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1 AS MIGRAÇÕES LABORAIS INTERNACIONAIS: CONCEITOS, CONTEXTO

1.2 Migrações Internacionais e seu Legado Histórico

Em termos gerais e de acordo com Massey et al (2009), a história das migrações inter- nacionais modernas pode ser dividida em quatro períodos: i) período mercantilista, do século XVI ao século XVIII, período em que os principais fluxos migratórios se compuseram de in- divíduos europeus – principalmente, produtores agrícolas em busca de novas terras, adminis- tradores, artesãos, criminosos e escravos, transportados à força – movimentando-se por moti- vos ligados aos processos de colonização; ii) período industrial, se estendendo desde a Primei- ra Revolução Industrial (a partir aproximadamente do último quartel do século XVIII) à dis- seminação das novas práticas econômicas pelo continente europeu e suas colônias; iii) perío- do entre os conflitos da Primeira Guerra Mundial e a Crise da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, que interrompeu, por algumas décadas, muitos dos fluxos migratórios então tradicio- nais; iv) período pós-industrial, a partir da década de 1960, constituindo um diferencial em re- lação aos períodos anteriores por representar uma fase efetivamente global das migrações in- ternacionais.

Logo, vê-se que as razões envolvidas na escolha, e no direito, de migrar – que envol- vem os custos de deixar a sociedade de origem e adentrar um grupo social distinto – relacio- nam-se, historicamente, a razões de segurança, motivações políticas e, sobretudo, econômicas. As questões de segurança são aquelas ligadas a qualquer motivo que ponha em risco a vida e a dignidade humana no território de origem, como a ameaça de fome, guerras, conflitos inter- nos, catástrofes naturais ou alterações climáticas (ONU, 1996). As motivações políticas deri- vam da discriminação devido à raça, confissão religiosa, nacionalidade, afiliação política ou pertencimento a um grupo social específico. Já com relação às questões econômicas, tem-se a pobreza e a incapacidade de o indivíduo – com as condições vigentes no Estado em que se encontra – garantir sustento e qualidade de vida para si próprio e para sua família; fatores, es- ses, que, segundo a ONU (1996), originam não só movimentos migratórios para países ricos,                                                                                                                

medidas de política económica y social, que abarcan desde la educación, la salud y los servicios sociales locales, hasta el de- sarollo internacional. Por consiguiente, los gobiernos preocupados por la migración laboral no sólo deben limitarse a contro- lar la entrada de migrantes, por el contrario, debem incorporar la política de migración como parte fundamental en diversas planificaciones (laboral, demográfica, productiva).

mas também os fluxos entre países em desenvolvimento, com base em percepções, nem sem- pre confirmadas na prática, de que as perspectivas de trabalho são superiores em outro Estado.

Além disso, é preciso reconhecer que o movimento migratório é uma unidade, segun- do Léon (2005), composta por diversas etapas, a citar: i) a preparação, na qual é efetuado o cálculo racional de custos e benefícios, analisadas as etapas que devem ser cumpridas entre o rompimento com o lugar de origem e a efetiva inserção na nova sociedade, incluindo ponde- rações relacionadas à oferta de emprego na nova sociedade que se passará a integrar; ii) o ato migratório, que corresponde ao deslocamento propriamente dito, sendo sua duração depen- dente do meio de transporte utilizado, da distância espacial entre os locais de saída e de che- gada e das circunstâncias em que tal movimento se dá; iii) a fixação no país de destino, que compreende desde a chegada até a resolução dos problemas imediatos de subsistência; e, iv) a integração, a etapa final do processo migratório, em que há a compreensão da cultura na qual se inseriu, assim como a possível aceitação e o despertar de interesses pela mesma.

Cada uma dessas etapas origina problemas e discussões particulares, ainda que interli- gadas, sendo mais relevantes para o foco da presente pesquisa aquelas relativas aos pontos iii) e iv), no que concerne à entrada, registro e integração jurídico-normativa e cultural dos traba- lhadores migrantes internacionais no Brasil.

Dessa maneira, os fluxos migratórios internacionais consubstanciam-se como uma im- portante variável tanto para a política internacional como para as políticas domésticas, essen- cialmente, dos Estados diretamente envolvidos com a saída, o trânsito16 e a chegada de mi- grantes, e tornam-se, a cada novo período histórico, um fator de cálculo para a formulação de políticas públicas, econômicas, sociais e consulares. Segundo a ILO (2014), a população de migrantes internacionais atingiu 231,5 milhões de pessoas em 201317, sendo desse total: 43% abaixo dos 34 anos e 48%, mulheres (ILO, 2014). Além disso, os trabalhadores migrantes in- ternacionais são responsáveis por remessas anuais estimadas em US$404 bilhões aos seus Es- tados de origem, mais que o triplo do total mundial anual de assistência internacional ao de- senvolvimento (ILO, 2014).

Logo, é perceptível “a tendência cada vez mais difundida de preocupação com a imi- gração e com os desdobramentos da presença do ‘outro’ no cotidiano” (MENEZES, 2007, p. 197); preocupação, essa, que passa, nas últimas décadas, a se dar com mais intensidade tam-                                                                                                                

16 Ressalta-se aqui, em concordância com Firmeza (2007), o fato de que muitos migrantes, até atingirem o país ao qual se di- rigem atravessam as fronteiras de um terceiro país – “país de trânsito”; e, ainda, ao fato de que existem migrantes que depois de se estabelecerem em um “país de destino/receptor” migram novamente para outro país.

17 Ainda segundo a ILO (2014), a mobilidade de migrantes na direção Sul-Sul constituiu 57% do total dos fluxos migratórios internacionais entre 2000 e 2013. Para mais informações sobre os números e direções dos fluxos migratórios hodiernos, con- sultar Anexo A.

bém nos países “emergentes” – aqueles que, como o Brasil, alcançam avanços econômicos e relevância crescente nas dinâmicas políticas e econômicas globais, ainda que o caráter multi- facetado do tema dificulte o recurso a uma resposta geral e abrangente ao fenômeno.

A fase “global” das migrações internacionais, como identificada anteriormente, consti- tui um padrão na temática, em que desde o fim da década de 1980 e mais marcadamente na década de 1990, tem-se assistido a transformações de natureza econômica, sociopolítica, de- mográfica, cultural e ideológica em âmbito internacional, constituindo um contexto no qual:

Os movimentos migratórios internacionais vêm tomando cada vez mais importância. As desigualdades regionais acentuadas e crescentes, a destruição do bloco soviético, a manifestação de conflitos localizados, entre outros aspectos, constituem o pano de fundo desses enormes deslocamentos populacionais (PATARRA; BAENINGER, 1995, p. 78).

Conformou-se, pois, um panorama modificado em que as migrações internacionais (re)emergiram como questão política, cujo volume e recorrência tornaram-nas – ainda mais – visíveis, tanto como causa quanto como resultado dos processos de reestruturação produtiva globais e de crises e instabilidades políticas e sociais internacionais. Esse fenômeno é referen- ciado por Castles e Miller (2003) como “globalização das migrações”:

A tendência de mais e mais países serem crucialmente afetados por movimentos mi- gratórios ao mesmo tempo. Ademais, a diversidade de áreas de origem tem crescido, de forma que os países receptores passam a ter entrantes dos mais distintos arcabou- ços econômicos, sociais e culturais (CASTLES; MILLER, 2003, p. 7; tradução nos- sa18).

Tal fenômeno corresponde, assim, à recente dinâmica do Capitalismo, “caracterizada pela globalização da produção, que se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo” (HARVEY, 1992 apud PA- TARRA; BAENINGER, 1995, p. 81). Dessa maneira, os fluxos migratórios internacionais contemporâneos são a contraparte humana das transformações estruturais do Capitalismo, e da crescente mobilidade destas decorrente: “mobilidade em diferentes graus, sujeita a condi- ções diferenciadas, de objetos físicos como mercadorias, de dinheiro na forma de capital pro- dutivo ou especulativo, de ideias e, como não poderia deixar de acontecer, de seres humanos” (PÓVOA NETO, 2010, p. 495) e de capital humano.

Patarra e Baeninger (1995) complementam esse raciocínio ao afirmar que o horizonte do indivíduo envolvido nos fluxos migratórios internacionais ampliou-se, por este viver em                                                                                                                

18 The tendency for more and more countries to be crucially affected by migratory movements at the same time. Moreover, the diversity of the áreas of origin is also increasing, so that most countries of immigration have entrants from a broad spec- trum of economic, social and cultural backgrounds.

um mundo onde as distâncias são reduzidas e as localizações, redefinidas; em que a “globali- zação dispensa fronteiras, muda parâmetros diariamente, ostenta luxos, esbanja informações, estimula consumos, gera sonhos e, finalmente, cria expectativas de uma vida melhor” (MAR- TINE, 2005, p. 3), de forma que são apagadas as linhas tradicionais de divisão entre etnias, i- diomas, culturas e Estados-nação. Assim, as oportunidades econômicas que têm surgido nos países “emergentes”, como o Brasil, paralelas à tendência de arrefecimento do ímpeto de crescimento dos países “desenvolvidos” – como deixa claro Fishlow (2011) – alteram em par- te a lógica tradicional das migrações internacionais19, bem como os direcionamentos dos flu- xos de trabalhadores migrantes.

A crise econômica iniciada no ano de 2007 nos Estados Unidos, a qual também afe- tou de forma substancial a Europa e o Japão, introduz uma maior complexidade nos eixos de deslocamentos das migrações sulamericanas, especialmente no Brasil. A- lém disso, o desenvolvimento econômico e social do país e o seu reposicionamento geopolítico nos últimos anos, têm tornado a migração muito mais diversa. Na atuali- dade, o Brasil conjuga diferentes cenários migratórios: continua havendo emigração, ao mesmo tempo em que o país passa a receber novos e diversificados fluxos de i- migrantes (CAVALCANTI ET AL, 2014, p. 12).

 

Particularmente no caso do Brasil, que é o foco de estudo desta pesquisa, o desenvol- vimento econômico retomado na última década do século XX – intimamente atrelado à esta- bilidade política – atraiu empresas e investimentos estrangeiros, acompanhados da movimen- tação de mão de obra, ao mesmo tempo que conseguiu aumentar as oportunidades de emprego para os nacionais, como apresentam Fishlow (2011) e Sweig (2010). A maior abertura do Bra- sil às, bem como sua maior participação em, discussões internacionais contribuem para sua configuração – ainda questionável – como global player, que se faz possível a partir de crité- rios geoestratégicos, como o fato de ser “um dos maiores produtores globais de produtos ne- cessários a todos: desde animais, vegetais e minerais à água, energia e aeronaves” (SWEIG, 2010, p. 1; tradução nossa20), contemporizados por ganhos econômicos e sociais e conquistas diplomáticas. Em complemento, o país tem sido bem-sucedido nos seus esforços nas áreas de governança global, missões de paz e discussões ambientais (FISHLOW, 2011). Contudo, Sweig (2010) apresenta, também, fatores que fazem com que este novo posicionamento do Brasil não seja ainda um consenso; pelo contrário, seja permeado por contradições:

                                                                                                               

19 Acerca disso Póvoa Neto (2010) afirma: “No plano da economia, cabe assinalar que mudanças no mercado de trabalho dos países desenvolvidos, com a crise dos chamados “Estados de bem-estar social”, vêm provocando redução absoluta na neces- sidade da força de trabalho imigrante e novas exigências de qualificação para a inserção naquele mercado. Ocorre, ao mesmo tempo, um deslocamento progressivo da demanda por trabalhadores imigrantes para as atividades terciárias da economia, desde as ligadas a empresas até as envolvidas nos serviços domésticos” (PÓVOA NETO, 2010, p. 493).

20One of the top global producers of stuff everyone else needs: from animals, vegetables, and minerals to water, energy, and

O Brasil é um país em desenvolvimento e desenvolvido. O Estado é ao mesmo tem- po forte e fraco. Quase metade da população se identifica como negra, ou pelo me- nos não branca. O país compartilha suas fronteiras com dez nações latino- americanas, mas praticamente não se identifica como latino-americano. O Brasil a- dere a princípios macroeconômicos conservadores enquanto promove programas so- ciais agressivos. Vangloria-se de possuir um setor financeiro e bancário global, com a terceira maior Bolsa de Valores do mundo, mas 26% da sua população ainda vive em favelas. Grandes projetos de infra-estrutura estão sendo postos em prática no Rio de Janeiro, que será sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016; enquanto na mesma cidade, mais de 4600 pessoas morreram vítimas de vio- lências relacionadas a crimes, drogas e milícias em 2008 (SWEIG, 2010, pp. 1-2; tradução nossa21).

Em termos gerais, a nova posição internacional do Brasil, para a qual contribuíram a estabilização democrática e o equilíbrio macroeconômico dos anos 1990 à primeira década do século XXI, promoveu mais estímulos à entrada de trabalhadores migrantes internacionais no país; ademais, problemas internacionais – tais como crises e recessões econômicas, xenofobia, políticas consulares altamente restritivas – tornaram a opção de migrar para o Brasil mais in- teressante, como reconhece Pintal (2011): “fato é que o Brasil desponta novamente como na- ção interessante à imigração” (PINTAL, 2011, p. 43). Vislumbram-se, ainda, outras razões para as migrações internacionais direcionadas ao Brasil, como a migração por segurança, ou seja, situações em que estrangeiros que correm qualquer tipo de risco em seus países resolvem migrar, a exemplo dos refugiados e dos grupos de diáspora, embora o objeto da presente pes- quisa seja, como já dito, o grupo de migrantes econômicos.