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2 O BRASIL E O REGIME INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS

2.1 O Regime Internacional de Proteção aos Direitos Humanos dos Trabalhadores Mi-

2.1.3 O Estado Brasileiro e os Instrumentos Normativos Internacionais

Em âmbito internacional, a despeito da adoção de um posicionamento de vanguarda em outras questões pertinentes ao campo amplo dos Direitos Humanos, e das próprias migra- ções internacionais – como o existente na política de proteção e apoio a refugiados – o Brasil somente ratificou113 uma das Convenções internacionais relativas à proteção dos trabalhado-                                                                                                                

112 Cutting across international jurisdictional boundaries [and] involving actions with a direct impact on the interests of two or more members of the international community.

113 De forma sintética: na processualística constitucional de celebração de tratados no Brasil, após a fase de negociação inter- nacional do tratado – que pode resultar, ou não, na assinatura do mesmo –, o Chefe do Poder Executivo encaminha o texto para aprovação do Legislativo, por meio de um expediente de envio preparado pelo Ministério das Relações Exteriores. Após as ponderações e análises, o Poder Legislativo manifesta-se por meio de um Decreto Legislativo, autorizando ou não o Chefe do Executivo a proceder com a ratificação do tratado em questão. O Chefe do Executivo, mesmo autorizado, possui a decisão

res migrantes: a C-97, da OIT, em 18 de junho de 1965, com o Decreto de Promulgação nº 58819, de 14 de julho de 1966114 (BRASIL, 2013).

Quanto à C-143, o Decreto Legislativo nº 86, de 14 de dezembro de 1989, rejeitou o texto da Convenção, não emitindo autorização para que o Poder Executivo procedesse com a ratificação (BRASIL, 1989). Mais recentemente, por conta do parecer favorável emitido pelas partes da Conferência Nacional de Trabalho e Emprego Decente (BRASIL, 2012), a C-143 foi novamente encaminhada para apreciação do Congresso Nacional, em 2008, estando pen- dente até a redação dessa pesquisa115.

No que se refere à ICRMW, da qual o Brasil não é parte (sendo, junto à Venezuela, os únicos Estados membros do Mercosul nessa situação), houve a iniciativa do Ministério das Relações Exteriores de submissão do texto da Convenção para que Congresso Nacional a rati- ficasse – a Convenção fora assinada pelo Brasil em 2009, como apresentado no Anexo E –, por intermédio da Mensagem nº 696, de 2010, em que se reconhece que a ratificação fortale- ceria a atuação brasileira na defesa dos Direitos Humanos, frente a um contexto de crescentes restrições à entrada, permanência e usufruto dos direitos por parte dos trabalhadores migran- tes internacionais. A adesão proveria, também, “maior legitimidade a seu papel em foros in- ternacionais sobre direitos dos migrantes e poderia ser estímulo ao processo de universaliza- ção deste importante instrumento dos direitos humanos” (BRASIL, 2010), que se faz mais importante por conta do volume de estrangeiros no Brasil, estipulado, no próprio documento, em cerca de um milhão – sendo mais da metade desses naturais de fora do continente ameri- cano –, a imensa maioria dos quais na categoria de trabalhadores migrantes.

O então Ministro da Relações Exteriores e autor da referida mensagem, Celso Amo- rim, fez, ainda – a partir de pareceres dos Ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e do Trabalho e Emprego –, propostas de reservas a serem executadas pelo Brasil no momento da ratificação e sugeriu que o texto tramitasse no Congresso como projeto de emenda constitu- cional, seguindo o exemplo da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, devi- do à comparável importância dos dois instrumentos. Em 2011, por intermédio do Ato da Pre- sidência de 3 de agosto, foi criada uma Comissão Especial destinada a proferir um parecer à Mensagem nº 969 (BRASIL, 2010). Planejada inicialmente com vinte e cinco membros titula-                                                                                                                

final sobre a ratificação do tratado; e, caso opte por ratificá-lo, deve emitir um Decreto de Promulgação, que vai, por fim, tornar o objeto acordado internacionalmente válido no âmbito doméstico (MAZZUOLI, 2011).

114 Não foram apostas reservas no instrumento de ratificação brasileiro à C-97.

115 Para obter um panorama mais amplo do posicionamento brasileiro – ratificações – em relação às Convenções da OIT, consultar: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Relação das Convenções da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil (Até 07 de março de 2013). Brasília, 2013. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A3D183F81013D1D560113/Convenções%20OIT%20Brasil%20julho%202013. pdf>.

res e igual número de suplentes, o Ato da Presidência de 13 de março de 2012, modificou o número de componentes da Comissão Especial para vinte e sete (BRASIL, 2012), mas a mesma ainda não agiu para o propósito para o qual foi criada; e, até o momento de confecção do presente trabalho, o status brasileiro de comprometimento à ICRMW não fora modificado. Como assevera Reis (2011), nos anos do governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (2002-2010), tentou-se, ainda que timidamente, colocar a questão dos Direitos Humanos dos migrantes dentre as diretrizes da política externa brasileira – tendência reduzida após a sucessão presidencial de 2010 –; porém, das poucas vezes em que ocorreu, deu-se mais como forma de questionar a hierarquia internacional existente nos organismos multilaterais, de for- talecer o argumento dos países do “Sul” e de denunciar a existência de “dois pesos e duas medidas”, do que propriamente de agir em favor dos Direitos Humanos e do direito ao desen- volvimento da população migrante. Foram ações de denúncia de maus tratos a migrantes nos EUA e em países europeus, de crítica a diretivas como a referente ao retorno de migrantes, de 2008, da União Europeia – classificada pelo Presidente como “uma odiosa perseguição aos la- tino-americanos” (REIS, 2011, p. 63) – e de ação conjunta de países sulamericanos para que fossem construídas posições unificadas no que respeita ao tema.

Outro exemplo foi a solicitação pública do Presidente Lula da Silva, quando do anún- cio da mais recente anistia estatal os migrantes indocumentados, em 2009, ao Ministério da Justiça para que o tema das migrações internacionais fosse levado à reunião seguinte do G8, para “mostrar aos líderes dessas grandes economias a contrariedade do Brasil com a política dos ricos com os imigrantes” (LULA..., 2009b), argumentando que com a garantia do trabalho e da dignidade humana aos migrantes, o Brasil responderia à intolerância dos países desen- volvidos. Na mesma toada, o Presidente buscou, no discurso de abertura do Terceiro Fórum Mundial da Aliança das Civilizações, promovido pela ONU no Rio de Janeiro, em 2010, no- vamente apontar o tratamento dado pelos países desenvolvidos aos migrantes internacionais sob suas juridisções, relacionando o problema a questões de outras agendas – sobretudo a a- genda econômica – e a uma crítica mais ampla à ordem mundial:

Incapazes de assumir seus próprios erros, alguns governantes buscam transferir o ônus da crise para os mais fracos. Adotam medidas protecionistas que oneram bens e serviços exportados para países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, se mos- tram lenientes com os paraísos fiscais e responsabilizam imigrantes pela crise social (ABDALA, 2010).

Essa retórica, porém, provou-se inerte em resultados práticos, além de ter sido muito explicitamente um discurso voltado mais aos migrantes brasileiros no exterior do que efeti- vamente aos estrangeiros no Brasil, em relação aos quais os discursos emudeceram ou deram

a entender que se estruturava de forma satisfatória, praticamente num exercício oficial de au- to-engano. Por outro lado, como demonstra Reis (2011), no âmbito regional a retórica brasi- leira acerca das migrações internacionais parece produzir resultados mais palpáveis, tendo as migrações internacionais – destacadamente as de ímpeto laboral – como um elemento incenti- vador do processo integrativo na região.

Regionalmente, destacam-se os tratados bilaterais sobre questões migratórias – Reis (2011) assinala que existem tratados bilaterais também do Brasil com Estados de outros con- tinentes, como aqueles existentes com os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) –, sobretudo aqueles identificados por essa autora como políti-

cas de dupla face, em que os Estados envolvidos são, simultaneamente, origem e destino de

migrantes um do outro. Frente às denúncias de situações degradantes de trabalho de um gran- de número de migrantes bolivianos nas manufaturas têxteis no Brasil, Farena (2012) destaca os Acordos bilaterais firmados entre Brasil e Bolívia, visando à regularização migratória e ao estabelecimento de novas normas para ingresso e permanência nos dois países. E, como ex- tensão dessas políticas, tem-se, como apontam Lopes (2009) e Reis (2011), as iniciativas vol- tadas à constituição de uma área de circulação livre na América do Sul e à garantia de direitos de cidadania para os migrantes naturais dos países envolvidos, por meio, principalmente, dos Acordos sobre Regularização Migratória Interna de Cidadãos do Mercosul, Bolívia e Chile e de Residência para Cidadãos do Mercosul, Bolívia e Chile, ambos de 2002.

O Acordo sobre Regularização Migratória Interna de Cidadãos do Mercosul, Bolívia e Chile dispõe que os cidadãos de um Estado-parte que se encontrem em outro deles podem efetuar, dali mesmo, a sua tramitação migratória e lá permanecer diretamente, independente do tipo de visto inicial de entrada. Já o segundo, permite que nacionais desses Estados resi- dam e trabalhem provisoriamente por dois anos em qualquer um deles, com igualdade de di- reitos civis, tributários e sociais em relação aos nacionais do Estado em questão e possam re- quisitar status permanente após esse período. “O Acordo de Residência resolve definitiva- mente a questão migratória entre cidadãos do Mercosul, instituindo verdadeiro regime de i- gualdade jurídica que poderá solucionar muitas das questões migratórias atuais” (LOPES, 2009, p. 534). Além das disposições diretamente administrativas, esse Acordos tentam, se- gundo Reis (2011), superar manifestações de discriminação e xenofobia em relação a migran- tes latino-americanos – no Brasil e em outros Estados da região –, estampadas em veículos jornalísticos e objeto de estudos antropológicos e sociológicos. Ambos os Acordos foram a- provados no Legislativo brasileiro em 2005; mas enquanto o primeiro resta pendente do De-

creto Presidencial, o segundo foi promulgado pelo Brasil em setembro de 2009 (BRASIL, 2009).

2.2 O Brasil e o Direito Internacional dos Direitos Humanos: Uma Breve Visão sobre a