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3 H H ISTORIANDO O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO – ENTRE SANÇÕES E PRIVILÉGIOS

3.2 Na fase imperial

Em 1822, com a independência do Brasil, Dom Pedro I deu continuidade ao processo de criação de escolas superiores. Após assumir o trono, o monarca inaugurou mais três delas. As primeiras, no âmbito das ciências jurídicas, foram implantadas em 1827, nas cidades de São Paulo e de Salvador. A última, a Escola de Minas e Metalurgia, datada de 1832, teve como sede a cidade mineira de Ouro Preto.

No ano de 1827 foi promulgada a primeira lei sobre instrução pública do império, tida como um ensaio de reordenamento da educação infantil. A norma versava que em todas as cidades, vilas e todos os lugares populosos, deveria haver escolas de primeiras letras (NASCIMENTO, 2012). Relatório do ministro Lino Coutinho, referente ao período de 1831 a 1836, entretanto, denunciou os parcos resultados da aplicação do dispositivo legal. Conforme Nascimento (2012, s/n), o documento admitia que:

houve abandono do poder público quanto ao provimento dos recursos materiais, como os edifícios públicos previstos pela lei, livros didáticos e outros itens. Também apontava o baixo salário docente; a excessiva complexidade dos conhecimentos exigidos pela lei que dificultava o provimento de professores; e a inadequação do método adotado em vista das condições particulares do país.

A precariedade estendia-se também ao ensino médio. Antes de sua reformalização, o sistema de aulas régias, imposto por Pombal, era que propiciava os conhecimentos necessários à aprovação nos exames preparatórios (testes que ratificavam a formação média e credenciavam para o nível superior). Tal sistema consistia em aulas particulares, nas quais o aluno deveria ir até a residência de um professor regente para receber a devida instrução (DANTAS, 2008).

Os exames preparatórios contavam com disciplinas afins ao curso superior objetivado. Como nem todas as províncias dispunham de docentes para a totalidade de cadeiras exigidas, o exame passou a existir de forma parcelada, com estudos fragmentados no

espaço, conforme a disponibilidade dos professores das diversas áreas. Dessa forma, o aluno cursava uma disciplina numa província e em seguida cumpria a fase do exame preparatório (parcela) alusivo ao conteúdo estudado. Posteriormente, viajava para outra localidade, onde cursaria uma nova disciplina e concluiria uma segunda etapa. A “peregrinação” continuava até que fosse realizada a totalidade de provas.

Nota-se, diante do exposto, que o modelo de “seleção” para a educação superior era notoriamente excludente. Alunos menos abastados não tinham como arcar com as aulas, viagens e os demais custos demandados no processo. Assim, pode-se dizer, como bem acentuam Moisés e Murasse (2006), que o ensino secundário realizado de forma parcelada teve especificamente uma função seletiva da elite, pois apenas uma minoria tinha acesso a ele e por meio dele às IES.

Em 1834 estabeleceu-se, por Ato Adicional, um conjunto de mudanças na Constituição que vigorava desde 1824. Entre outros pontos, ele dividiu a oferta de educação da seguinte forma: ficou a cargo do governo central organizar o ensino superior em todo o país e os demais níveis de ensino apenas na sede do império, e sob responsabilidade dos governos provinciais, o ensino primário, secundário e profissional nas suas respectivas jurisdições.

Um dos marcos dessa reforma constitucional de 1834 foi a fundação do colégio Dom Pedro II. Sediado na capital carioca, o colégio foi idealizado com o desígnio de servir de modelo de ensino secundário. Moisés e Murasse (2006) fornecem evidências que seu ensino era direcionado a uma elite privilegiada em prejuízo de uma população constituída, majoritariamente, por analfabetos. Nascimento (2012) acrescenta que o colégio Dom Pedro II, onde se ofertava o melhor ensino e a melhor cultura, tinha como objetivo a formação da elite dirigente do país.

Atestando sua qualidade, em 1843 permitiu-se aos egressos do Colégio Dom Pedro II matrícula direta em qualquer IES. Em período subsequente, os Liceus, instituições secundaristas estaduais, se equipararam ao colégio modelo, passando a ratificar a formação secundária e a credenciar para o ensino superior.

De forma pontual, eram observados os primeiros alinhamentos entre educação superior e progresso da nação. Assim, o governo investia em cursos tidos como impulsionadores do crescimento local.

Valorizavam-se primeiro os bacharéis de Direito. Em seguida vinham os engenheiros, imprescindíveis para o desenvolvimento dos empreendimentos estatais ou privados relativos aos transportes, à mineração e aos grandes desafios da urbanização que se processavam, particularmente, no sudeste do país; depois a medicina - seus formandos se encontravam no topo do prestígio em matéria de escolaridade (MENDONÇA, 2005, p. 1).

Direito, Engenharia e Medicina passaram a ser referenciados como cursos imperiais, neles ingressando jovens dos mais altos nichos da sociedade (COELHO, 1999). Os profissionais de Direito eram de suma relevância para a construção das bases legais do império. Dantas (2008, s/n) aduz que “das faculdades de direito saíam os novos políticos, o que explica a despreocupação da classe dirigente com os problemas econômicos e sociais”, visto que seus membros pouco tinham contato com a realidade das massas. Para os movimentos de industrialização, engenheiros tornavam-se imprescindíveis. Já os médicos, por sua importância universal, carregavam uma consideração perene (VARGAS, 2010B).

Havia um desprezo das aristocracias pelos trabalhos manuais, tidos como inferiores, se comparados aos de cunho intelectual (MENDES; VARJÃO; FARIAS, 2012). Para indivíduos menos aquinhoados restavam aqueles, uma vez que a formação superior, ponte para profissões que exigem maior intelecto, lhes era quase que utópica. A repulsa aristocrata pelas atividades ligadas às artes e aos ofícios estava bem de acordo com a estratificação social vigente.

Apesar das iniciativas de desenvolvimento, a economia nacional ainda alicerçava- se no modelo agroexportador, constituído por uma elite latifundiária que não enxergava nas instituições superiores sua real importância (TEIXEIRA, 1989). Por isso, no Segundo Reinado, a educação desse nível pouco se expandiu. Fora a Escola Superior de Farmácia, inaugurada em Ouro Preto no ano de 1839, nenhuma outra IES foi concebida na longa regência de Pedro II, caso que veio atenuar ainda mais as possibilidades de acesso das camadas populares.