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2 RELIGIÃO E PATRIOTISMO

3.1 Vêr, ouvir e contar

3.1.1 Brasil, Portugal e América Latina

O Jornal do Commercio, que ha quasi dois annos pouco mais ou menos tem feito praça de litteratura, e de um pouco de jornalismo, ha um anno, si tanto, na sua primeira columna — encetou no dia 17 no seu largo roda-pé uns estudos críticos (caras e caretas), filhos do mesmo author do Ver, Ouvir e Contar, daquelle mesmo que representou a nossa litteratura (?) no Congresso Internacional litterario durante o tempo da Exposição, sob o pseudonymo de Sant’Anna Nery (X. 22 de Fev. 1879:62).

Como se vê, o antinerysmo e, principalmente, os opositores ao Jornal do Commercio – “o grande orgam” – não estavam circunscritos apenas aos jornalistas da Revista Ilustrada. A citação acima foi retirada do jornal O Besouro. Folha crítica e satírica, também ilustrada, da segunda metade do século XIX. No trecho selecionado, que mostra apenas o primeiro parágrafo do artigo, o autor anônimo “X” busca logo de início deslegitimar o autor26 de Ver,

ouvir e contar, indagando – por meio de uma interrogação entre parênteses – qual literatura representava Santa-Anna Nery no “Congresso Internacional litterario durante o tempo da Exposição”?

O colaborador do Besouro se refere a participação de Santa-Anna Nery no primeiro congresso internacional de literatura, realizado em Paris e organizado pela SGLe. Nesta ocasião, em junho de 1878, sob a presidência de honra de Victor Hugo27, foi concebida a

26 Deslegitimando também o próprio nome de Santa-Anna Nery, dizendo tratar-se de um pseudônimo.

27 Edmond About, presidente da SGLe resume bem tanto o papel de Victor Hugo entre os homens de letras,

quanto o espírito liberal do encontro pós os “nefastos anos de 1870”: “Victor Hugo viendra, n’en doutez pas. C’est sa pensée qui nous anime; il vous répètera, dans son magnifique langage, ce que je vous explique aujourd’hui. Nous avons pensé qu'il était opportun, qu'il était bon de profiter de cette Exposition universelle qui, peu d'années après nos désastres, rassemble à Paris des nations soeurs par l'esprit et le libéralisme, pour réunir les Latins, les Anglo-Saxons, les Slaves, parmi lesquels aujourd'hui nous ne comptons que des amis et pas d'ennemis, afin de discuter, d'élucider cette question jusqu’ici indéterminée qui s'appelle la propriété littéraire, pour chercher un moyen de protéger efficacementles droits de la pensée. (Très-bien!)” (Congrès littéraire international de Paris, 1878:16).

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ALAI. Este primeiro congresso em Paris formulou de maneira geral os direitos dos escritores. Proclamando que o direito do autor sobre a sua obra não era uma concessão da lei, mas uma forma de propriedade que a legislação deveria garantir; dentre outros temas, como o reconhecimento do autor sobre o direito de tradução, a proteção internacional do direito do autor, a igualdade entre os autores de todas as nações. Entretanto, conforme nos lembra um

homem de letras daquele momento, “o Congresso não decide nada; mas discutimos e apoiamos as coisas mais justas, para que essas coisas se tornem lei” (Ratisbone, 1889:III)28.

Deste modo, os congressistas elegeram a estrutura do comitê da ALAI para que este organizasse o estatuto da associação e demais deliberações, sobretudo, junto aos governos dos países ditos civilizados, para que os mesmos apoiassem as resoluções sobre os direitos dos autores. Ficou decidido que a sede da ALAI seria Paris29. Em função da proposta de um membro alemão, estabeleceu-se também a criação de comitês nacionais, evidenciando-se mais uma vez a rivalidade entre alemães e franceses. Para o comitê sede foi eleito um comitê executivo composto por setenta e cinco membros. Como já nos lembrou “X”, Santa-Anna Nery representava o Brasil ao lado de L. Simões da Fonseca30. Diferentemente deste último, Santa-Anna Nery foi um membro destacado tanto deste comitê, quanto dos congressos literários realizados em Paris (1878) e Londres (1879)31. Santa-Anna Nery fez parte ainda de um grupo bastante seleto de políticos composto por José da Silva Mendes Leal, ministro de Portugal em Paris e membro do comitê de honra da ALAI, Torres Caïcedo, ministro de São Salvador em Paris e membro do comitê de honra da ALAI (representando a “América Latina”), Emilio de Santos, deputado pela Espanha e membro do comitê executivo e Frédéric Baetzmann, membro do comitê executivo pela Noruega. Santa-Anna Nery, nesta ocasião aparecia como membro do comitê executivo da ALAI representando o Brasil. Esta comissão especial foi responsável por entregar a Victor Hugo os primeiros resultados da ALAI, bem como seu primeiro boletim, grande parte dele dedicado ao congresso literário de Paris. A comissão se encontrou com o autor de Os miseráveis no dia 05 de janeiro de 1879. Mendes Leal, naquele momento presidente executivo da ALAI diz que Victor Hugo “foi o arquiteto

28 Louis Ratisbonne foi presidente da ALAI durante a Exposição Internacional de Paris de 1889. Ele foi o

responsável por prefaciar um compêndio sobre os dez primeiros anos da ALAI.

29 C'est là on offet que les écrivains des divers pays peuvent le plus souvent former et entretenir entre eux des

relations amicales et confraternelles (Ratisbone, 1889:VIII).

30 Nos boletins da ALAI não há quase informação sobre Fonseca. Encontramos apenas que ele era o responsável

por alguma revista de medicina.

31 Santa-Anna Nery se destacaria principalmente como eloquente orador durante os congressos e como

articulador no que se refere à estrutura da ALAI. Foi também o relator do estatuto, organizou os comitês nacionais, dentre outras atividades. Esteve também entre os condecorados, em função do sucesso do congresso de Londres, com título de officier d’académie pelo ministro da Instrução pública da França, Jules Ferry (BALAI, n. 6, 1879:2).

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desta obra, e se ela vive, é ao senhor que ela deve sua permanência” (Allocution de Victor Hugo, 1879:1). Santa-Anna Nery ajuntaria ao discurso de Mendes Leal que Victor Hugo havia sido eleito pelo comitê executivo como presidente de honra da ALAI e acrescentaria que “todos nós, vindos de todos os pontos do globo, nós vos aclamamos e nós somos confiantes e honrados de ter um mestre como o senhor à nossa frente” (Ibidem, 1879:2). Victor Hugo agradeceria a confiança que lhe fora depositada e falaria com o mais alto entusiasmo sobre uma “raça” destinada a “marchar a frente”.

La race des littérateurs, race rare, marchera devant; les peuples la suivront. La paix universelle sortira de cette immense fraternité spirituelle.

Votre oeuvre est grandiose; elle réussira. Elle ne peut pas rencontrer d'hostilité, car elle répond à un idéal de communauté que tous désirent ardemment.

Vous qui êtes plus jeunes que moi, vous en verrez les fruits.

J'ai toujours pensé que de l'alliance des lettres surgirait la pacification des âmes. Soyez remerciés, Messieurs, vous et vos confrères (Allocution de Victor Hugo, 1879:2).

Victor Hugo expressara e ajudava a legitimar um movimento universal – parisiense – em prol desses homens, provenientes de todas as partes do mundo “civilizado”, que se encontravam compatriotas de um mesmo governo: “a República das Letras”32. Torres Caïcedo diria no terceiro congresso da ALAI, em Lisboa, com a presença augusta de Dom Luis I e Dom Fernando (o Rei-Pai), que a “ALAI realizou a vasta federação de povos inteligentes, ela fundou a república universal das letras”. Confirmando as intenções de Victor Hugo de que a ALAI representaria a “Justiça, Reparação, Paz, elevação do nível intelectual e moral; e num futuro não muito distante, ela levaria a substituição das lutas sangrentas e estéreis com ferro e fogo pelas lutas pacificas e fecundas da pluma” (Caïcedo, 1880:9-10).

Contraditoriamente, esta república das letras teria a patronagem de diversos monarcas europeus33 e até mesmo Pedro II, o único imperador do Novo Mundo, seria eleito para o seu comitê de honra, ao lado de Joaquim Manuel de Macedo, visconde de Rio Branco e barão de Penalva. Eram quatro membros brasileiros compondo o comitê honorário, frente a apenas três

32 Desconhecemos o uso desta expressão para outros contextos, mas parece que já era uma ideia corrente a

relação entre a imprensa e a forma republicana. Assim, por exemplo, 20 anos antes Machado de Assis (1859:48) já se exprimia: “O jornal é a veradeira forma de república do pensamento. É a locomotiva intelectual em viagem para mundos desconhecidos, é a literatuta comum, universal, altamente democrática, reproduzida todos os dias, vivando em si as frescuras das ideias e o fogo das convicções”.

33O príncipe de Gales da Inglaterra, o rei Leopoldo II da Bélgica, o rei Humberto I da Itália, o rei dom Luís I de

Portugal e a rainha Elisabeth da Romênia. Entretanto, para esta estranha “república das letras”, encabeçava a lista dos “membros protetores” o presidente da República francesa (Ratisbonne, 1889:XIV). Além desses monarcas, haviam também outors nobres condecorados como membros honorários, como o Rei-Pai de Portugal Dom Fernando, o barão de Taylor pela França e o conde Léon Tolstoi pela Rússia (Comité d’honneur, 1879- 1880:15).

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da América Latina. Tal fato demonstra o poder de persuasão dos brasileiros, Santa-Anna Nery e Simões da Fonseca34, em garantir um grande número de agraciados pela associação, a fim de destacar o Brasil, a partir de seu “sábio imperador”, como um país de literatos, portanto, pertencente a mais alta linhagem civilizacional, segundo os parâmetros da “República das Letras”. Isso também garantia aos membros brasileiros da ALAI certo prestígio entre os mesmos agraciados, que poderia lhes ser útil em algum momento. Em outros termos, grande parte do comitê de honra da ALAI era utilizado como moeda de troca pelo comitê executivo, com o intuito de angariar não só fundos para a Associação, mas também apoio político em suas deliberações, conforme o próprio estatuto da ALAI35.

Entre os representantes do comitê de honra para a América Hispânica – a chamada América Latina – temos na figura de Torres Caïcedo o grande mentor. Caïcedo seria eleito presidente perpétuo da ALAI, além de membro honorário pela América Latina ao lado do presidente de seu país, a República de São Salvador, Rapahël Saldivar. Ambos foram responsáveis, ao menos para o ano de 1880, pelas doações que totalizaram 1000 francos para a ALAI. Uma soma bastante volumosa se comparado às demais doações, que variavam entre 50 e 200 francos36.

A pequenina República de São Salvador se ajuntara com outra república da América central, a Costa Rica, para formar a “América Latina”37. Após o congresso de Londres o bloco latino da América começara a inflar, com presença de colombianos, venezuelanos, argentinos e chilenos38. Brasil continuava à parte. Não tardaria muito tempo, para que um representante deste novo ente geográfico presidisse a ALAI. Torres Caïcedo a presidiu efetivamente entre os anos de 1879-1880, tendo como seu vice-presidente um membro do Brasil: Santa-Anna

34 Durante o Congresso internacional de Londres, Santa-Anna Nery juntamente com Torres Caïcedo indicam o

“antigo presidente do Conselho dos ministros do Brasil, promotor da abolição da hereditariedade da escrevidão, publicista, o visconde do Rio Branco”, para membro honorário da ALAI. Já Pedro II e barão de Penalva foram propostos por Alphonse Pages, secretário da ALAI ao lado de Simões da Fonseca (Congrès littéraire international de Londres, 1879:8 e 11). Importante frisar que o visconde do Rio Branco estava presente no Congresso de Londres (Santa-Anna Nery, 1880:71). Assim como A. d'Escragnolle Taunay, que fora eleito membro do comitê executivo ao lado de Santa-Anna Nery e Simões da Fonseca.

35 Statuts (1880:11): “Des membres honoraires. Art. XVI. – Les membres honoraires sont choisis, soit parmi les

personnes qui, par leur influence, leur caractère, l'éclat de leurs oeuvres ou de leur situation, ont rendu et peuvent rendre des services à l'Association, soit parmi les donateurs; ils ne sont astreints à aucune cotisation; ce qu'ils versent est reçu à titre de don. Ils peuvent assister aux séances du Comité exécutif avec voix consultative. Ils jouissent de tous les droits qui appartiennent aux membres associés”.

36 A doação da República de São Salvador, pelas figuras supracitadas e para aquele momento, foi a maior

contribuição de um país, equiparada somente pelo membro honorário Koechlin Schwartz (Liste des donateurs, 1880:16).

37 Quando do primeiro congresso em Paris, havia também um membro da Costa Rica, também eleito honorário,

Manuel Peralta. Foi Rapahël Saldivar o responsável pela a indicação de Peralta durante o congresso de Londres.

38 Os novos membros da “América Latina” votados pelo congresso de Londres foram “Lázaro M. Perez

(Bogota). — V. E. Quesada (Buenos-Aires). — Cecilio Acosta (Caracos). — Victoriano Lastarria (Chili)” (Comité exécutif, 1879:3).

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Nery39. América Latina e Brasil estavam, portanto, no alto da estrutura administrativa da ALAI durante o seu terceiro ano de vida. Talvez não fora ao acaso a escolha de Portugal para realização do III Congresso literário internacional40. Além disso, havia um fator para os latinistas da Associação que determinava a escolha de Lisboa como o local para o novo encontro: o tricentenário de Camões.

O responsável por colocar Camões em cena no interior da ALAI foi Santa-Anna Nery, por meio de uma conferência intitulada: Camoëns et la littérature portugaise41. Nesta, segundo apreciação do conde de São Miguel42, Santa-Anna Nery, ao render homenagem às glorias portuguesas, fazia obra de patriota, uma vez que a história do Brasil se confundia com aquela de Portugal (Inauguration des conférences, 1879:10).

Durante sua conferência, Santa-Anna Nery engrandeceria exatamente a grande extensão da língua portuguesa, apesar da pequenez do reino, dispersa pelos quatro cantos do mundo e ocupando, apenas na América do Sul, dois quintos do continente. Aproveitando assim para enaltecer o Brasil perante a América Latina de então. O conferencista iria ainda divulgar alguns sofismas sobre a língua de Camões, colocando-a como “primogênita entre as línguas latinas”, justificando tal elucubração em outro sofisma de que “todo português, mesmo iletrado”, poderia ler em latim devido a “enorme proximidade” entre a língua mãe e filha (Inauguration des conférences, 1879:10)43.

Deste modo, Santa-Anna Nery procurava dar a Portugal e ao povo português, por meio da língua de Camões, certa relevância, que lhe fora renegado, sobretudo, entre os latinistas, inclusive a si próprio, se nos lembrarmos que Portugal nem esteve presente na suposta “federação latina”, em seu Prisonnier du Vatican44. Além disso, parecia perdurar o velho

39 Além disso, para este período havia outro presidente: Pierre Zaccone e mais dois vice-presidentes: Adolphe

Belot e Campbell Clarke (BALAI, n. 5, 1879).

40 Outro fator importante era a presença do português Mendes Leal na presidência efetiva da ALAI durante esta

escolha.

41 Esta palestra realizada no dia 17 de novembro de 1879 na sede da ALAI inaugura uma série de conferências

sobre literatura estrangeira em Paris (Inauguration des conférences, 1879:10).

42 Durante esta ocasião, o conde de São Miguel presidiu a conferência de Santa-Anna Nery ao lado de Torres

Caïcedo. Provavelmente por se tratar de um português associado da ALAI, além de ter profundas e antigas ligações com a monarquia portuguesa, uma vez que se tratava possivelmente do 9º conde de São Miguel (Cf. Pereira e Guilherme, 1915).

43 Anos mais tarde, Olavo Bilac iria poetizar “A última flor do Lácio”, referindo-se à delonga da língua

portuguesa em relação às demais neolatinas, as línguas de Lácio na península itálica.

44 Importante ressaltar que em 1876 ocorrera a Conferência Internacional de Geografia, conhecida como

Conferência de Bruxelas, que teve como objetivo, traçado pelo rei belga Leopoldo II, “abrir à civilização a única parte do nosso globo em que ela não havia penetrado”; estava anunciada a partilha da África pelas potências europeias. Portugal, por meio de sua longa história no continente africano, defendia para esta cartografia colonial, o “mapa cor de rosa” (o fundo territorial entre a Angola e Moçambique, atravessado oficialmente por Serpa Pinto). É neste contexto também que se dá a formação da Seção da Sociedade de Geografia de Lisboa no Rio de Janeiro, em 1878, a fim de angariar apoio brasileiro para as pretensões territoriais portuguesas na África

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medo, proveniente da morte do rei Dom Sebastião, da União Ibérica sob a supremacia da Espanha. Daí Santa-Anna Nery também explicitar em seu discurso, logo de início, certamente por influência de seus amigos portugueses, de que a “língua portuguesa não é, como pretende alguns ignorantes um dialeto espanhol”. Evidenciando ainda que nem mesmo o espanhol era dominante na Espanha e que o português havia se constituído à parte do reino vizinho. Aproveitando, assim, para deslegitimar qualquer tese nacionalista, amparada sobre critérios linguísticos, que poderia ser aplicada à península Ibérica45.

Segundo o boletim da ALAI “o sucesso desta primeira conferência teria sido tão grande que elevou Santa-Anna Nery ao nível dos grandes críticos”46. Torres Caïcedo finalizaria a sessão dizendo que as conferências da ALAI seriam um “verdadeiro curso de literatura universal feita por autores nacionais” (Inauguration des conférences, 1879:10). Nesse sentido, foram proferidas novas conferências vertendo sobre a América Latina (a hispânica), a Noruega e as Índias Orientais.

Concomitante a essas atividades, a ALAI iniciava a preparação do III Congresso internacional de Lisboa que trataria “especificamente e completamente da questão da tradução, isto é, da questão literária verdadeiramente internacional, que poderia se resumir em duas palavras: exportação e importação” (BALAI, n.9, 1880:8-9). Assim, foram formadas duas comissões: uma sobre os aspectos literários e outra sobre a questão legal no que concerne às traduções. Diversos foram os membros da Associação que se disponibilizaram a escrever sobre o estado da arte da tradução em seus países47. Mendes Leal, por exemplo, ficou responsável pela literatura portuguesa. Assim, coube a Santa-Anna Nery o Brasil. Fora a primeira vez que encontramos uma publicação sua sobre a “mátria amada”, denominado

Brésil48.

(Cf. Mary, 2010). Nesse contexto também podemos compreender a realização do Congresso internacional de literatura em Portugal, que originariamente ocorreria concomitantemente ao Congresso internacional de geografia, também em Lisboa.

45 A Revue du Monde Latin noticiou em alguns números, com bastante reprovação, propostas de republicanos

espanhóis sobre a formação da “grande república Ibérica”, sobretudo após a queda da monarquia brasileira. O colega de Santa-Anna Nery do jornal L’Événement, Gaston Routier, publicou com bastante entusiasmo que em função da “Revolução no Brasil” “On pourrait réaliser alors le rêve du parti républicain espagnol et portugais: la République des États-Unis d’Espagne et Portugal” (L’Événement, 02 dez. 1889:2).

46 Pedro do Rego (1882:12, o grifo é nosso) aproveita esta informação do boletim da ALAI para dizer que: “O

boletim oficial da Associação Litteraria Internacional (...) o colocava ‘entre os primeiros críticos da França’”. Repare que Rego coloca ao final da citação do boletim o recorte: ‘da França’, que não existe na citação original.

47 Ao todo apareceram membros da Alemanha, Inglaterra, América do Norte, Brasil, Dinamarca, Noruega,

Espanha, França, Hungria, Itália, Polônia, Portugal, Romênia e Rússia (BALAI, n.9, 1880:9).

48 Cabe aqui uma reflexão, pois tanto Faria (1905), quanto o próprio Santa-Anna Nery (1898a), colocaram nas

orelhas de seus livros a listagem bibliográfica de Santa-Anna Nery encabeçada por Un poète brésilien: “Antonio Gonçalves Dias”. Colocado como seu primeiro livro, publicado em 1871, no mesmo ano de Les Finances

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Temos neste contexto, homens de letras, jornalistas e editores49 descendo às arenas pela pátria. Cada qual, representante de suas “nações” ou de algo que as aproximasse e lhes alargasse as influências, como a “América Latina” de então. Entretanto, como apontou Voltaire ainda no século das luzes: “L’homme de lettres est sans secours; il ressemble aux poissons volants; s'il s'élève un peu, les oiseaux le dévorent; s'il plonge, les poissons le mangent (...). L'homme de lettres est descendu pour son plaisir dans l'arène; il s'est lui-même condamné aux bêtes” (Voltaire, 1964:255)50. Deste modo, se consolida a ideia do ofício de escrever como uma arma, a fim de combater, numa arena pacífica – “A República das Letras” –, em prol do progresso da humanidade. Em diferentes momentos dos boletins da ALAI, encontraremos referências aos seus membros como “apóstolos do progresso”. Os propagadores, os propagandistas, portanto, da fé na “civilização”, por meio da escrita, da comunicação em todos os seus níveis, materiais e intelectuais. Civilização compreendida como desenvolvimento técnico e científico das diferentes nações. Para grande parte desses homens de letras, o início deste progresso estaria atrelado à invenção de Gutenberg, descrita como “a força expansiva das mais potentes”, que não parou e assim se perpetuará: “é a sua lei, é a lei mesmo do progresso”. Progresso que, para esses “apóstolos” da livre circulação, da