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2 O BRASIL E O REGIME INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS

2.2 O Brasil e o Direito Internacional dos Direitos Humanos: Uma Breve Visão sobre a

O Estado brasileiro tem participado, como reconhece Cançado Trindade (2006b), do processo de formação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, tanto nos debates e de- cisões internacionais sobre o tema quanto no ambiente regional, no foro da Organização dos Estados Americanos (OEA), sobretudo a partir de 1985, ano

[…] Que marcou uma série de decisões de transcendental importância, as quais, a- lém de refletirem a busca da redemocratização do País, desencadeariam um novo processo histórico nas posições brasileiras sobre a matéria em apreço, que se pro- longou no segundo meado dos anos 1980 e em toda a década de 1990, bem como se estendeu aos primeiros cinco anos do século XXI (CANÇADO TRINDADE, 2006b, p. 220).

Embora, como reconheça o autor, a experiência brasileira com os organismos e os ins- trumentos normativos internacionais concernentes aos Direitos Humanos tenha permanecido limitada, emergiu o entendimento e a percepção de que, com o fim do Regime Militar (1964– 1985), cabia ao país modificar sua relação e seu posicionamento com questões ligadas a essa agenda. Era preciso, então, “remediar ou suprir a grave lacuna” (CANÇADO TRINDADE, 2006b, p. 220) em relação aos Direitos Humanos, que constituíram a principal face humana do processo de transição do autoritarismo para a democracia.

E esse projeto de mudança de postura brasileira tomou forma em duas frentes simultâ- neas, uma doméstica e uma internacional. Domesticamente, tem-se, como será aprofundado mais adiante, a elaboração e promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF-1988), resul- tante maior do processo de redemocratização brasileiro e do compromisso com o retorno a um Estado Democrático de Direito (ZAMBONE; TEIXEIRA, 2012) – marco de uma nova era, segundo Mazzuoli (2011) – que, como já dito, erigiu o compromisso do Estado brasileiro com a garantia, proteção e prevalência da dignidade e dos Direitos Humanos a princípios-guia da ação doméstica e das relações internacionais brasileiras. Há, na CF-1988, como assinalam Zambone e Teixeira (2012), provisões e disposições específicas, e em destaque, relativas à proteção de grupos vulneráveis – com o reconhecimento de necessidades a esses específicas – como os deficientes físicos, as crianças e adolescentes, as mulheres e os idosos; não ocorren- do o mesmo em relação aos trabalhadores migrantes.

Internacionalmente, o dito projeto de mudança iniciou-se com o engajamento brasilei- ro ao que Cançado Trindade (2006b) chama de “novos direitos”; sinteticamente, a ampliação da dimensão dos Direitos Humanos para que passassem a estar vinculados ao desenvolvimen- to e incluíssem debates sobre a superação da pobreza e do subdesenvolvimento, o entendi- mento de que o direito à vida é, em verdade, o direito a viver de forma digna, e a indissociabi- lidade entre democracia, desenvolvimento e respeito aos Direitos Humanos, que por sua vez, são indivisíveis e universais, devendo atingir indistintamente a todos os seres humanos. “O debate sobre os direitos humanos nas Nações Unidas, com a presença do Brasil, havia, assim, enriquecido-se consideravelmente, revelando uma nova e bem mais ampla dimensão” (CAN- ÇADO TRINDADE, 2006b, p. 223), em que fortaleceram-se as ações de fomento a melhores condições de vida para todos.

Essa nova mentalidade e posicionamento brasileiros passaram à prática, via “renova- ção de credenciais” segundo Fonseca Jr. (1998), no início da década de 1990, com a partici- pação ou organização – e, em muitos momentos, protagonismo – do Brasil na Conferência In- ternacional sobre os Direitos da Criança (1990), na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), ocorrida no Brasil, na Conferência Mundial de Direitos Humanos (1993) – cabendo ao diplomata brasileiro Gilberto Sabóia a Presidência do Comitê de Redação do documento final –, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (1994), na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres (1995), dentre outras, incluso aquelas de âmbito regional, com temáticas correspondentes ou não.

Como assinala Cançado Trindade (2006b), o Estado brasileiro se manifestou de forma favorável à proteção dos Direitos Humanos desde a década de 1940, inclusive apresentando projetos durante a elaboração de instrumentos internacionais a eles voltados; assumindo pos- tura e tradição jurídico-diplomática desengajada na política externa brasileira somente a partir dos anos 1960. Ainda assim, mesmo durante o Regime Militar, o Brasil ratificou tratados de proteção específica – e portanto de amplitudes limitadas – aos Direitos Humanos, restando o paradoxo de omissão brasileira, até o princípio da década de 1990, em relação aos dois Pactos de Direitos Humanos da ONU, bem como à Convenção Americana de Direitos Humanos. Se- gundo esse autor, essa era uma posição advinda propriamente do então governo autoritário vi- gente, já que “não havia, como nunca houve, impedimentos de ordem constitucional ou argu- mentos de cunho verdadeiramente jurídico que pudessem justificar ou explicar a posição está- tica e mecânica de não-adesão do Brasil àqueles tratados de direitos humanos” (CANÇADO TRINDADE, 2006b, p. 226).

A adesão brasileira a esses instrumentos normativos conformaria não só um símbolo do desenvolvimento da agenda de Direitos Humanos do Brasil como o “reencontro do Brasil com seu melhor pensamento nessa matéria” (CANÇADO TRINDADE, 2006b, p. 227): “com- promisso ou garantia adicional, no plano já não só nacional como também internacional, para

as gerações presentes e futuras de brasileiros, de efetiva proteção contra a violação dos

direitos fundamentais do ser humano” (CANÇADO TRINDADE, 2006b, p. 227; destaques no original). A entremeação entre os níveis nacional e internacional se dá ao passo que, se- gundo o entendimento de Cançado Trindade (2006b) e Mazzuoli (2011)116, seguindo o Artigo 5º da CF-1988, os direitos dispostos em tratados internacionais de Direitos Humanos incorpo- ram-se, com aplicabilidade imediata e direta (isso é, sem intermediação do Poder Legislativo), aos direitos constitucionalmente consagrados, sobretudo por conta do “tratamento especial ou diferenciado, também no plano do direito interno, aos direitos e garantias individuais interna- cionalmente consagrados, equiparando-os efetivamente aos direitos protegidos em nível cons- titucional” (CANÇADO TRINDADE, 2006b, p. 228), presente na segunda alínea desse mes- mo Artigo 5º, tomando, portanto, segundo Mazzuoli (2011), a posição de fontes do sistema constitucional brasileiro de proteção e garantia dos direitos fundamentais do ser humano.

A renovação das credenciais brasileiras prosseguiu, então, à adesão a esses três ins- trumentos em destaque, incluindo a mudança de posicionamento perante outros instrumentos da ONU e da OEA, diversas Convenções da OIT (dentre as quais não esteve a C-143) e de outras agências das Nações Unidas117; isso é, a ratificação crescente de tratados internacionais globais e regionais protetivos da pessoa humana. Regionalmente, como identifica Mazzuoli (2011), o Brasil tornou-se parte de praticamente todos os instrumentos normativos tocantes aos Direitos Humanos. A nível global, o Brasil está vinculado a seis dos, assim identificados pela ICMC (2006) e outros, “sete principais tratados de Direitos Humanos”: a Convenção In- ternacional sobre a Eliminação de Todas as Formas da Discriminação Racial (1965), os Pac- tos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Dis- criminação contra a Mulher (1979), a Convenção contra Tortura, e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). O único que não usufrui do engajamento brasileiro é, como já visto, a Convenção In-                                                                                                                

116 Faz-se digno de nota identificar que esse não é um entendimento consensual na literatura, embora seja também o entendi- mento adotado no presente trabalho. Mazzuoli (2011), dentre outros, apresenta os diferentes pontos de vista existentes acerca do entendimento do Artigo 5 da CF-1988, sobre a incorporação imediata ou não dos instrumentos normativos internacionais relativos a Direitos Humanos no ordenamento jurídico doméstico.

117 Cançado Trindade (2006b) destaca, por exemplo, o fato de o Brasil ter figurado como um dos Estados a apoiar e respaldar a adoção do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, em 1998.

ternacional para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das Suas Famílias (1990).

Identifica-se, a partir daí, um descompasso, um paradoxo, uma incoerência, nos ter- mos de Reis (2011), entre a postura e o posicionamento – retórico, ao menos – do Brasil pe- rante o regime internacional dos Direitos Humanos como um todo e a proteção brasileira aos