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PESQUISA COM FITOQUÍMICA NO BRASIL

PESQUISA COM FITOQUÍMICA NO BRASIL

Apesar do interesse que a biodiversidade brasileira sempre despertou, principalmente no que diz respeito a sua vegetação, o estudo dos seus componentes químicos era dificultado em virtude da carência dos métodos de análise atualmente comuns na maioria dos laboratórios que se dedicam ao assunto. Ainda assim, alguns pioneiros tiveram seus nomes ligados à história da fitoquímica no Brasil. Mors (1997) apresenta um breve panorama sucinto dos trabalhos desenvolvidos por alguns desses homens que se destacaram não apenas na fitoquímica, mas também na química de produtos naturais, tais como Ezequiel Correa dos Santos (1801-1864), Wilhelm Michler 1889), Theodoro Peckolt (1822-1912), João Batista de Lacerda (1846-1915), Pedro Batista de Andrade (1848-1937), Rodolpho Albino Dias da Silva (1889-1931) e outros. Neste capítulo eu faço uma análise mais detalhada dos trabalhos desenvolvidos por eles. Ezequiel Corrêa dos Santos foi um farmacêutico de destaque no século XIX, tanto pelo seu trabalho científico como pelas suas posições políticas radicais. Na biografia dedicada a ele, que

tem por título Ezequiel Corrêa dos Santos: Um Jacobino na Corte Imperial, Basile (2001)

ilustra bem essas características.

Ezequiel nasceu na primeira metade do século XIX, em abril de 1801. Redator de A Nova

Luz Brasileira, na qual combatia a escravidão, o despotismo de D. Pedro I, além de defender o

direito da participação das mulheres na política, a reforma agrária, a idéia de um governo constitucional, republicano e federalista, separação entre a Igreja e o Estado, a extinção da nobreza, um nacionalismo xenófobo e anti-lusitano, e uma ampla liberdade de expressão, de culto e de participação, Ezequiel foi um expoente do liberalismo radical da sua época, tendo sido processado em agosto de 1831, e absolvido em setembro do mesmo ano, por abuso da liberdade de imprensa e por comprometer a segurança pública ao defender o regime republicano. Em recente tese de doutorado Velloso (2007) narra, de forma detalhada, a sua trajetória política e acadêmica.

Formado em Farmácia em 1819, no Rio de Janeiro, Ezequiel trabalhou intensamente em favor da sua profissão. Em 30 de março de 1851, numa solenidade na sede da Sociedade Philarmonica, que contou com a presença de vários ministros do Império, inclusive com a do Visconde de Monte Alegre, José da Costa Carvalho (1796-1860), e que José Messias do Carmo (MESSIAS DO CARMO, 1984a, página 359) identifica, erroneamente, como sendo o

Visconde de ‘Porto Alegre’ (Manuel Marques de Souza, 1804-1875)1. Na verdade, na Ata da Sessão Pública de Instalação da Sociedade pode ler após o registro da burocracia da burocracia de praxe:

“Concluída a leitura desses discursos, o Sr. Presidente da Sociedade tomou dous ricos ramos de flores naturaes que se achavam sobre a mesa e offertou um ao Exm. Sr. Visconde de Monte Alegre, presidente do conselho e ministro do imperio, como representante do ministerio que honrára a sociedade com sua presença dirigindo uma pequena allocução a S. Ex. e pedindo–lhe sua protecçãopara os nobres e uteis fins da Sociedade Pharmaceutica; offereceu o outro ao Ex. Sr. Conselheiro Dr. Jubim presidente da Academia Imperial de Medicina dório de Janeiro como representante da classe medica” (SESSÃO PÚBLICA DE INSTALAÇÃO DA SOCIEDADE PHARMACEUTICA BRASILEIRA, 1851, página 5-6).

Ezequiel foi um dos responsáveis pela fundação da Sociedade Pharmaceutica, a qual

presidiu até falecer em 1864.

Fato importante para a criação da Sociedade foi o surto de febre amarela que ocorreu em diversas cidades do Império em 1849.

Os objetivos daquela Sociedade, como expressos nos seus estatutos, eram, entre outros: ‘o melhoramento, reforma e progresso da Farmácia no Brasil’, ‘ocupar-se, segundo suas forças, de tudo quanto interessa à saúde pública, como seja o exame dos remédios, das substâncias alimentares, das águas potáveis e minerais e tudo o mais com relação à farmácia’, ‘regularizar as fórmulas dos medicamentos mais azados por meio de uma farmacopéia ou código farmacêutico nacional’, ‘criar uma biblioteca na qual se reúnam as melhores obras de farmácia e ciências acessórias (medicina e ciências naturais), as produções literárias das sociedades farmacêuticas estrangeiras e de qualquer outra que interessem aos fins da mesma sociedade’, ‘montar uma drogaria sortida de todos os agentes farmacológicos do país’, montar, logo que possa, um laboratório de química prática para uso e estudo de seus membros’. Em seus objetivos constava ainda a criação de um montepio como forma de ‘garantir a sorte futura de seus membros contribuintes, suas viúvas e filhos, que por circunstâncias não dependentes deles, caírem na indigência’. (ESTATUTOS DA SOCIEDADE PHARMACEUTICA DO BRASIL, 1851, página 56).

Não se sabe ao certo quando a sociedade foi extinta. Entretanto, até 1878, o Almanak

Laemmert exibia em suas páginas a composição da sua diretoria e os seus objetivos.

1 O Visconde de Monte Alegre foi Ministro do Império de 1848 a 1852, tendo substituído o Marquês de Olinda (Pedro de Araújo Lima, 1793-1870) na Presidência do Conselho em 1849. O Visconde de Porto Alegre foi um militar que combateu no final da Guerra Cisplatina e na Revolução Farroupilha.

Posteriormente, foram feitas outras tentativas de se fundar uma Associação Brasileira de Farmacêuticos. Em 1858, Edouard Jules Janvrot fundou o Instituto Pharmaceutico do Rio de Janeiro com objetivo semelhante: ‘promover o progresso e o desenvolvimento da farmácia em toda a sua extensão’. Em 1877, o Instituto promoveu o primeiro Congresso Farmacêutico realizado no Brasil. A terceira tentativa ocorreu em 1894, quando Orlando Rangel e Eduardo

Rabueira fundaram o Centro Pharmaceutico Brasileiro, de curta duração e que não deixou

qualquer publicação. Finalmente, no dia 20 de janeiro de 1916, nos salões do Círculo Católico, reuniram-se os farmacêuticos sob a presidência de Luiz Oswaldo de Carvalho, para a criação da

Associação Brasileira de Farmacêuticos, que existe até hoje (COSTA, 1966).

Voltando a Ezequiel Correa dos Santos. A seu respeito, o historiador Lycurgo dos Santos Filho (1991, volume 2, página 375) o considerou:

“O mais notável farmacêutico brasileiro do século passado [século XX], foi indubitavelmente Ezequiel Correa dos Santos. Em toda a sua vida, bateu-se pelo engrandecimento e por uma farmacopéia nacional”.

Em uma breve biografia dedicada a ele, o historiador da Farmácia João Coriolano de Carvalho (CARVALHO, 1950a, página 134) escreveu: ‘Durante a sua existência foi a maior figura farmacêutica da Academia [Imperial de Medicina]. E ainda: ‘seu nome deve ficar eternamente gravado na História da Farmácia Brasileira pelo isolamento da pereirina, pela fundação da Sociedade Farmacêutica Brasileira e pelo curso de Farmácia ministrado em sua botica’ (CARVALHO, 1950a, página 134), e ele termina o seu trabalho com as seguintes palavras: ‘Glória ao maior Farmacêutico do começo do Brasil Imperial’ (CARVALHO, 1950b, página 156), enquanto Messias do Carmo (1984b, página 373) o chamou de ‘decano e pai da Farmácia brasileira’.

Embora não oficiais, existiam em Portugal durante o século XVIII, várias obras utilizadas pelos boticários sobre a arte de formular medicamentos. Entre essas, podem ser mencionadas a

Farmacopéia Lusitana reformada, de D. Caetano de Santo Antônio, publicada em, 1711; a

Farmacopéia Ulissoponense Galênica e Química, de João Virgier, cuja primeira edição data de

1716, a Pharmacopeia Contrata, escrita em latim pelo médico português Jacob de Castro

Sarmento, em 1749; a Farmacopéia Tubalense Químico-Galênica, do boticário Manoel

Rodrigo Coelho, editada em 1760; a Farmacopéia Dogmática, Médico-química e

Teórico-Prática, de 1772 e de autoria do monge Beneditino João de Jesus Maria e a Farmacopéia

Lisboense ou Composição dos Simplices, Preparações e Composições mais Eficazes e de

podiam se ver a descrição e o modo de preparação de várias drogas vegetais brasileiras, como a copaíba, o jaborandi, a salsaparrilha, o cipó mil-homens e muitas outras (MARQUES, 1999). Entretanto, a primeira Farmacopéia oficial portuguesa só foi promulgada em 7 de janeiro de

1794, por ordem de D. Maria I. Intitulada Farmacopéia Geral para o Reino e Domínios de

Portugal, foi esse Código Farmacêutico que vigorou no Brasil até 1822. A obrigatoriedade do

seu uso foi abolida depois da Independência, mas na falta de outro para substituí-lo, ele continuou a ser empregado. Em discurso proferido ma academia Imperial de Medicina, na Sessão de 30 de junho de 1836, Ezequiel clamava pela necessidade de um Código Farmacêutico e protestava: ‘É esta a Farmacopéia [de 1794] que ainda hoje no trigésimo sexto ano do século 19 nos serve de Código’ (SANTOS, 1836 [1984]).

Em 1833, ele isolou o alcalóide pereirina da casca do pau-pereira, Geissospermum velosii,

(FIGURAS 8.1 e 8.2) e em 1838, começou a comercializá-lo, tornando-se um pioneiro na obtenção de alcalóides. A casca desta árvore era empregada no combate à malária até o início do século XX. Esta atividade, foi verificada por diversos pesquisadores no século XX (ALMEIDA, 2007, ALMEIDA et al. 2007a; ALMEIDA et al. 2007b; CARRARA, Jr e MEIRELLES, 1996; CARVALHO, 1950a, b; LIMA, 2005). Mais de um século depois, em 1958, Rapoport e colaboradores relataram o isolamento de cinco novos alcalóides na casca dessa planta, embora não tivessem detectado a presença da pereirina. (RAPOPORT et al 1958). Nesse mesmo ano Hughes e Rapoport (1958) isolaram um novo alcalóide, a flavopereirina das cascas dessa mesma planta.

Contudo, o pioneirismo de Ezequiel na obtenção da pereirina foi contestado desde o início, tanto no Brasil por dois farmacêuticos franceses radicado no Rio de Janeiro, Jean-Louis Alexandre Blanc e Jean Marie Soullié, como na Europa pelos alemães Cristoph H. Pfaff e Bernard Goss, pelos franceses François Dorvault, Charles Adolphe Wurtz e Pierre Joseph Pelletier e pelo italiano Pietro Peretti (ALMEIDA 2007; ALMEIDA et al. 2007) Por outro lado, Rapoport e colaboradores (1958) atribuem a Otto Hesse, em 1880, o primeiro isolamento daquele alcalóide.

. Martius descreve esta árvore na Flora Brasiliensis e no Sistema de Matéria Médica

Vegetal Brasileira e Frei Vellozo na Flora Fluminensis (ALMEIDA, 2007; ALMEIDA et al.

2007a, ALMEIDA et al. 2007b). Rodolpho Albino fez o mesmo na primeira edição da

Pharmacopeia dos Estados Unidos do Brasil e menciona ainda dois outros alcalóides:

geissospermina e velosina. (DIAS DA SILVA, 1926, páginas 651-652). Gustavo Peckolt

([1918], 1942 páginas 464-465) a considerava como uma das dez árvores genuinamente brasileiras mais úteis na medicina. Para ele, o nome ‘pau-pereira’ derivava da denominação indígena para ‘casca preciosa’.

É oportuno, todavia, destacar que estudos recentes de pesquisadores dos Departamentos de Química Orgânica e de Farmacologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostraram que substâncias presentes no extrato do pau-pereira são capazes de inibir a enzima acetilcolinesterase. Esta enzima é responsável pela quebra da acetilcolina, um neurotransmissor que tem a sua concentração e sua atividade reduzidas nos pacientes portadores da doença de Alzheimer. A inibição desse neurotransmissor, portanto, poderá ser útil no tratamento desta e de outras doenças neurológicas (ALMEIDA, 2007; ALMEIDA et al. 2007; CARRARA Jr e MEIRELLES, 1996; MORS, 1997; LIMA, 2005; VIEGASA, Jr. et al., 2004; SANTOS, 2007).

FIGURA 8.1 O Pau-Pereira. À Esquerda Desenhado por Frei Vellozo e a Direita por Freire Allemão

1FIGURA 8.2 Pau-Pereira.em Sentido Horário, de Cima para Baixo, da Esquerda para a Direita: Árvore, Folhas, Frutos, Sementes, Casca e Xilema 1

Na Exposição Nacional de 1861, Ezequiel apresentou uma coleção de 220 produtos, a maioria extraídos de vegetais obtidos em suas pesquisas, entre os quais a atropina, a cafeína, a ergotina, a narcotina, a santonina, a quinina e o ácido valeriânico. Desses 220 produtos, 52 foram enviados para a Exposição Universal realizada em Londres no ano seguinte (ALMEIDA,

2007; ALMEIDA et al, 2007; BASILE, 2001; CARRARA, Jr. e MEIRELLES, 1996; LIMA, 2005; SANTOS, 2007)

Na mesma época em Ezequiel defendia a criação de uma Farmacopéia Brasileira, Pedro

Luiz Napoleão Chernoviz (1812-1882) publicava o Formulário e Guia Médico, contendo a

descrição dos medicamentos, das doses, as doenças em que são empregados, as plantas medicinais indígenas do Brasil, um compêndio alfabético das águas minerais, a escolha das melhores fórmulas e muitíssimas indicações úteis, por Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, Doutor

em Medicina, Cavalheiro da Ordem de Cristo e Oficial da ordem da Rosa. O título é tão

grande quanto as suas pretensões, sendo mais conhecido como A Grande Farmacopéia

Brasileira (CHERNOVIZ, 1841). O livro, contudo, estava longe de ser uma Farmacopéia no

sentido do real significado desta palavra.. Era mais uma espécie de enciclopédia popular de medicina, química, farmácia e conhecimentos gerais. Seus dois volumes continham conceitos de operações farmacêuticas, pesos, medidas, verbetes contendo descrições de cerca de trinta elementos químicos, desinfecção, borracha, eletroterapia, cigarros medicinais, colchão, condimento, coral, processos químicos (tais como ebulição, esterilização), eletroterapia, hidroterapia, incubadora, feridas, preparação de cerveja, massagem, mar, morte, mosquito, sutura, sangue, sabão, escrita, matéria cerebral, águas minerais, gaze, anti-sépticos, almíscar, cachalotes, cochonilha, âmbar, soro, tartaruga, esporte (natação, jiu-jitsu, tênis), ópio, banha, radiologia, peso da criança, fuligem, esponjas, alcalóides, óleos essenciais, ratos, petróleo, ovos, leite, groselha, ginástica, frio, gargarejo, homeopatia, etc. Descrevia também as propriedades medicinais de mais de 540 plantas brasileiras e estrangeiras (essas nem sempre existentes no Brasil), seus princípios ativos, modo de prepará-las e posologia. Ao tempo em que se refere ao uso do barbatimão nas úlceras, da ipeca como emético e da goiaba nas diarréias (empregos comprovados mais tarde).

Mas a primeira edição da Farmacopéia Brasileira só surgiu em 1926 graças ao trabalho de Rodolpho Albino Dias da Silva. Personagem de enorme importância na história da Farmácia no Brasil e no estudo das plantas medicinais brasileiras, Rodolpho Albino nasceu em 1889 em Cantagalo, a mesma cidade onde, por coincidência, Peckolt exerceu as suas atividades profissionais, graduou-se em Farmácia em 1909 no antigo Curso de Farmácia, então anexo à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi ainda o primeiro presidente da Associação

Brasileira de Farmacêuticos e o primeiro editor do Boletim da Associação Brasileira de

Farmacêuticos. Foi ele o responsável pelo primeiro artigo publicado naquele periódico e com o

qual iniciou a sua vida científica.

Em 1919, ele produziu um longo trabalho sobre as falsas poaias brasileiras para concorrer a uma vaga de Membro Titular da Seção de Farmácia da Academia Nacional de Medicina e em

1923 escreveu uma monografia das Plumbaginaceas brasileiras como tese de concurso para catedrático de Botânica da Escola Superior de Agricultura do Rio de Janeiro, que o próprio autor considera ‘uma modesta contribuiição’ á fisiologia e anatomia daquela família vegetal. Seus trabalhos eram minuciosos, abrangendo nomenclatura, descrição botânica, anatomia vegetal, estudo químico e emprego terapêutico. Ao morrer, deixou uma série de trabalhos inéditos sobre as plantas medicinais brasileiras nativas e aclimatadas, como amuirapuana

(Acanthes virilis), a abútua (Chondodendron platyphyllum), a sapucainha (Carpotroche

brasiliensis), o pipi (Petiveria tetrandra), o cipó caboclo (Davilla rugosa), o chapéu-de-couro

(Echinodorus macrophyllus), a copaíba (Copaifera sp. ), a casca-d’anta (Drymis winteri), a

catuaba (Anemospaegma mirandum) e muitas outras. Algumas dessas plantas já haviam sido

estudadas anteriormente, contudo, Rodolpho Albino lhes acrescentou novos dados farmacognósticos e químicos (DIAS DA SILVA, 1934, 1936a,b,c, 1943, 1989).

Rodolpho Albino fundou também em 1925 a Revista Brasileira de Medicina e Farmácia,

editada pela Casa Granado, empresa da qual foi Diretor Técnico de 1920 até a sua morte em 1931 e onde produziu a sua principal obra, a primeira edição da Farmacopéia Brasileira. Escrita exclusivamente por ele, este trabalho colossal levou 10 anos para ser concluída. Em 4 de novembro de 1926, pelo Decreto 17.509, assinado por Arthur Bernardes, então Presidente da República, e pelo Ministro do Interior e Jus tiça, Affonso Pena Jr., o trabalho de Rodolpho Albino foi adotado oficialmente como o primeiro Código Farmacêutico Brasileiro (JACCOUD, 1989; PEREIRA 1989; PEREIRA et al. 1989). Entretanto, o seu uso só se tornou obrigatório a partir de 15 de agosto de 1929.

No prefácio, Albino protesta contra o uso de dois códigos estrangeiros muito antigos (o português e o francês citados acima) para regulamentar a prática farmacêutica no Brasil e explica os motivos que o levaram a redigir sua Farmacopéia:

“Em vista de tal descaso do poder público, as associações pharmaceuticas e medicas procuraram por mais de uma vez levar avante a organização de nossa pharmacopeia, tendo, porém, fracassadas todas as tentativas por falta de apoio official e devido a impecilhos de toda ordem. O Brasil, porém, que sempre tem sabido hombrear com as demais nações civilizadas em todos os ramos das sciencias, das artes, etc., não podia continuar a ser regido, quanto ao exercício da Pharmacia, por um código estrangeiro, que, embora optimo para o seu paiz, não satisfazia em absoluto as nossas necessidades. Por isso, embora reconhecendo o arrojo de tal iniciativa, resolvemos arcar com a ardua tarefa e alta responsabilidade de redigir o nosso futuro codigo pharmaceutico, fiados em que o nosso grande amor á profissão vencesse todos os obices, transpuzesse todos os obstáculos” (DIAS DA SILVA, 1929, VIII).

De acordo com o levantamento realizado pela professora Maria das Graças Lins Brandão (2006a) e seus colaboradores, as quatro edições da Farmacopéia Brasileira apresentam a seguinte distribuição no que tange às plantas medicinais (Tabela 8.1):

TABELA 8.1 Número de Monografias de Espécies de Plantas Nativas d Aclimatadas em Cada Edição da Farmacopéia Brasileira

EDIÇÃO ANO DE PUBLICAÇÃO Nº DE PLANTAS NATIVAS Nº DE PLANTAS ACLIMATADAS TOTAL 1926 196 (27,5%) 517 (72,5%) 713 1956 32 (15,6%) 173 (84,4%) 205 1977 4 (17,4%) 19 (82,6%) 23 1996-2006 11 (25%) 33 (75%) 44 Fonte: Brandão et al. 2006a

Fica claro por esses dados que apesar de a variação do percentual entre plantas nativas e aclimatadas ter sido relativamente pequena, o número total de plantas medicinais diminuiu drasticamente nas três primeiras edições embora tenha aumentado em quase 100% da terceira para a quarta edição (de 23 para 44).

Fato semelhante ocorreu com a Farmacopéia dos Estados Unidos. A sua primeira edição, editada em 1820, continha 425 plantas, ou 67% do total de 633 itens. Por outro lado, na 32ª edição, de 2009, com 3 volumes, 2 anexos, 3900 páginas, constavam apenas 36 plantas, o que representava menos 2% dos 2.750 itens. (UNITED STATES PHARMACOPEA, 2009).

Outros nomes importantes para a história fitoquímica no Brasil são Wilhelm Michler e João Batista de Lacerda. Michler, foi o primeiro químico de prestígio internacional a vir trabalhar no Brasil. É certo que Peckolt veio antes, mas era um ilustre desconhecido à procura de emprego e, devido a sua importância para a fitoquímica e para as plantas medicinais, seus trabalhos serão abordados com mais detalhes no capítulo 9. O médico João Baptista de Lacerda, abandonou a profissão para se juntar à equipe do Museu Nacional para se dedicar ao estudo da química e da toxicologia de plantas venenosas.. Em 1909, Lacerda publicou uma longa

monografia sobre esse assunto, De variis plantis veneniferis florae brasiliensis, nos Archivos

do Museu Nacional. Apesar do título em latim, o texto está escrito em português. (FERRI,

[1954], 1994; MORS, 1997).

Entretanto, a despeito do pioneirismo desses homens, a pesquisa sistemática, moderna e institucionalizada do que hoje se chama fitoquímica, e de maneira menos apropriada ‘química de produtos naturais’, como disciplina interdisciplinar, teve início no Instituto de Química, posteriormente Instituto de Química Agrícola (I.Q.A.) chamado por FARIA (1997) de ‘uma ilha de competência’.

O Instituto de Química (de Chimica, segundo a ortoografia da época) foi criado pelo artigo 96 da Lei 3454 de 6 de janeiro de 1918, durante o governo de Wenceslau Braz, para

realizar pesquisas, análises e estudos químicos de interesse para a agricultura, indústria e pecuária, e extinto pela Lei 1477 de 26 de outubro de 1962. Idealizado, fundado, organizado e dirigido por Mário Saraiva desde o início até 1937, o Instituto teve a sua origem no Laboratório de Fiscalização da Manteiga (FARIA, 1997; RHEINBOLDT, [1954], 1994).

Vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, o Regulamento do Instituto deixa clara a sua origem: dos seus 75 artigos 34 referem-se à manteiga (análise, fiscalização, composição, comercialização, embalagem). O Regulamento também estabelecia como se daria a admissão, atribuições e salários de todos os seus servidores (diretor, assistentes, ajudantes, fiscais, inspetores e serventes).

O Instituto também realizava análises de outros produtos tais como água, açúcar, adubo, álcool, algodão, areia, argila, arroz, aveia, azeite, babaçu, banha, batata, carne em conserva, carvão, cevada, condimentos, corantes, couro, doces, feijão, farinha, fécula, forragem, glicerina, grafita, inseticida, lixívia, margarina, petróleo, queijo, vinhos, sal e ainda terras aráveis. Assim, apesar de ter sido criado com o objetivo de fiscalizar a manteiga, toda ela importada até 1920, as análises realizadas com outros produtos superaram aquelas. Por exemplo, em 1922 foram feitas 158 análises com arroz, 349 com feijão, 156 com milho e apenas 6 com manteiga. As análises eram solicitadas por particulares ou para atender às necessidades desses.

Em 1922, foram construídos cinco novos laboratórios (um para o preparo de amostras, um para os aparelhos destinados ao doseamento de nitrogênio, uma oficina mecânica, um para compressores e um para a instalação de um aparelho destinado ao estudo da bioquímica da alimentação de animais).

O Regulamento do Instituto (artigos 3 a 16) também previa a realização de cursos destinados à preparação de técnicos capazes de exercer essas tarefas. Esses cursos estavam divididos em ‘cursos de cunho rigorosamente científico, destinados a formar químicos profissionais, e cursos abreviados, destinados a pessoas que, não dotadas de conhecimentos gerais e científicos, desejassem pôr-se ao corrente, de modo exclusivamente prático, de