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Brasil produz tecnologia para terapia de combate ao câncer

No documento RevistaConecta-1 (páginas 62-64)

O Brasil dispõe agora de tecnologia para a produção do radio- isótopo Lutécio-Octreotato, elemento radioativo utilizado na fabri- cação de um radiofármaco de alta especificidade para o trata- mento de tumores neuroendócrinos. O método de produção foi desenvolvido no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e a tecnologia foi selecionada para avaliação pelo Programa de Investigação Tecnológica do Estado de São Paulo (PIT-SP) devi- do à forte característica de apelo social, ou seja, um medicamen- to nacional desenvolvido por instituto público de pesquisa e uti- lizado no diagnóstico e tratamento do câncer.

Rodolfo Politano, gerente do PIT no Ipen, diz que a área de saúde e medicina sempre foi considerada prioridade pela socie- dade o que motivou o programa a selecionar a pesquisa para divul- gação. Além disso, o Ipen tem uma interação muito forte com a comunidade médica, além de diversas clínicas e hospitais do país e o PIT tem ajudado a disseminar uma cultura da inovação entre os pesquisadores da instituição. Politano ressalta que o programa não age de forma direta na pesquisa e no contato com as empre- sas, a sua atuação é interna e de auxílio aos pesquisadores. “O nosso principal enfoque é na área jurídica e de negociação com as possíveis parcerias”, explica, “e nessa pesquisa, em especial, o contato inicial que tivemos foi por demanda, ou seja, a própria comunidade médica nos propôs a pesquisa com o radioisótopo”. O Lutécio-Octreotato é amplamente utilizado no exterior para o tratamento de tumores neuroendócrinos, mas no Brasil seu uso ainda é restrito, devido ao alto custo.

No início de 2000, o médico radiologista Aron Belfer, do hos- pital Albert Einstein foi quem primeiro procurou o instituto para verificar a possibilidade da produção nacional do Lutécio- Octreotato. “Foi nessa época que o pessoal da Universidade de Erasmus de Roterdã, na Holanda, iniciou um projeto de pesqui- sa com um peptídio marcado com Lutécio-177 para tratamento

de tumores neuroendócrinos. Como achei a pesquisa muito pro- missora, baseada em vários estudos em modelos animais, procu- rei o Ipen. Eu tinha contato com a universidade de Roterdã, pois trabalhei sete anos na Holanda, e poderia servir de ponte para pas- sar o know-how para o Ipen” esclarece Belfer.

Em 2004, a tecnologia começou a ser desenvolvida no Ipen durante o doutorado do biológo José Caldeira. “A produção roti- neira do 177Lu-Dotatate no Ipen foi um trabalho realizado com a metodologia do Centro Médico Erasmus em Roterdã e como para- lelo ao trabalho de Caldeira” afirma Marycel Barboza, gerente de produção da Diretoria de Radiofarmácia do Ipen. Em 2006, sur- giu a parceria com o hospital Albert Einstein para a realização de testes clínicos com a substância. Aron Belfer aplicou as terapias e notou como benefícios poucos efeitos colaterais e a melhora na qualidade de vida dos pacientes. O médico explica que o trata- mento é indicado quando não existe progressão da doença, quan- do não há possibilidade de um tratamento cirúrgico e quando o paciente apresenta sintomas que não reagem a outras terapias.

O Hospital do Câncer A. C. Camargo de São Paulo e o Instituto do Câncer do Ceará também já disponibilizam o tratamento. “Essas parcerias são importantes, pois o Ipen tem a capacitação tec- nológica na marcação e desenvolvimento de radiofármacos e os hos- pitais são os portadores da meta final (pacientes)” ressalta Belfer.

Recursos

Os recursos para a pesquisa vieram da Agência Internacional de Energia Atômica (Iaea) por meio de um programa coordenado de pesquisa chamado “Development of Therapeutic Radiopharmaceuticals Base don 177-Lu for Radionuclide Therapy”. O programa foi desmembrado em sub-projetos e coube ao biólo- go José Caldeira o desenvolvimento do método para a produção do Lutécio-Octreotato. “A inovação dessa pesquisa é a adequação das condições de síntese da substância para a obtenção do radio-

FARMÁCIA

Substância utilizada no diagnóstico e tratamento de tumores

neuroendócrinos já pode ser produzida e comercializada em larga escala

fármaco. Com isso, foi possível desenvol- ver um produto com a mesma qualidade do que é usado em outros países, como a Holanda”, esclarece Elaine Bortoleti de Araújo, orientadora da pesquisa e geren- te de garantia da qualidade do Centro de Radiofarmácia do Ipen.

Para o desenvolvimento da pesquisa foi necessária a aquisição do radioisóto- po 177 — Lu-Dotatate, que é importado do Canadá ou da Holanda, e do peptídio octreotate (Tate), acoplado ao agente que- lante Dota, por isso Dotatate. Em seguida, foram realizados estu- dos de cromatografia, para avaliar a pureza radioquímica do radio- fármaco, além dos estudos de estabilidade, metodologia de puri- ficação e estudos pré-clínicos para avaliação em modelo animal. Após todos esses passos, um “piloto de produção”, propi- ciou a simulação das condições necessárias para a produção propriamente dita do radiofármaco, que é a combinação da substância Lutécio-Octreotato com um fármaco. A tecnologia obtida foi então transferida para a equipe de produção da radio- farmácia. “Só depois de comprovada a garantia e eficácia do medicamento é que as parcerias com os hospitais puderam ser iniciadas” ressalta Araújo.

No alto, Centro de Radiofarmácia do Ipen;

acima, imagem mostra os tumores antes e depois do tratamento com lutécio. As duas imagens da direita são da tomografia computadorizada

mostrando o tumor (seta) antes e na inferior após o tratamento

Alguns tumores neuroendócrinos chamados gastroen- teropancreáticos apresentam um grande número de receptores de somatostatina, hormônio protéico pro- duzido por células delta do pâncreas. O Lutécio- Octreotato tem a característica de ser um análogo a esse hormônio. Isso permite que ele se dirija diretamente a esses tumores levando radiação, com mais eficiência e menos efeito sobre os demais órgãos do corpo. Em alguns casos, porém, o tratamento não é indicado, tais como: gravidez da paciente, comprometimento seve- ro da função renal e hepática, quadro sanguíneo baixo ou quando o paciente apresenta metástases cerebrais.

APLICAÇÃO: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DO CÂNCER

A tecnologia tem duas formas de aplicação: no trata- mento da doença, o que a encaixa no segmento de dro- gas para tratamento de câncer; e como diagnóstico da

doença, o que a encaixa no segmento de análises e exa- mes. Estes últimos são definidos como PET ou Tomografia de Emissão de Pósitrons. Trata-se de um exa- me de imagem da medicina nuclear. O teste PET é mini- mamente invasivo e as doses de radioatividade absor- vidas por cada paciente são semelhantes ao de outros estudos como a tomografia computadorizada.

LEGISLAÇÃO

De acordo com a Comissão Nacional de Energia Nuclear, embora sempre tenha sido de competência da União exercer o monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrializa- ção e o comércio de minérios, minerais nucleares e seus derivados, a Emenda Constitucional nº 49, de 2006, excepciona do monopólio a produção, a comer- cialização e a utilização de radioisótopos de meia-vida curta, para usos médicos, agrícolas e industriais.

Os radioisótopos excluídos do monopólio são aqueles de meia-vida inferior a 2 horas. A meia vida do Lutécio- Octreotato é de aproximadamente 6,7 dias e, por isso, sua produção ficará restrita ao Ipen. Portanto, a tec- nologia deve ser usada para produção diretamente pelo Instituto e sua venda realizada para clínicas e hospitais

interessados.

ANVISA

O uso do Lutécio-Octreotato está em fase de testes clínicos. Apenas após a finalização desses testes, seu registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) poderá ser requerido. A avaliação de um dos- siê de registro pela Anvisa costuma ser dividida em três partes: análise farmacotécnica, análise de eficácia, e aná- lise de segurança. Os testes clínicos se encaixam na aná- lise de segurança, a última parte da avaliação.

MAIS EFICIÊNCIA E MENOS EFEITOS COLATERAIS

N UCLEAR C LÍNICA DE R ADIOSOTOPIA / A RON B ELFER

No documento RevistaConecta-1 (páginas 62-64)