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4.5 A rede ferroviária como indutora do desenvolvimento econômico: o espaço político.

4.5.3 A Formação da Companhia Mogiana

4.5.3.1 Breve análise tipológica das estações de Jaguary e Guedes

Deve-se, apontar os aspectos relevantes referentes à tipologia de tais conjuntos, contextualizando-os no panorama da Arquitetura Rural do período cafeeiro, como elementos agregados à produção, distribuição e comercialização do café, principal produto de exportação do país a partir de 1870, em que estava alicerçada toda a economia nacional.

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Tratava-se de obra de engenharia o projeto de instalação de um complexo ferroviário na segunda metade do século XIX, assim as benfeitorias e obras de arte47, análise do melhor trajeto, estudos de agrimensura e planialtimétricos, e o funcionamento do conjunto de toda a estação. Campos (2010), ao traçar a trajetória do Engº Antonio Francisco de Paula Souza, o faz atrelada às necessidades de melhoria da infra-estrutura no transporte, as ferrovias, e esclarece o papel fundamental do engenheiro para o projeto de instalação de tais obras.

Figura 30 - Eng.º Antonio Francisco de Paula Souza.

Fonte: www.revistadoempreiteiro.com.br/images/materiaedicoes

De fato, a partir do século XVIII, com a evolução da segunda fase da Revolução Industrial, embasada nas descobertas e nos conhecimentos tecnológicos e científicos aplicados ao modo de produção, onde a invenção da máquina a vapor foi fundamental como ponto de partida na aceleração do processo produtivo; o século XIX se tornaria o século da Engenharia, vindo mesmo a sobrepujar a Arquitetura (PEVSNER, 1980).

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Obras de arte: Designam construções elaboradas por artífices, aplicadas às vias de comunicação, e que adquirem dimensão e originalidade apreciável. Usa-se relativamente às estradas de ferro quando estas precisam transpor algum obstáculo pelo uso de túneis, pontes ou viadutos. Fonte: http://wikipédia.org/wiki/Obra_de_arte. Acessado em 08/12/2011.

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Conforme relata Campos (2010, p.44), acerca das correspondências trocadas entre o Conselheiro Paula Souza e seu filho o Engenheiro Antonio Francisco, ambos concordavam que a engenharia era o ramo de atividade principal pelo qual passavam todas as transformações decorrentes desta nova realidade econômica e tecnológica em expansão, e transcreve que “a nova infra-estrutura de transporte ao combinar aço barato [...] tornava possível a montagem de uma nova logística e a ampliação da produção. Sabia da imprescindibilidade da figura do engenheiro para que o Brasil progredisse”.

O Conselheiro orientava ainda seu filho a “ocupar-se de estudos hidráulicos da Engenharia e de caminhos e pontes em todas as suas variedades” (CAMPOS, 2010, p. 44).

O contexto que se apresentava, decorrente da conjuntura econômica internacional, principalmente na Europa, era o da expansão da economia baseada no sistema capitalista de produção, na forma de produção mecânica, no aumento populacional, no deslocamento da massa de trabalhadores do campo para a cidade; e nas transformações que isso acarretou, tornando as cidades mais populosas e deficitárias de um adequado sistema de infra-estrutura urbana que atendesse a este novo contingente, o que exigia uma nova ordenação territorial e planejamento das cidades.

Tal crescimento solicitou uma série de inúmeras construções ligadas ao escoamento e comercialização da produção em grande escala como portos, armazéns, mercados, pontes e ferrovias, que demandavam rapidez nas construções para atender à demanda, e a aplicação das tecnologias emergentes, assim o material que melhor se qualificava para estes requisitos construtivos era o aço, permitindo rapidez e flexibilidade (PEVSNER, 1980).

Um dos exemplos deste tipo de construção na cidade de Jaguariúna é a ponte “Pedro Abrucês”, sobre o rio Jaguari datada de 1875.

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Retomando a análise tipológica, pode-se verificar no que respeita às possibilidades tecnológicas, tais edificações, principalmente as estações de Jaguary e Guedes (as primeiras deste tipo na região) estavam consoantes com os materiais e técnicas empregadas no período de sua construção.

Lamounier (2010, p.20) explicita o vínculo entre as estações e as fazendas como integrantes do processo produtivo: “o estreitamento das relações entre fazendeiros de café e as ferrovias reproduziam-se neste território em nível regional e em nível local”.

Tal afirmação abrange o conceito da necessidade das ferrovias para as fazendas, como meio de transporte da mercadoria e também como setor de investimento rentável.

Isto expõe a relação “simbiótica” entre o sistema de produção e o sistema de transporte dentro do complexo cafeeiro cujo desenvolvimento, de acordo com Prado Jr. (1993, p.168) fez com que “o Brasil conhecesse pela primeira vez o progresso moderno, e certa riqueza e bem estar material”.

Com bases na imagem da primeira estação de Jaguary, é possível observar elementos construtivos característicos que geralmente eram aplicados a estas construções que evidenciavam uma linguagem característica de construção industrial europeia, entre eles o lambrequim, lanternin, as janelas em arco abatido e a estrutura metálica para apoiar a cobertura da gare.

O lambrequim48 em ferro serve como adorno para ambas as laterais dos beirais da cobertura, e elemento de disfarce do sistema de captação de águas pluviais; a estrutura de sustentação do edifício foi executada em alvenaria aparente; as janelas apresentam arco abatido e emolduradas por argamassa; a cobertura da estação em telhas francesas; e a destinada à apoiar a futura estrutura de proteção da plataforma de

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Lambrequim: Elemento que originalmente apresentavam a função de guarnecer as paredes das nevascas, no Brasil se apresenta como ornamentos e acabamentos de beirais. In: MENDES, Op. cit.

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embarque, executada em chapas metálicas (Figura31), a gare49 é composta por uma cobertura em estrutura metálica e lanternin 50.

Figura 31 - Estação Jaguary.

Fonte: Bruno, Ziggiatti, Pimenta (2007). Acervo Projeto Vila Bueno.

É evidente a construção de cunho civil, sem qualquer disposição de adorno, deixando a mostra, de forma inequívoca tanto o material utilizado, como a função estrutural no conjunto edificado: os pilares em aço, correspondendo a toda a estrutura de sustentação e as chapas metálicas recobrindo tais estruturas para a execução da cobertura de proteção.

Também estão aparentes a alvenaria de tijolos e a estrutura de pilares e vigas.

As estruturas metálicas correspondem em termos construtivos (na engenharia e arquitetura) à introdução do aço como alternativa adequada a este tipo de construção, e

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Gare: sf (fr gare) Embarcadouro e desembarcadouro das estações de estrada de ferro.

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Lanternim:sm (ital lanternino) 1 Arquit O mesmo que lanterna. 2 Carrete que transmite à mó o movimento das velas de um moinho.

Disponível em: http://www.michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index. Designa estrutura de cobertura destinada a prover iluminação natural zenital.

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que segundo Reis Filho (1987), fazia parte das mudanças sócio-econômicas e tecnológicas ocorridas durante a segunda metade do século XIX, que no Brasil “implicaram em transformações no modo de habitar e construir”.

Ainda segundo o autor, as ferrovias tiveram papel importante neste processo de divulgação da nova tecnologia construtiva, já que muitos destes edifícios eram importados, fabricados em países europeus, e transportados desmontados nos porões dos navios.

A este fenômeno, Strickland (2003), classifica como a “Era do Ferro Fundido”, afirmando terem sido as obras destinadas ao transporte e às indústrias as construções mais progressistas do século XIX, criadas em um estilo funcional a partir do ferro e vidro.

Reis Filho (1987) comenta que os edifícios sendo totalmente importados ou construídos no local careciam do emprego de oficiais mecânicos com preparo sistemático o que acarretou a necessidade de se conceber novas soluções construtivas que foram então, sendo difundidas para o interior.

O período de construção destas duas estações (Jaguary e Guedes) reflete o espírito progressista do momento, onde o Ecletismo51 em termos de arquitetura torna- se o estilo vigente das construções para amparar o impacto causado pelas novas tecnologias adotadas e minimizar o seu efeito inovador, ou como ressalta Reis Filho (1987, p. 178) “um veículo estético eficiente para a assimilação de inovações tecnológicas [...]. Tratava-se apenas de um fenômeno formal que abria condições para o avanço tecnológico e simultaneamente da dependência cultural e material do mercado externo”.

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Ecletismo: Doutrina filosófica do séc.XIX, que considerava a liberdade de escolha sobre os cânones do repertório neoclássico. Em arquitetura constituía-se nas seguintes correntes; revivalismo, composição estilística, historicismo tipológico, pastiches compositivos, ecletismo de catálogo e arquitetura do ferro. In: MENDES, 2010. p.145-150

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As tendências da arquitetura brasileira da segunda metade do século XIX apoiam-se, portanto no positivismo estimulando o desenvolvimento tecnológico do país, ampliando a receptividade da tecnologia industrial, onde o Ecletismo era o elemento conciliador.

Dentro deste estilo, a construção tipo chalé foi um modelo amplamente adotado, que através de seus componentes surge como afirmação e mesmo ostentação das novas possibilidades.

Na estação de Jaguary, o lambrequim é arrematado pelo uso de um mastro torneado, dando o acabamento da cumeeira na empena do oitão, elemento integrante destas composições que se baseavam no modelo rural europeu de residência: o chalé.

Os tijolos utilizados de forma aparente estavam associados ao chalé, sendo utilizado como revestimento por influência inglesa, e que certamente começou nas estações ferroviárias (REIS FILHO, 1987).

Na casa do chefe da estação o mesmo padrão se repete, com um elemento característico à arquitetura neoclássica, a platibanda, elemento construtivo cuja função principal era esconder os beirais dos telhados, para acoplar-lhes o sistema de captação de águas pluviais através da instalação de calhas e condutores, inexistentes nas construções coloniais, cujos beirais avançavam sobre o passeio público.

No Ecletismo, estas platibandas começaram a ser adornadas com elementos decorativos pré-moldados em formatos de ânforas e estátuas clássicas, que passou a ser conhecido nacionalmente como “Estilo Compoteira” (VERÍSSIMO, 1999); também na casa do chefe da estação de Guedes esta inovação estética foi aplicada de forma mais modesta, O mesmo estilo chalé descrito anteriormente aparece como solução estético-construtiva para a estação de embarque; sendo que atualmente encontra-se desativada e descaracterizada.

119 4.5.4 A fazenda da Barra e as estações de Guedes

Ambas as estações de Guedes em conjunto com a fazenda da Barra, exemplificam materialmente o binômio café-ferrovia, baseado no desenvolvimento tecnológico e científico pelo qual passava o país a partir da segunda metade do século XIX; onde os lucros gerados pela crescente economia, associados à liberação de capital após a extinção do tráfico negreiro permitiu, o “investimento no aparelhamento técnico do território”, o que significava investimentos em um sistema de transporte mais econômico e veloz; sobre este fato esclarece Argollo Ferrão (2004, p. 27): “a renda gerada pela exploração da cultura do café e a necessidade de incrementá-la ainda mais viabilizaram [...] investimentos na indústria de máquinas, peças e implementos agrícolas em São Paulo”.

Figura 32 - Vista aérea da fazenda da Barra.

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O conjunto fazenda da Barra e estações de Guedes é, portanto o exemplo regional mais significativo da co-evolução da Arquitetura Rural associada aos ramos da engenharia, sendo este um dos campos de conhecimento atrelado à evolução tecnológica.

De fato, poder-se-ia inferir se tratar ambos os conjuntos como um subsistema de um sistema, ou seja, o complexo da estação ferroviária dando o suporte logístico para a unidade produtiva, no caso a Fazenda da Barra; em que ambos os sistemas co- evoluem de modo que um necessita do outro para formar um pólo gerador de desenvolvimento e riqueza.

Desta forma fica evidente a contextualização de organização espacial em nível regional e da propriedade, já que a própria ferrovia fazia a interlocução e conexão dos caminhos pelos quais o progresso se estendia.

A fazenda da Barra e as estações de Guedes podem ser considerados fatores exponenciais daquele tipo de economia.

Outrossim, esta situação peculiar de implantação existente entre a fazenda, a estação e seu entorno imediato é perfeitamente caracterizado pelos interesses dos fazendeiros em obter as vantagens da instalação de ramais ferroviários em suas terras (LAMOUNIER, 2010).

Mais um elemento a ser considerado e que ratifica tal tipo de ocupação, contido no relatório da CMEF de 1872 faz referencia as obras de empreitada para as construções de tais ramais “empreitadas parciais, dando-se preferência em igualdade de condições a aqueles fazendeiros que queiram tomá-las assim nas terras de sua propriedade (VUGMAN, 1976, p.56, apud LAMOUNIER, 2010)”, cujo incentivo da “empresa particular” na implantação dos ramais ampliaria a rede ferroviária contribuindo para que os fazendeiros instalassem estações em suas terras, como é o caso da fazenda da Barra.

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A fazenda da Barra e ambas as estações de Guedes são, portanto, o registro físico deste tipo de ocupação oriundo das influências da oligarquia cafeeira e da economia agro-exportadora associada ao sistema de transporte.

Figura 33 - Cavalaria Antoniana em frente à Estação de Guedes.

Fonte: Casa da Memória – Jaguariúna