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Biografia e ideologia em finais do século IV:

a H

istória

a

ugusta

e a figura controversa de Adriano

José Luís Lopes Brandão Universidade de Coimbra

Resumo: Atribuída pela erudição moderna a um só autor que escreve em finais

do século IV, a História Augusta reflecte uma ideologia imperial que reverencia os Antoninos. A análise da Vida de Adriano mostra uma síntese de contrastes de carácter que patenteia um ideal de cariz pró-senatorial no que respeita ao comportamento dos imperadores e que põe em relevo as virtudes augustanas e os correspondentes vícios do principado. Apesar das suas contradições de carácter, Adriano poderá representar um modelo didáctico do carácter universalista e ecléctico do poder imperial para a época em que o autor escreve.

Palavras-chave: Biografia, Antoninos, Adriano, Império Romano.

Abstract: Assigned by modern scholarship to a single author who writes by

the end of the fourth century AD, the Historia Augusta reproduces an imperial ideology reverencing the Antonines. The analysis of the Life of Hadrian reveals a synthesis of character contrasts representing an ideal of senatorial influence in what concerns the emperor’s behaviour, and emphasises the Augustan virtues and corresponding vices of bad emperors. In spite of personality contradictions, Hadrian could symbolize for the author’s epoch a didactic pattern of the universalism and eclecticism of imperial power.

Key words: Biography, Antonines, Hadrian, Roman Empire.

Por finais do século IV, muito provavelmente, um autor, oculto, segundo parece, sob a capa da autoridade de diversos nomes, procurava apresentar uma história de Roma Imperial em que juntava ficção e realidade. Desengane-se o leitor de julgar que o texto foi escrito no tempo de Diocleciano, ou Constantino, imperadores invocados em algumas Vidas. Desde finais do século XIX, na sequência dos estudos de Dessau que a maioria dos críticos aceita como verosímeis os indícios que apontam para uma redacção posterior àqueles imperadores1: do tempo de Juliano, do

último quartel ou mesmo da última década do século IV2, suspeita que é

apoiada em referências a realidades que parecem ser do final do séc. IV. Outros há que a arrastam para o início do século V, ou mesmo para o VI.

1 O possível uso, por parte do autor da HA, de Eutrópio (em Marc. 17.2 ss) e a cópia de Aurélio Victor (em Sev. 17.5 ss) faz arrastar, como notara Dessau, a data da composição para depois de 360. Vide Barnes 1995 4; 12.

2 Para uma síntese das propostas de datação de Dessau, Hartke, Alföldi, Shwartz, Chastagnol, Cameron, Syme, Baynes, vide Honoré 1987 156, 159 e ns. 8 e 9; Birley 2003 138-140. Mommsen defendeu a época de Constantino, e Momigliano manteve uma cautelosa atitude de reserva.

E desengane-se de esperar uma história verídica: os estudiosos têm posto a nu factos de ficção e documentos forjados. O próprio autor confessa que lhe foi dada pelo prefeito Júnio Tiberiano (prefeito da cidade em 291-292 e 303-304) carta branca para mentir, já que assim procederam historiadores admirados pela sua eloquência3. Não se pode dizer que seja propriamente

uma falsificação, mas uma espécie de género diferente que se aproxima do romance4, ou de literatura didáctica para a altura em que foi escrita5. A ficção

estender-se-á à criação de documentos, que levantam suspeitas por serem mais abundantes precisamente nas Vidas mais obscuras. As Vidas secundárias, de imperadores de transição ou usurpadores, tornam-se naturalmente mais passíveis de ficção. De resto, a ordem da redacção também não parece ser a das Vidas tendo em conta, por exemplo, que há invocações a Constantino que aparecem antes de outras a Diocleciano. Apesar das muitas tentativas de solução, as dúvidas abundam6.

Concorde parece ser a ideia de que é obra de um só autor, e não dos seis que assinam as Vidas: Élio Esparciano, Júlio Capitolino, Vulcácio Galicano, Élio Lamprídio, Trebélio Polião e Flávio Vopisco. Provam-no as semelhanças técnicas, o mesmo tipo de documentos forjados, as mesmas variações de estilo, a homogeneidade linguística e temática patente nos próprios prefácios dedicados (fingidamente) a Diocleciano e Constantino7. Os diversos nomes

que assumem a autoria das várias secções até podem ser falantes. Uma chave de interpretação pode ser a conexão estabelecida entre o nome e o carácter de certos biografados8.

Em suma, os problemas levantados pela HA são tão intrincados que parecem não ter solução à vista. É grande a especulação e difícil controlar o que é verosímil. Porém, escudamo-nos na autoridade de nomes como o de Ronald Syme ou A. R. Birley. Além disso, HA é a fonte mais importante para os imperadores do II e III séculos. O modelo é Suetónio e as regras as

3 ‘Scribe’, inquit, ‘ut libet. Securus quod velis dices, habiturus mendaciorum comites, quos historicae eloquentiae miramur auctores’ (Aur. 2.2). Vide Birley 2003 146.

4 Algo como “mythistoria”, dirá Syme 1972 123, conceito que aparece unicamente em dois passos da Historia Augusta: Macr. 1.5 e Quadr. Tyr. 1.2. .

5 Para Honoré 1987 156-176 é um exemplo de história esópica, com objectivos didácticos para a altura em que terá sido escrita: última década do séc. IV

6 Vide Momigliano 1954 25-26; Syme 1972 127-128; Birley 2003 133ss.

7 Vide Hengst 1981 11-14; Birley 2003 137. Segundo Honoré 1987 166 ss, é obra de um oficial do escritório do prefeito da cidade.

8 Avídio conectado com auidus (A. Cass. 1.7); Probo com probus (Prob. 21.4), entre outros. Vide Honoré (1987) 170ss. Para este autor, por exemplo, Spartianus é severo, ‘espartano’, portanto para imperadores hostis ao senado; Capitolinus liga-se ao Capitólio e por isso ao senado; Lampridius é frívolo, para imperadores frívolos; Vulcácio Galicano lembra Vulcácio Rufino, rebelde da Gália, e portanto faz a biografia de Rebeldes. Há quem veja sinais de humor nos nomes de Trebélio Polião e Flávio Vopisco. Vide Birley 2006 25-27.

da biografia. Mas desde logo gera alguma perplexidade o facto da narrativa começar a meio da dinastia, por Adriano e não por Nerva. Se as Vidas de Nerva e Trajano se não tiverem perdido, também este começo poderá esconder uma intenção. Mas a resposta a tal questão não será fácil. Pelo menos um prefácio deve ter-se perdido9.

Questão debatida é também a intenção do autor, que, por conseguinte, dependerá da data da redacção. O autor pode ter escrito, ou ditado (como se diz em Tyr. Trig. 33.8), simplesmente para se divertir a si e aos amigos. Mas a perspectiva é claramente senatorial: o autor é um senador e exalta o papel dos senadores, denominados principes mundi (Prob. 11.2)10. Vários

estudiosos têm observado que a HA privilegia a experiência de governação e o paganismo contra a monarquia hereditária e o cristianismo (através de uma projecção retrospectiva de questões do tempo da redacção)11, assim como

repudia eunucos e burocratas12. Por um lado, pela admiração por Diocleciano

e consequente hostilização da sucessão hereditária, parece estar a pensar em Constâncio I e seus descendentes; por outro, o temor dos imperadores jovens facilmente manobráveis13 e a condenação da ignorância daqueles

que se encontram fechados do mundo14 fazem-nos imediatamente pensar

em Arcádio, dominado por Rufino, e Honório, sob a influência do vândalo Estilicão, se aceitarmos uma data de redacção posterior a 395, ano em que estes “assumiram” o império (dividido entre Oriente e Ocidente) por morte do pai Teodósio. Parece, por isso, provável que a HA tenha sido redigida entre 395 e 405, como sustenta Birley (2005 144).

Observa-se por parte da HA um fascínio pelo nome de Antonino, visível na forma de transmitir a adopção do apelido por parte de vários dos Severos: uma reverência de que os estudiosos têm em vão procurado esclarecer a razão;

9 Vide Birley 2006 21-22. 10 Vide Birley 2003 140-141.

11 Segundo Honoré 1987 158-162 a HA parece apoiar, um século depois da tetrarquia de Diocleciano, as pretensões de Eugénio no Ocidente contra as de Honório, filho de Teodósio, estabelecendo assim uma analogia entre Teodósio e Constantino que abandonara a tetrarquia. Assim, as dedicatórias a Diocleciano destinar-se-iam a Eugénio, e, depois, as invocações a Constantino pensavam em Teodósio vencedor, a quem o autor recomendava os méritos dos líderes vencidos, Máximo e Eugénio sob os nomes de Lucílio e Maxêncio (Heliog. 35.4). Depois o autor passou a dedicar as Vidas a magnatas não identificados. As mudanças politicas que levaram a estas alterações ocorreriam em 394-395. Além do elogio da tetrarquia, poderão existir sinais de paródia de Constantino (Heliog. 3.4-5) e da Bíblia. Há quem veja nas Vidas de Heliogábalo e de Alexandre Severo retratos codificados respectivamente de Constantino e Juliano o Apóstata. Vide Birley 2005 143-44 e 2006 24-25.

12 Vide Syme 1978 179 -180.

13 Dii auertant pueros principes et patres patriae dici impuberes et quibus ad subscribendum magistri litterarii manus teneant, quos ad consulatus dandos dulcia et circuli et quaecumque voluptas puerilis invitet. (Tac. 6.5).

mas, mais do que a natural veneração para com Pio ou Marco, parece ser a dinastia como um todo que move a curiosidade do autor15. Ora os Antoninos

são conhecidos por basearem a sucessão no sistema adoptivo, que permitia, teoricamente, a escolha do melhor: são explicitamente apontados como modelos de imperadores que usaram a experiência que a idade confere16; e o

governo conjunto de Marco Aurélio e Lúcio Vero é considerado pelo autor como uma prefiguração do esquema implementado por Diocleciano, como veremos. Cómodo, pelo contrário, é a prova da falência do sistema hereditário, até porque, segundo a HA, há dúvidas de que seja filho do antecessor e herde, portanto, o seu carácter (Marc. 19.1-7); e é também um imperador moço. Por outro lado, os Antoninos pertencem ao período de apogeu e estabilidade, um tempo de saúde do Império Romano, e incluem as melhores referências para o ideal imperial que o autor quererá transmitir. Valores morais e políticos como

virtus, clementia, iustitia e pietas, alardeadas desde o principado de Augusto,

consagraram um ideal imperial que se vê que continua válido no momento da redacção, para a apreciação do governo dos imperadores17.

Do ponto de vista historiográfico, as Vidas que vão de Adriano a Marco Aurélio, apresentam-se como as mais fidedignas, no que respeita a pessoas, a datas e a instituições18. Propomos, então, centramo-nos na Vida de Adriano,

considerada a melhor da HA19. Cerca de duzentos e setenta anos separarão a

sua redacção do trabalho de Suetónio, se aceitarmos que a HA é obra de finais do séc. IV. Mas o esquema do biógrafo dos Doze Césares reconhece-se na estrutura, que podia até já estar nas fontes20. Assim temos essencialmente dois

relatos cronológicos no início e no fim; e, no meio, a análise per species.

A Vida começa com a habitual referência, breve e desconexa21, aos

antepassados e local de origem (1.); passa pela habitual menção da data e local do nascimento (2.1) e depois relata a carreira e as vicissitudes que levaram à adopção de Adriano, em 117. A narrativa centra-se depois na actividade

15 Como sustenta Hengs 1981 28-35.

16 Nas aclamações do senado a Tácito, é evocada a idade dos Antoninos como garante da experiência: Post haec adclamationes senatus haec fuerunt: “Et Traianus ad imperium senex venit.” dixerunt decies. “Et Hadrianus ad imperium senex venit.” dixerunt decies. “Et Antoninus ad imperium senex venit.” dixerunt decies. “Et tu legisti: ‘Incanaque menta regis Romani.’ “ dixerunt decies. “Ecquis melius quam senex imperat?” dixerunt decies (Tac. 5.1-2).

17 Vide Béranger 1976 38-41; Momigliano 1954 35; Poignault 1991 205. 18 Vide Barnes 1995 5.

19 Vide Callu 1992 3. Parece estar construída sobre boas fontes, a julgar pelas personalidades que refere (boas listas de cônsules e dos cônsules por mais que uma vez; lista completa dos prefeitos do pretório). Vide Pflaum 1970 173-199.

20 Para Syme 1972 125 a fonte principal até Caracala seria um ignotus. Talvez Mário Máximo, bastante citado, que terá continuado a obra de Suetónio, escrevendo a vida de outros doze Césares: de Nerva a Heliogábalo. Barnes 1967 66.

governativa (5.1-9.9) e nas viagens (10.1-14.7) de 118 a 135. Na parte central, figuram as rubricas descritivas (14.8-22.14). Entra-se depois na narrativa final, referente aos anos 135 a 138, que inclui a degeneração e a morte (23.1-25.10). Além da menção da duração da vida e do governo (25.11), deslocam-se para depois da morte, como no caso de algumas Vidas de Suetónio, as rubricas referentes ao retrato físico (26.1), desporto e cultura (26.2-5), presságios da morte (26.6-10), apreciação dos súbditos e a consagração (27)22.

Adriano apresenta-se controverso à partida. Se em algumas Vidas da HA aparece, no geral, como bom imperador (A. Cass. 2.5-6; 8.6; Prob. 22.1-4), já na Vida do próprio é ensombrado por muitas pechas, contraste que revela duas tradições: uma favorável e outra desfavorável23. Como resultado, no espectro

de Vidas, que vai de imperadores muito maus como Cómodo ou modelos como Pio e Aurélio, Adriano apresenta -se como uma abertura de síntese de contrastes desconcertantes.

Diz -nos Esparciano, o suposto autor desta Vida, que Adriano, ao consultar as Sortes Virgilianas, numa altura em que estava apreensivo sobre o seu futuro, lhe saíram uns versos da Eneida (6.808-812) que o apresentam como modelado sobre a figura de Numa: nosco crines incanaque menta / regis Romani, primam

qui legibus urbem / fundabit («reconheço os cabelos e a barba encanecidos do rei

romano, que será o primeiro a fundar a cidade sobre as leis») (2.8). A consulta de oráculos insere-se perfeitamente na linha de Suetónio e atesta o significado que tais previsões teriam em finais do séc. IV, para um autor que quererá reafirmar as tradições pagãs, numa época em que estas cediam ao cristianismo, como os críticos têm salientado. O aspecto físico (Adriano inicia o uso da barba entre os imperadores) contribui para a assimilação à piedade do segundo rei, o que atesta o uso por parte do autor de elementos da propaganda de Adriano que o apresentavam como exemplo de guardião e restaurador das instituições religiosas tradicionais romanas24. Por outro lado, usar barba (como

se sublinha no retrato físico: 26.1) é característica do imperador maduro25, por

oposição aos imperadores moços, odiados pela HA.

Se esta dinastia se caracterizava por basear a sucessão no sistema adoptivo, que visava a escolha do melhor, no que toca a Adriano, o autor, sem descurar os numerosos feitos que lhe trouxeram nomeada (3.6), salienta o retrato de um ambicioso que não olha a meios, ao ponto de se entregar ao vinho para obsequiar os costumes de Trajano, como ele próprio admite na sua autobiografia perdida (3.3), e de corromper os catamitos do imperador, tendo inclusive comércio

22 Vide J-P Callu 1992 5-7.

23 Vide Poignault 1991 204-205; Benario 1980 4.

24 Propaganda também reflectida em Aurélio Victor, Caes. 14.2. 25 Como se salienta na Vida do imperador Tácito (5.1).

carnal com eles (4.5). Muito deve ao favor da imperatriz Plotina (4.1; 4.4)26.

Mas, por intermédio dela, Adriano transforma -se num presumível usurpador:

Frequens sane opinio fuit Traiano id animi fuisse ut Neratium Priscum, non Hadrianum, successorem relinqueret, multis amicis in hoc consentientibus, usque eo ut Prisco aliquando dixerit: “commendo tibi provincias, si quid mihi fatale contigerit.” Et multi quidem dicunt Traianum in animo id habuisse, ut exemplo Alexandri Macedonis sine cero successore moreretur, multi ad senatum eum orationem voluisse mittere petiturum, ut, si quid ei evenisset, principem Romanae rei publicae senatus daret, additis dum taxat nominibus ex quibus optimum idem senatus eligeret. Nec desunt qui factione Plotinae mortuo iam Traiano Hadrianum in adoptionem adscitum esse prodiderint, supposito qui pro Traiano fessa voce loquebatur

«Foi sem dúvida voz corrente que Trajano tinha a intenção de deixar como sucessor Nerátio Prisco27, e não Adriano, no que era secundado por diversos amigos, ao ponto de ter dito certa vez a Prisco: “confio-te as províncias, se me acontecer alguma fatalidade”. E muitos afirmam até que tinha a intenção de, a exemplo de Alexandre da Macedónia, morrer sem indicar claramente um sucessor; outros tantos afirmam que ele queria dirigir ao senado um discurso a pedir que, se algo lhe acontecesse, o senado desse um imperador ao Estado Romano, acrescentando, quando muito, nomes, de entre os quais o mesmo senado escolheria o melhor. Não falta quem demonstre que Adriano foi agraciado com a adopção, já Trajano estava morto, graças ao poder de Plotina, por recurso a um imitador que falou por Trajano com voz débil.» (Hadr. 4.8-10).

Fica a suspeita de que as intrigas do palácio se sobrepuseram à ideologia senatorial da escolha do melhor28.

De facto, a HA concede aos usurpadores a honra da biografia – tal acontece pela primeira vez com Avídio Cássio, que se rebelou contra Marco Aurélio. O facto de Adriano se apresentar como um misto de legítimo e de usurpador faculta, segundo Meckler, um ponto de partida adequado para uma obra que questiona o verdadeiro status do imperador29. A dúvida no que respeita

a Adriano pode justificar que também se incluam na HA os usurpadores de facto.

Ora talvez a principal diferença entre imperadores e usurpadores (tyranni) seja que os primeiros saíram vitoriosos e os outros não, como se sugere no iníco da Vida de Pescénio Nigro; e o que acontece é que os feitos

26 Díon Cássio (60.10.3) transforma o favor em amor. Vide Poignault (1991) 210.

27 Famoso jurista que participou no consilium principis de Adriano. As suas obras foram usadas nos Digesta de Justiniano.

28 Como nota Poignault 1991 210. Díon Cássio (69.1.1-3) é ainda mais assertivo: para ele foi tudo manipulação de Plotina e do prefeito Atiano.

dos perdedores são distorcidos, suprimidos ou esquecidos30, e mais ainda na

anarquia militar que se seguiu ao fim dos Severos (em 235). Trabalho nada fácil é fazer a história dos perdedores, dos que não tiveram a honra de ser reconhecidos pelo senado ou que foram rapidamente assassinados, reitera-se31.

Assim, a HA apresenta-se como uma história de vencidos e vencedores32

omnes qui imperatorum nomen siue iusta siue iniusta habuerunt («todos os que

por direito ou não detiveram o nome de imperadores») (A. Cass. 3.3), porque se Constantino diz que é a fortuna que faz o imperador (Heliog. 34.4), a HA advoga que a fortuna não está sempre do lado da justiça33. O autor quase que

se propõe, assim, no final do Séc. IV, reescrever a história, pelo que assume a diferença em relação a antecessores, como Suetónio e Mário Máximo, e cita-se a si mesmo como um criativo predecessor, se aceitarmos que o nome de Trebónio Polião (e dos outros autores) é fictício, como muitos actualmente pensam34. A história da aclamação dos imperadores tinha-se

complicado muito desde Suetónio. As lutas civis de 68-68 apenas podiam prefigurar um pouco da complexidade da anarquia militar que se seguiu à queda de Alexandre Severo.

Também controverso em Adriano é o corte com a política expansionista de Trajano: Adeptus imperium ad priscum se statim morem instituit et tenendae

30 P. Niger 1.1-2. Rarum atque difficile est ut, quos tyrannos aliorum uictoria fecerit, bene mittantur in litteras, atque ideo uix omnia de his plene in monumentis atque annalibus habentur. Primum enim, quae magna sunt in eorum honorem ab scriptoribus deprauantur, deinde alia supprimuntur, postremo non magna diligentia in eorum genere ac uita requiritur, cum satis sit audaciam eorum et bellum, in quo uicti fuerint, ac poenam proferre.

31 P. Niger 9.1-2: Haec sunt, Diocletiane maxime Augustorum, quae de Pescennio didicimus ex pluribus libris. non enim facile, ut in principio libri diximus, quisquam uitas eorum mittit in libros, qui aut principes in re publica non fuerunt aut a senatu appellati non sunt imperatores, aut occisi citius ad famam uenire nequiuerunt. Inde quod latet Vindex, quod Piso nescitur, quod omnes illi qui aut tantum adoptati sunt aut a militibus imperatores appellati, ut sub Domitiano Antonius, aut cito interempti uitam cum imperii usurpatione posuerunt.

32 Heliog. 35.7: Non enim ego id faciam, quod plerique scriptores solent, ut de his detraham, qui uicti sunt, cum intellegam gloriae tuae accedere, si omnia de illis, quae bona in se habuerint, uera praedicaro.

33 Cf. Car. 3.6-7.

34 Quadr. Tyr. 1. Minusculos tyrannos scio plerosque tacuisse aut breuiter praeterisse. nam et Suetonius Tranquillus, emendatissimus et candidissimus scriptor, Antonium Vindicemque tacuit, contentus eo quod eos cursim perstrinxerat, et Marius Maximus Auidium Marci temporibus, Albinum et Nigrum Seueri non suis propriis libris sed alienis innexuit. 2 Et de Suetonio non miramur, cui familiare fuit amare breuitatem. Quid Marius Maximus, homo omnium uerbosissimus, qui et mythistoricis se uoluminibus implicauit, num ad istam descriptionem curamque descendit? 3 Atque contra Trebellius Pollio ea fuit diligentia, ea cura in edendis bonis malisque principibus ut etiam triginta tyrannos uno breuiter libro concluderet, qui Valeriani et Gallieni nec multo superiorum aut inferiorum principum fuere temporibus. 4 Quare nobis quoque, etiamsi non tanta non tamen minima fuerit cura, ut, dictis Aureliano, Tacito et Floriano, Probo etiam, magno ac singulari principe, cum