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4.1 – Tribologia

A tribologia consiste na ciência que estuda os fenómenos do atrito, desgaste e lubrificação de sistemas em que superfícies com movimento relativo se contatam [28]. Os três termos atrito, abrasão e erosão são utilizados na literatura dentária para descrever o desgaste de dentes e materiais dentários. O atrito descreve o desgaste em locais de contacto entre dentes; o conceito de abrasão é utilizado para desgaste em locais sem contacto e erosão descreve a perda de material atribuído a efeitos químicos (Figura 12). Estes termos são bastante diferentes dos termos de engenharia utilizados em tribologia para descrever processos similares de desgaste uma vez que estes descrevem as manifestações clinicas em vez de descreverem os mecanismos de desgaste [29].

Figura 12- Fenómenos tribológicos em ambiente oral classificados de acordo com a literatura dentária: A- abrasão, B- Atrito e erosão [30]

No presente estudo é dada preferência à terminologia de engenharia para descrever os conceitos de tribologia. Assim, sob o ponto de vista de engenharia, o desgaste por abrasão é o tipo de desgaste mais comum. Com efeito, a uma escala microscópica nenhuma superfície é completamente lisa, sendo constituída por uma distribuição aleatória de picos e vales formando as asperidades. Dependendo da micro-rugosidade das superfícies são originados micro contactos cujo número e dimensão determinam a área real de contacto. Quando ocorre contato entre superfícies de diferente dureza, as asperidades da superfície mais dura comportam-se como protuberâncias abrasivas. Dependendo da presença ou não de partículas soltas na interface de contato, a tribologia distingue dois tipos de abrasão: abrasão a dois corpos e abrasão a três corpos [31].

A B

4.2 – Comportamento tribológico da dentição natural

O ambiente oral tem um papel extremamente importante no comportamento tribológico tanto da dentição natural como artificial. Neste ambiente ocorrem vários fenómenos, entre eles a abrasão [32].

Na medicina dentária a definição de abrasão consiste no atrito entre dente ou restauro e um agente exógeno causando uma forma de desgaste que normalmente é resultante de interações a três corpos. A fricção e abrasão podem resultar do contacto direto entre os dentes e quaisquer partículas abrasivas durante a mastigação e escovagem. Os benefícios da escovagem são muito maiores que as desvantagens, no entanto a abrasão pode ocorrer como resultado de uma escovagem demasiado agressiva e a utilização inapropriada de fio dental. A abrasão é dividida em diferentes categorias: abrasão patológica onde ocorre perda do tecido dentário de forma não natural através de processos mecânicos como a escovagem, abrasão fisiológica onde existe perda natural de tecido dentário e abrasão profilática que resulta da acção de agentes patogénicos. A abrasão no ambiente oral pode variar consideravelmente devido a diferentes substratos, superfícies de abrasão opostas, sistemas de lubrificação e abrasivos [32].

O desgaste dentário tem consequências clínicas significativas tanto estéticas como funcionais. A perda da superfície do dente causada por abrasão é o problema clínico mais comum com diversos estudos epidemiológicos a estimar uma prevalência de 97%, com 7% da população a necessitar de tratamento. Se o desgaste não for controlado, o esmalte irá eventualmente fissurar causando a exposição da dentina que consequentemente irá acelerar as taxas de desgaste (Figura 13) [32].

Figura 13- Abrasão em tecidos dentários naturais. A seta indica a exposição da dentina [32].

O desgaste excessivo dos dentes pode resultar em consequências desastrosas tais como danos inaceitáveis às superfícies de oclusão, alteração do movimento mastigatório, hipersensibilidade da dentina e patologias da polpa dentária. A boca providencia um sistema

tribológico extremamente complexo. Por este motivo, a abrasão de dentes e restauros é multifatorial onde ocorrem processos físicos e químicos [32].

O atrito ocorre durante as funções orais normais, no entanto o desgaste dentário, um processo cumulativo e multifatorial, é irreversível. Foi demonstrado que a taxa de desgaste dentário está associado a fatores como idade, género, distúrbios gastrointestinais, toma excessiva de frutos cítricos ou alimentos com baixo pH, fatores ambientais, fatores associados à saliva e anomalias congénitas de tecido dentário [32].

Um estudo efetuado da fricção e desgaste do esmalte e dentina contra esferas de titânio utilizando saliva artificial como lubrificante demonstrou que a zona do esmalte sofre menor atrito em comparação com a zona da dentina do mesmo dente [32].

4.3 – Comportamento tribológico de materiais dentários artificiais

Considerando o complexo ambiente oral e a sua biomecânica, os processos de desgaste em materiais dentários artificiais são complicados e normalmente incluem fenómenos de atrito, adesão, abrasão, corrosão e fadiga. Estes processos causam a perda de superfície dos materiais artificiais presentes na boca. O desgaste tem demonstrado ser um grande problema na utilização de materiais artificiais, especialmente em restauros com resinas compostas, levando a falhas prematuras e substituição do restauro [32].

A resistência ao desgaste de materiais dentários artificiais é importante para a longevidade clínica, estética e resistência à placa dental. Os estudos estão fundamentalmente virados para a resistência ao desgaste de materiais dentários artificiais e a predisposição destes materiais para criar desgaste nas superfícies opostas, especialmente o esmalte [32].

O principal problema da utilização de materiais compostos é a resistência inadequada ao desgaste quando utilizados como restauros posteriores, devido à existência de cargas mais elevadas nesta zona, que consequentemente resulta na perda da forma anatómica. O desgaste pode ocorrer devido a fatores materiais ou clínicos. Os fatores materiais consistem no tamanho, forma e dureza das partículas inorgânicas, a percentagem volumétrica destas partículas, o espaço entre elas, a distribuição das partículas e o seu grau de conversão de monómero em polímero. [32,33].

Uma vez que o processo de abrasão a três corpos envolve o desgaste de material através de abrasivos com elevada dureza, a adição de partículas inorgânicas com maior dureza a uma matriz com dureza menor permite melhorar a resistência à abrasão do material. Um fator importante é o tamanho das partículas. Testes efetuados in vitro indicam que resinas compostas

que continham partículas esféricas com 0,2 µm de diâmetro exibiam uma maior resistência ao desgaste comparado com resinas que continhas partículas inorgânicas de tamanho superior. Um aspeto importante de referir também é a fragilidade das partículas. Por outro lado, sob elevadas tensões, as partículas inorgânicas frágeis podem fraturar ou serem ejetadas da superfície causando rápida abrasão da resina composta [33].

Além da adição de partículas inorgânicas à matriz da resina composta, as interações entre partículas e a matriz têm grande efeito no aumento da resistência ao desgaste. Estudos indicam que à medida que a percentagem volumétrica das partículas de carga aumenta, o desgaste foi reduzido independentemente do tratamento efetuado às partículas inorgânicas. O espaçamento entre partículas e a distribuição destas na matriz também influencia as propriedades físicas e o comportamento ao desgaste das resinas compostas. Ao diminuir o espaçamento entre partículas há consequentemente uma diminuição do desgaste, uma vez que partículas inorgânicas localizadas muito próximas entre si protegem a matriz da resina. Estudos indicam que o espaçamento crítico entre as partículas deve ser entre 0,1 – 0,2 µm [33].

A composição da matriz polimérica é também um fator importante que afeta a taxa de desgaste das resinas compostas. Assim, por exemplo, a maior resistência ao desgaste associada ao par de monómeros UEDMA/TEGDMA pode ser relacionado com o seu grau de conversão mais elevado do que no caso do par BisGMA/TEGDMA [33].

O desgaste em materiais de restauro dentário pode originar consequências sistémicas através da ingestão ou inalação de partículas resultantes do desgaste. Em resinas compostas, além da preocupação existente com as partículas que se libertam do monómero, as partículas inorgânicas de tamanho nano e micrométrico que se podem aglomerar nos tecidos biológicos podem originar patologias no fígado, rins e intestinos. Alguns resultados da simulação do desgaste mostram que a maioria das resinas compostas que são desintegradas durante fenómenos de atrito ou abrasão têm diâmetros menores que 100 µm, o que corresponde ao valor para absorção de partículas no trato respiratório e digestivo [34].

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