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F: Hum [calculando] Eu nasci em 1972 Olha, ali por 90, 91 Ou

4. ARTICULANDO AS DEFINIÇÕES SOBRE O BLUES EM PORTO ALEGRE

4.2 BLUES COMO UM VEÍCULO DE EXPRESSÃO DO SUJEITO

Quando conversei com Oly sobre o motivo que o fez desenvolver suas canções em torno da fusão da milonga com o blues como característica da sua musicalidade este recorreu à descrição de estruturas musicais do blues e da milonga, argumentando que tais características musicais, tanto do blues como da milonga, são “uma maneira específica de tu cantar”, sendo a razão de sua música “retratar-se”. Neste caso, “retratar-se” aparece como um sinônimo para “descrever” ou “descrever-se”. Esta retratação/descrição trata de algo pessoal, segundo Oly. Para ele, suas canções, o resultado de sua criação, bem como os conteúdos da sua mensagem, são a razão pela qual Oly compõe. Dessa forma, o sentido de compor para Oly

está justamente no objeto artístico, no caso a música, como veículo de expressão pessoal.

Tal expressão constitui-se de elementos culturais que são construídos e vividos ao longo do cotidiano, e portanto, são elementos próximos a ele como os parentes de sua família que dividem a mesma casa. Quando perguntado sobre quais elementos fazem parte desta fusão musical - a qual ele explicou para os produtores de Baltirmore chamando-a de Milonga

Blues – Oly os aponta referindo cada um dos elementos com

personagens de seu núcleo familiar. O pai e um dos seis irmãos o teriam influenciado com a música regionalista do pampa gaúcho como a Milonga, as canções de Jaime Caetano Braun, Noel Guarany entre outros compositores regionais. A mãe e outro irmão foram responsabilizados pela influência na música

pop em um âmbito mais global, como o rock brasileiro dos

anos 1980, o blues e autores em atividade na cidade como Kleiton & Kledir, Bebeto Alves e Nei Lisboa.

Dessa forma, segundo Oly, seu blues como poética, ao fundir-se com características locais da qual ele afirma “pertencer”, encontra legitimidade, pois foge da prática do blues que consiste em “reproduzir” os grandes clássicos do gênero. Por isso, como veremos no subtítulo final, Oly vê como uma incoerência o ato de interpretar blues compostos pelos cânones do gênero como Muddy Waters, por exemplo, argumentando não reconhecer-se no contexto cultural descrito por estes cânones. Traçando um comparativo proposto por Oly, o germe do blues em New Orleans bem como sua prática musical só ganha sentido por ser este construído a partir de características regionais, que por sua vez, expressam questões culturais/sociais específicas e vividas por seus respectivos agentes.

Coié Lacerda pensa parecido com Oly. Para Coié “tu

tem que viver o blues, se tu quiser tocar o blues tu tem que viver ele”. Ou seja, o sentido do blues estaria em cantar sobre

temática expressa na sua música também consiste em algo altamente pessoal. Coié identifica-se com o sujeito “que não

tem nada, que não tem para onde ir” descrito por Toquinho

quando este apresentou o blues para Coié em 1973. Suas músicas geralmente tratam de contextos em que o protagonista, alguém que sofre algum tipo de exclusão, tenta resolver ou reagir aos problemas frutos desta marginalização. Esta questão também parece clara quando Coié comentou, no capítulo Três, sobre a resposta do vocalista Nega Lu em que este descreveu questões referentes à sua personalidade e seu contexto social ao aceitar entrar para a banda Rabo de Galo: “Claro que canto! Tu quer uma coisa mais blues que ser negro, pobre e puto?”.

Aqui, Nega Lu relacionou sua etnia, sua realidade social- econômica e sua identidade de gênero como três características sujeitas de discriminação, revelando que sentia-se marginalizado triplamente pela sociedade a qual pertencia por ser afrodescendente, pobre e homossexual.

Solon Fishbone também se referiu ao blues como uma sonoridade que só é experenciada na totalidade de seu significado se for vivida pelo intérprete. Para Solon, o blues tem seu fundamento filosófico diretamente associado ao modo de vida underground que, segundo ele, seria uma maneira de viver contrária às normas estabelecidas pela sociedade a qual pertence. Tal modo de vida, para ele, consiste em “viver... sem ter grande conforto, não se preocupar muito com a grana”.

Solon comentou uma situação vivida em que optava por comer “pão e ovo”, numa representação de pouca possibilidade de escolha sobre o que comer, em função de poder tocar a música a qual se identificava, a qual também qualificou ao falar sobre suas composições como “música sincera”. Middleton comenta que tal associação da figura do bluesman como um desajustado social, alguém visto com desconfiança ou/e uma figura marginal está altamente ligada à visão da sociedade branca estadunidense em relação à população afrodescendente dos EUA, no momento em que esta intensificou sua migração

do meio rural para as grandes metrópoles, inicialmente durante a fase conhecida como a Era da Recontrução (1863-1877) e, posteriormente nos anos 1930 (Middleton 1990: 144). Solon comentou que ouvir blues e, em dado momento, ter experenciado uma vida underground fez com que este se identificasse com questões inerentes ao estilo de vida cantado pelos bluesman que escutava nos discos, influenciando altamente sua sonoridade e seu fazer musical.

Fernando Noronha argumentou também uma

identificação com o caráter marginal intrínseco ao blues. Ao comentar como conheceu o blues, Fernando remeteu-se à sua infância quando ouvia rock, pois convivia com tios que, por serem surfistas e hippies, estariam associados a estereótipos marginalizados pela sociedade. Ao falar sobre quais bandas de rock escutava, Fernando as chama de “suas influências musicais”, sendo estas, segundo ele, constituintes de seu ser. Em seguida comentou que tais influências estariam presentes na sonoridade de sua música e que a articulação dessas influências na sua sonoridade seria a maneira a qual utiliza para expressar sua individualidade (ou sua personalidade):

“Eu acho que dessa maneira eu consigo, ao compor, tentar ser o mais verdadeiro possível, né? Porque hoje, num mundo que tudo já foi feito, praticamente, o que tu pode fazer é, pelo menos, ser fiel a ti mesmo e te divertir. E se, acho que se o cara tiver se divertindo ao compor e ao tocar, ele vai ter grandes chances de fazer os outros se divertirem também. Se tá ali só pra cumprir horário, não vai conseguir tocar ninguém.”

4.3 REPRESENTAÇÕES DE CARACTERÍSTICAS SOCIAIS