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3 H H ISTORIANDO O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO – ENTRE SANÇÕES E PRIVILÉGIOS

3.1 Na fase luso-brasileira

O modelo de colonização utilizado por Portugal, definitivamente, refutava a criação de faculdades em suas possessões. A negação fez parte de um quadro em que o poder monárquico lusitano podava toda e qualquer iniciativa de desenvolvimento autônomo da colônia (TEIXEIRA, 1989).

Cunha (1997) aponta que, mesmo inexistindo instituições de terceiro grau, alguns cursos oferecidos pelos jesuítas assumiram roupagem de superiores. Entre os quais, consideravam-se desse nível o de Artes, também conhecido como de Filosofia, e o de Teologia. Seu público compunha-se, preferencialmente, de jovens afortunados. Membros de origem humilde eram raríssimos nesse meio (SANTOS, 1998). Tinha gênese aí a trajetória de associações entre determinantes socioeconômicas e acesso ao ensino superior que emblema a biografia brasileira.

O primeiro desses cursos teve sede num tradicional colégio jesuítico da Bahia e data de 1572. Por todo o período colonial totalizaram-se 17 estabelecimentos religiosos que propiciavam formação superior (BOCSHI, 1991). Santos (1998) frisa que os estudantes do curso de Teologia, tido como o mais nobre, eram escolhidos entre os jovens das ricas famílias. Como toda realização percebida na colônia decorria necessariamente de aval português, no sentido de obter reconhecimento desses cursos, alegando semelhanças entre eles e os proferidos em Ávora e Coimbra, vários foram os encaminhamentos feitos ao governo metropolitano. Portugal, todavia, afirmara com veemência que os graus conferidos pelas instituições brasileiras não gozavam de sua chancela (BOSCHI, 1991). Essa ausência de amparo legal fez com que a maioria dos autores desconsiderasse o caráter superior dos cursos de Artes e de Teologia (LAMPERT, 2006).

Na época, o acesso ao ensino de base, sob responsabilidade de Companhia de Jesus, era garantido apenas a uma fatia da sociedade. Conforme Gonçalves (2009), a exclusão, além da implícita, apresentava-se de modo explícito, visto que índios, negros e mulheres não

podiam engajar-se no sistema de educação vigente. Santos (1998, p.238) esclarece que “a

finalidade dos educandários jesuítas era a formação intelectual dos filhos dos proprietários de

terras, de minas ou dos comerciantes portugueses aqui residentes.”  

Estudantes sob a tutela da congregação tinham educação semelhante à ofertada em Portugal, posicionando-se com maiores chances de ingresso em cursos superiores no exterior.

O local de destino da maior parte desse público era a Universidade de Coimbra, que por tempos acolheu os discentes coloniais.

Teixeira (1989) considera que Coimbra foi a “primeira universidade para os brasileiros”, pois nela se graduaram mais de 2.500 jovens nascidos no Brasil durante os três primeiros séculos do período colonial. Eram procurados, especialmente, os cursos de Teologia, Direito Canônico, Direito Civil, Medicina e Filosofia (SOARES, 2002).

Soares (2002) acentua que as cátedras de Coimbra tinham como missão unificar a cultura do império português. Ao acolher os filhos das elites coloniais, a Universidade de Coimbra lhes despertava uma cultura avessa ao questionamento da fé cristã, além de reforçar- lhes a posição de superioridade da Metrópole (SOARES, 2002).

A necessidade de graduar-se em Portugal era tida como dos mais fortes vínculos de dependência colonial. Criar IES no Brasil significaria abrir mão desse relevante instrumento de controle. Destarte, a Universidade de Coimbra, ao satisfazer os interesses educacionais das aristocracias remotas, gerava em seus membros um sentimento de dívida, posicionando a Metrópole como credora ideológica desse grupo. Tal “favor” agregava aliados, amainando as possibilidades de revoluções pró-independência.

Ao final do século XVIII o embate entre a Companhia de Jesus e o Marquês de

Pombal, que culminou na expulsão dos jesuítas4, pôs termo à formação clássica, balizadora do

acesso à Universidade de Coimbra. Os tradicionais cursos de Artes e Teologia passaram a ser ministrados nos mosteiros franciscanos. Fora das cercanias clericais, alguns poucos letrados ensaiavam ocupar o espaço deixado pelos jesuítas na função docente (OLINDA, 2003).

Em 1808, quando a família real portuguesa migrou para o Brasil, novos ares foram sentidos no seu campo educacional. No estado da Bahia, onde a corte desembarcou, comerciantes locais reivindicavam a fundação de uma universidade genuinamente brasileira, oferecendo para tal importante soma pecuniária (TEIXEIRA, 1989). Foi instituída, no mesmo ano, não a preterida universidade, mas a primeira escola de educação superior isolada: a

      

4Cabe acrescer que a expulsão dos Jesuítas deu-se com vista a reduzir o poder da igreja. O despotismo apregoado

no período tornava o monarca um ser com direito divino de governar. Em consequência disso, o clero passou a ser subvertidos à autoridade real. Como ministro do reino português, o Marquês de Pombal, intencionando transformar o país numa metrópole capitalista, deu liberdade aos índios, criando assim uma quimera com os jesuítas, que não permitiam a interferência real em assuntos de sua alçada. Disso resultou a retirada de 670 jesuítas residentes no Brasil e, por conseguinte, o fechando dos colégios por eles fundados (DELPHINO, 2010).

Faculdade de Cirurgia, Anatomia e Obstetrícia. Nessa ocasião começara de fato a história do ensino superior brasileiro.

Outras faculdades tiveram origem no período. A segunda delas, a Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina, foi implantada na cidade do Rio de Janeiro e, juntamente com Salvador, passou a formar o corpo médico local. Antes da independência criaram-se, ainda, a Academia Real da Marinha e a Academia Real Militar, ambas no Rio de Janeiro, que já era capital do país.

Teixeira (1989) ressalta que no período colonial eram considerados brasileiros os portugueses do Brasil. A inexistência de laços consanguíneos com a Metrópole era impeditivo para o uso do adjetivo pátrio. O discurso incitado pelo Estado, em seu turno, reforçava a ideia de que as IES coloniais eram propícias a brasileiros. Assim, somente o público considerado como tal tinha orientação para acessá-las (TEIXEIRA, 1989). Vê-se que, de forma velada, a expressão “educação superior para brasileiros” carregou uma forte carga segregacionista.

Nessa discussão, vale ressalvar que os ingressantes nos cursos locais eram os mesmos propensos a estudarem em Coimbra. Universia (2008) esclarece que o público só mudou de destino uma vez que os componentes da aristocracia ficaram impossibilitados de adentrar na Europa, devido ao bloqueio napoleônico.

Nos moldes em que as IES foram concebidas, observou-se a inexistência de um plano que associasse seus fins ao progresso da nação. Sua valia ajustou-se, a priori, na satisfação das necessidades da corte em sua nova morada (MENDONÇA, 2005).

Credenciando o discurso de Mendonça, Teixeira (1989, p. 25) afirma que:

Apesar da[sic] implementação dessas instituições de ensino assumir importância histórica valiosa, como as primeiras escolas autorizadas a fornecerem diplomas de formação superior, vale ressaltar que o real propósito da criação de todas elas estave voltado ao caráter utilitarista e imediatista, com a finalidade de qualificar mão-de- obra capaz de servir os interesses imediatos da nobreza portuguesa, nada tendo a ver com a necessidade de desenvolvimento educacional do país.

O ambiente tropical brasileiro era berço de inúmeras doenças, muitas delas desconhecidas pelos europeus. Por isso, a realeza necessitou de especialistas médicos para o trato de enfermidades regionais que, por ventura, acometessem seus membros. As faculdades da área médica surgiram com o escopo de formar profissionais que suprissem essa lacuna (TEIXEIRA, 1989).

Já a fundação da Academia Real Militar, onde se estudava engenharia, e da Academia Real da Marinha, onde se aprendiam assuntos náuticos, refletia a preocupação da corte em desenvolver um eficaz sistema de defesa, haja vista a recente invasão francesa a Portugal.

O fato de os cursos terem-se voltado ao ensino prático, assumindo forte orientação elitista, foi a principal marca da educação superior no período pré-monárquico.