afirmar que o mercado de fitoterápicos é uma realidade mundial. O potencial econômico do uso de medicamentos de origem vegetal, ou de seus derivados, pode ser avaliado pelos seguintes números:

1- Um quilo de taxol, anticancerígeno extraído da casca de Taxus brevifolia, custa US$ 12 milhões (ARNT, 2001); o seu faturamento gera US$ 1 bilhão anuais (KINGHORN, 2000). Dados mais recentes mostram que as vendas do taxol ultrapassaram U$ 9 bilhões até 2002 (ver a Conclusão)

2- O tratamento anual de um paciente portador de doença de Alzheimer (DA) leve custa cerca de

US$ 18.000; para DA moderada, em torno de US$ 30.000 e US$ 36.000 para pacientes com a forma severa da doença. O mercado mundial para essas drogas pode atingir a cifra de US$ 1 bilhão (ARNT, 2001). Pesquisas mostram que plantas brasileiras ou aclimatadas podem ser promissoras neste setor, através da inibição da enzima acetilcoliesterase. O nível da acetilcolina, um neurotransmissor importante na manutenção da memória, está diminuído nos portadores dessa doença, seja por diminuição da produção ou pela sua destruição pela acetilcolinestarasae. Assim, através da inibição da enzima, o nível do neurotransmissor, pode ser mantido. Testes com

Amburana cearensis (amburana, cumaru) e Auxemma glazioviana (pau branco) apresentaram 100%

de inibição da enzima, enquanto que com Lippia sidoides (alecrim-pimenta) e Paullinia cupana

(guaraná) esse percentual foi de 77% e 65% respectivamente (TREVISAN et al., 2003; VIEGAS, Jr. et al., 2004).

3- 60% das drogas aprovadas nos Estados Unidos como anticâncer e antiinfecciosas são inspiradas em fontes de origem natural (CRAGG et al., 1997; NEWMAN et al., 2003).

4- O comércio mundial de fitoterápicos é de US$ 20 bilhões por ano, sendo US$ 7 bilhões na Europa (onde a Alemanha é responsável por 50% desse valor) e US$ 4 bilhões na Ásia. No Brasil esse mercado atinge U$ 160 milhões por ano (FERNANDES, L.R., 2002; SIANI, 2003; VEIGA Jr. et al, 2005).

Esses dados são o suficiente para justificar o investimento nas pesquisas em torno da ‘química de produtos naturais’ no Brasil bem como a proteção da sua biodiversidade.

Contudo, a preocupação com a proteção da natureza no Brasil não chega a ser novidade. Ela já era patente no tempo da monarquia (PÁDUA, 2002). Um dos expoentes do movimento em prol da conservação da natureza brasileira foi José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). Em sua

Viagem Mineralógica na Província de São Paulo (1820), depois de criticar o ‘miserável estado dos

rios Tietê e Tamanduateí como resultado da ignorância dos que querem melhorar o curso desses rios’, escreveu:

“Todas as antigas matas foram barbaramente destruídas com fogo e machado (...). Se o governo não tomar enérgicas medidas contra aquela raiva de destruição, sem a qual não se sabe cultivar, depressa se acabarão todas as madeiras e lenhas, e os engenhos serão abandonados, as fazendas se esterilizarão, a população emigrará para outros lugares, a civilização atrasar-se-á, e a apuração da justiça e a punição dos crimes experimentará cada vez maiores dificuldades no meio dos desertos” (citado por PÁDUA, 2002, página 145).

O processo de desmatamento foi retratado de maneira extraordinária por Félix Emile Taunay em um quadro magnífico e de grandes dimensões, intitulado ‘Floresta Reduzida a Carvão’. O quadro pintado em 1830 encontra-se atualmente no Museu Nacional de Belas Artes

Entretanto, em uma época muito recente a posição oficial do governo brasileiro era exatamente oposta à preservação da natureza. Miguel Ozório de Almeida, embaixador do Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972, afirmou:

“Se fosse possível eliminar da Terra toda a poluição causada pelos países desenvolvidos, não existiria poluição de importância mundial. Mas se eliminássemos toda a poluição que provém diretamente das atividades dos países subdesenvolvidos, ainda assim todos os perigos próprios da poluição continuariam pairando sobre nós, praticamente com a mesma intensidade” (ALMEIDA, 1973; página 25).

Portanto, quem deveria limitar o seu crescimento eram os países ricos, uma afirmação que poderia ser assinada ainda hoje. Por outro lado, o embaixador criticou o debate sobre a necessidade da manutenção do equilíbrio ecológico e os prognósticos sobre a poluição como sendo ‘pseudocientíficos’. E declarou:

“Na verdade, não se trata de conseguir um ‘equilíbrio ecológico’, mas sim, pelo

contrário, de averiguar quais as formas mais eficazes para um desequilíbrio ecológico a

longo prazo. O problema não é exterminar a humanidade agora, em nome do equilíbrio ecológico, mas prolongar nossa capacidade de utilizar os recursos naturais durante o maior tempo possível” (ALMEIDA, 1973, página 25. Itálico no original).

A situação mudou radicalmente com a Constituição de 1988. O seu Artigo 225 diz textualmente:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Desta maneira, o meio ambiente passou a ser constitucionalmente ‘um bem comum do povo’,

que, por isso, tinha o direito não apenas que este fosse sadio, mas o dever de defendê-lo e

preservá-lo.

Entretanto, muito antes da promulgação da Carta Magna, o Brasil já era signatário de uma série de Tratados, Acordos, Protocolos e Convenções em matéria de meio ambiente. Assim, em 1940, foi assinada a Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América Latina; seis anos mais tarde mais tarde, a Convenção Internacional para a

Regulamentação da Pesca da Baleia; em 1951, a Convenção Internacional para a Conservação dos Vegetais. O Brasil assinou ainda acordos ‘Sobre Focas Antárticas’ (1972), ‘Sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção’ (1973), ‘Sobre Madeiras Tropicais’ (1994), ‘Sobre Estoques de Peixes Transzonais e Altamente Migratórios’ (1995), ‘Sobre Proteção e Conservação das Tartarugas Marinhas’ (1996)´. Foram nada menos do que 50 documentos semelhantes que contaram com a participação do Brasil (ATOS INTERNACIONAIS).

A primeira conferência internacional destinada a discutir os problemas ambientais de maneira ampla e global, foi realizada em Estocolmo em 1972. Seguiram-se outros acordos internacionais como os Protocolos de Montreal e o de Quioto assinados em 1987 e 1997, respectivamente, além da Convenção sobre a Diversidade Biológica, cujas negociações foram concluídas em 1992 durante a realização da ECO-Rio.

Contudo, o conceito segundo o qual a natureza existe para o bem-estar dos seres humanos, está intrinsecamente ligado às tradições judáico-cristã e grega. Aristóteles (384-322) foi claro nesse

ponto, quando escreveu na Política :

“Se, então, estamos certos em acreditar que a natureza nada faz sem uma finalidade, sem um propósito, ela deve ter feito todas as coisas especificamente para o benefício do homem” (ARISTÓTELES [340-335], 1985, página 156).

A Bíblia é ainda mais objetiva a esse respeito. Segundo o livro do Gênesis, depois de criar o

homem e a mulher, Deus lhes ordenou: ‘Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a Terra. Dominai os peixes do mar, as aves dos céus e todas as coisas vivas que se movem na terra’. Este conceito, em parte, ainda persiste, a despeito dos esforços em nível mundial.

A destruição do meio ambiente tem sido atribuída a uma característica econômica da qual os ‘selvagens’ estariam isentos. Por exemplo, Darell Posey argumenta que

“O mercado removeu os materiais, as idéias, as expressões de cultura - e mesmo os genes humanos – do seu contexto social e espiritual para convertê-los em objetos de

commodities. Isso mostra não apenas desrespeito com outras culturas, mas também viola

os direitos humanos básicos. A ciência vê a natureza como objeto para o uso humano e exploração. A tecnologia usa a bandeira da ‘objetividade’ para mascarar o aspecto moral e ético que emerge de tal filosofia funcionalista, antropocêntrica (POSEY, 2002, página 3)”.

Em oposição a este comportamento, ele acredita que:

“Embora práticas de conservação e manejo sejam muito pragmáticas, os povos indígenas e tradicionais vêem este conhecimento como emanando de uma base

espiritual. Toda criação é sagrada, e o sagrado e o secular são inseparáveis. A espiritualidade é a forma mais alta de consciência, e a consciência espiritual é a forma mais elevada de conhecimento. Neste sentido, a dimensão do conhecimento tradicional

não é um conhecimento local, mas conhecimento do universal como expresso no local

(...). Para os povos indígenas, os diversos ‘componentes’ da natureza são uma extensão não apenas do mundo geográfico, mas da sociedade humana” (POSEY, 2002; páginas 3, 4. Itálicos no original).

Posey continua afirmando:

“As comunidades indígenas, tradicionais e locais têm utilizado e conservado de maneira sustentável uma vasta diversidade de plantas, animais e ecossistemas desde a origem do

Homo sapiens (...). Os seus locais sagrados atuam como área de conservação de fontes

vitais de água e espécies de animais e plantas pela restrição de acesso e pelo comportamento” (POSEY, 2002; página 6. Itálicos no original).

O argumento de Posey soa como o mito do bom selvagem de Rousseau. Em 1755, o filósofo

suíço Jean-Jacques Rousseau publicou o Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da

Desigualdade entre os Homens, no qual defende a idéia, hoje considerada ingênua, de que ‘os

homens no estado da natureza’:

“não tinham entre si nenhuma espécie de comércio, não conheciam a vaidade, nem a consideração, a estima ou o desprezo, não possuíam a noção do teu e do meu” (ROUSSEAU, [1755], 1999, página 79).

Rousseau descreve a maneira como o via:

“Vejo-o fartando-se sob um carvalho, refrigerando-se no primeiro riacho, encontrando seu leito ao pé da mesma árvore que lhe forneceu o repasto e, assim, satisfazendo a todas as suas necessidades. A terra abandonada à sua fertilidade natural e coberta por florestas imensas, que o machado jamais mutilou, oferece, a cada passo, provisões e abrigos aos animais de qualquer espécie” (ROUSSEAU, [1755 ], 1999, página 58).

Quase um século depois de Rousseau, o chefe Seattle proferiu um célebre discurso em 1854 quando da tentativa do governo americano de comprar terras indígenas. Neste discurso, o chefe teria dito:

“Como é que se compra ou vende o céu? A terra? Para nós é uma idéia estranha (...). Cada pedaço desta terra é sagrado para o nosso povo. Cada brilhante agulha de pinheiro, cada praia, cada neblina na mata escura, cada várzea, cada inseto zumbidor. Tudo é santo na memória e na experiência do meu povo (...). Vocês ensinarão a seus filhos o que ensinamos aos nossos? Que a terra é a mãe? Que o que acontece com a terra acontece com todos os filhos da terra? Isso nós sabemos: a terra não pertence ao homem, o homem é que pertence à terra. Todas as coisas estão interligadas, como o

sangue que nos une a todos. O homem não tece a teia da vida, é apenas um fio. O mal que fizer à teia estará fazendo a si próprio” (citado por RIDLEY, 1996, página 213).

Infelizmente, o ‘discurso’ foi produzido em 1971 por Ted Perry, roteirista da rede de televisão ABC (LOW, 1996; RIDLEY, 1996). Na verdade, a noção de que os aborígines, da América à