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Decorridos vinte anos do golpe militar de 1964, que alterara profundamente a forma de organização do Estado brasileiro, estava em andamento um processo de “mudança lenta, segura e gradual” 16 que pretendia restaurar a ampla democracia no País.

O desentendimento entre oficiais do alto escalão e a saída de três figuras importantes17 do governo João Batista Figueiredo18: Golbery19, Simonsen20 e Petrônio Portella21, associados a acontecimentos suspeitos, como a bomba que explodiu dentro de um carro no estacionamento do Riocentro, em 30 de abril de 1981, e também à morte do jornalista Alexandre von Baumgarten, desaparecido em 13 de outubro de 1982, cujo corpo foi encontrado na Praia da Macumba, no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, aumentaram a crise que já estava instaurada no último mandato de comando da ditadura militar.

Esses acontecimentos, porém, vale mencionar, já não estavam sob a égide do AI- 5/1968, que, em janeiro de 1979, deixara de vigorar. Fato noticiado pelo Jornal do Brasil, de 31 de dezembro de 1978, na primeira página, da seguinte maneira (REGIME..., p.1):

À meia-noite de hoje o Brasil sai do mais longo período ditatorial de sua história. Dez anos e 18 dias depois de sua edição, o Ato Institucional nº 5, que suspendeu liberdades individuais, eliminou o equilíbrio entre os Poderes e deu atribuições excepcionais ao Presidente da República, encerra sua existência.

O Presidente Ernesto Geisel, que governou com o Ato e comandou a política de distensão que o revogou, passa a última noite do ano – e do regime – na Granja do Riacho Fundo. O General Figueiredo, que receberá o Governo sem poderes arbitrários, começará o ano na Granja do Torto, também em Brasília.

A partir da meia-noite:

 O brasileiro volta a ter direito a habeas-corpus nos casos de crime político.

16

Segundo Gaspari (2016, p. 129), Ernesto Geisel tinha um projeto de abertura política “lenta, gradual e segura”. 17

“Antes de chegar à metade de seu mandato de seis anos, o presidente, que assumira com Golbery, Simonsen e Petrônio Portella formando o núcleo central do governo, perdera os três” (GASPARI, 2016, p. 210).

18

Último presidente Brasil no período da ditadura militar (mandato de 1979 a 1985). 19

Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil de 1974 a 1981. 20

Mario Henrique Simonsen, Ministro do Planejamento de 1979 a 1980. 21

 Os mandatos parlamentares voltam a ser invioláveis. O Executivo não pode mais cassá-los.

 Os direitos políticos tornam-se permanentes. O Executivo não pode mais suspendê-los sem amparo judicial.

 O Poder Judiciário recupera suas prerrogativas.

 Os funcionários públicos recuperam o direito de só sofrerem punição de acordo com as leis. O Executivo não pode mais demiti-los ou aposentá- los.

 O Direito brasileiro livra-se da pena de morte, da prisão perpétua e do banimento.

 Os Estados recuperam parte de sua autonomia. O Executivo não pode mais colocá-los sob intervenção sem licença do Congresso.

 Desapareceram da legislação nacional as siglas AI (Ato Institucional) e AC (Ato Complementar).

Em 1982, a economia estava muito ruim. A inflação, em 1983, alcançava o índice de 211%, mais que o dobro daqueles 80% apurados em 1963, no governo de João Goulart. O alto índice de inflação levava o País, que já estava sob um sistema de auditoria imposto pela banca internacional, à bancarrota (GASPARI, 2016).

Nesse ambiente político e econômico, a oposição partidária articulava-se para conseguir eleições presidenciais diretas para o cargo de presidente da República. Organizavam-se comícios em várias cidades do País, reforçando cada vez mais o apelo popular. Essa manifestação ficou conhecida como movimento das “diretas-já”.

O jornal Folha de São Paulo, desde 02 de dezembro de 1983, passou a publicar diariamente, no alto da primeira página um texto curto (com foto) de alguma personalidade defendendo a eleição direta. Começou com o jurista Gofredo da Silva Teles. Seguiram-se o cantor Gilberto Gil, a modelo Bruna Lombardi, o presidente da Volkswagen, Wolfgang Sauer, o escritor Gilberto Freyre, o cantor Erasmo Carlos, o palhaço Arrelia e até mesmo Plínio Correa de Oliveira, fundador da organização católica Tradição, Família e Propriedade. Na edição de 24 de dezembro, um Papai Noel. Em janeiro, a Folha deu outro passo, publicando com frequência o ‘Roteiro das Diretas’, um calendário de eventos da campanha, à semelhança das programações de cinemas e teatros. Num só dia, listou vinte eventos organizados para o mês em onze estados, indicando o nível de organização que o PMDB dera à campanha (GASPARI, 2016, p. 267).

Em Curitiba, ocorreu o primeiro grande comício das “diretas-já”, com aproximadamente 50 mil pessoas. Logo depois, foi a vez de São Paulo, que reuniu, na Praça da Sé, cerca de 300 mil pessoas. Várias manifestações foram acontecendo em diversas cidades (João Pessoa, Santos Olinda, Maceió, Fortaleza). Partidos de esquerda realizaram uma marcha, convocando caravanas que saíam de diversos lugares para se encontrarem em Brasília. Um novo comício ocorreu em Belo Horizonte, maior que o de São Paulo. O terceiro

grande comício aconteceu no Rio de Janeiro, calculando-se mais de 1 milhão de pessoas. Na semana seguinte, um novo comício em São Paulo superava mais uma vez a marca do último (GASPARI, 2016, p. 268-75).

A Emenda Constitucional que modificava as eleições presidenciais, conhecida como Dante de Oliveira, não foi aprovada em 26 de abril de 1984. As eleições diretas foram adiadas. Apesar disso, no último colégio eleitoral da ditadura, uma maioria democrática elegeu Tancredo Neves, que não pertencia aos quadros militares, para presidente da República. Por motivo de doença, falecendo em 21 de abril de 1985, não pôde tomar posse. Assumiu o cargo o vice-presidente, José Sarney, que, em 28 de junho de 1985, enviou mensagem ao Congresso Nacional com a proposta de convocação de Assembleia Nacional Constituinte (BONAVIDES; ANDRADE, 2002, p. 456-7).

A partir disso, com as devidas solenidades, teve início o processo de eleição dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal que integraram a Assembleia Nacional Constituinte. Por representação popular, foi elaborada a Constituição ora vigente que modificou sobremaneira o modo de ser do Estado, como será observado a seguir. Uma de suas principais características é a inclusão, no corpo normativo, de dispositivo que estabelece eleições diretas para o cargo de presidente da República.

3 ANÁLISE DOS DISCURSOS PROFERIDOS NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1967 (COM AS ALTERAÇÕES DE 1969)

Neste capítulo, serão percorridos os níveis narrativo, discursivo e fundamental para a busca de sentido dos seguintes discursos: (i) Discurso do Comando Militar Revolucionário no Ato Institucional 1/1964, assinado por general Arthur da Costa e Silva, tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello e vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald; (ii) Discurso do presidente H. Castello Branco no Ato Institucional n. 2/ 1965; (iii) Discurso do presidente H. Castello Branco no Ato Institucional n. 3/1966; (iv) Discurso do presidente H. Castello Branco no Ato Institucional n. 4/1966; e (v) Discurso do presidente A. Costa e Silva no Ato Institucional n. 5/ 1968.

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