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4. ENTRE AS INSTABILIDADES DOS DIZERES: CONTROLE SOCIAL DA MÍDIA,

4.3. A emergência de enunciados divididos – uma análise a partir de sequências discursivas de

4.3.1. A breve emergência, ainda que recorrentemente retomada, do controle social da

da mídia

Conforme pudemos verificar, a proposição de um controle social da mídia, em nosso

corpus, se deu em um primeiro momento, já nas propostas de governo apresentadas pela

candidata Dilma Rousseff, de modo que se podia falar em tal proposta naquele instante, sem que se atentasse a uma ordem discursiva estabelecida no período pós-ditadura.

A seguir, discutimos os enunciados que buscam definir os saberes específicos que estão relacionados à prática designada por tal gesto de nomeação, a partir do seu atravessamento pelas duas formações discursivas de referência que tomamos.

Um dos primeiros dizeres que saltam aos olhos ao revelar aspectos da filiação à FD(controle da mídia) é a posição de Marco Aurelio Garcia, com quem a FSP realizou uma entrevista sobre quais viriam a ser as diretrizes defendidas pela candidata Dilma Rousseff. O enunciado controle social da mídia é, desde pronto, objeto de indagação por parte do órgão midiático, ao que Marco Aurelio assevera:

(25) Esse tema não pode aparecer como uma questão problemática porque não temos nenhuma restrição à liberdade de imprensa no país. Pelo contrário, nós nunca vivemos num clima de liberdade de imprensa comparável. Quem tiver dúvida sobre isso que veja como um governo que tem mais de 80% de popularidade é tratado por uma imprensa que o destrata com mais de 80% [do noticiário]. A única censura que os meios de comunicação podem sofrer é de leitores, ouvintes e telespectadores. (Marco Aurélio Garcia, assessor do presidente Lula quando perguntado sobre o

controle social da mídia enquanto um tema polêmico na proposta de governo de Dilma, 26/07/2010

– Temas polêmicos não são proibidos, diz Marco Aurélio, sublinhadas nossas)

A FSP, no entanto, ataca tal proposta como um programa genérico: ao ser confrontado pelo órgão midiático, em uma clara defesa aos interesses de seu partido, Marco Aurélio reforça o grande embate que existiu entre Lula e a grande mídia, bem como todos os sentidos que emergirão na FSP sobre o que será feito por Dilma Rousseff quando eleita, imputando a interpretação a partir da FD(controle da mídia) para ver-se tal fenômeno. Ainda, ao construir o valor da emergência do dizer controle social da mídia como uma maneira de confrontar aqueles que defendem tal proposta, a FSP faz aparecer também uma imagem de Marco Aurelio:

Ainda que se trate de uma entrevista realizada via rádio, um meio que em uma primeira instância constrói efeitos de sentido sobretudo pela relação entre o verbo e a voz, a FSP traz a imagem do corpo do político para a significação. A figura de Marco Aurelio inscrever-se-á em um mesmo domínio associado que torna o corpo do político um lugar a questionar a produção de certa verdade – claramente, o verbo não se fez suficiente para desvendar quais os desejos dos partidários do PT em torno do problema: uma vez que seus dizeres aparecem no centro da polêmica sobre a questão, a FSP marca tal emergência, além de constantemente questioná-la no curso da entrevista. Mais adiante, aparecerão outras imagens que se inscreverão nesta mesma série, evidenciando a polêmica colocada a partir dos seguintes mecanismos: i) a visibilidade que a

Figura 1: Marco Aurélio Garcia em entrevista a rádio, em Brasília (26/07/2010 – Temas polêmicos não

imagem confere a tais textos na edição do jornal e ii) o forte valor argumentativo, juntamente à FD(censura da mídia), que a materialidade textual traz, aliando-se à imagem para a construção de um texto sincrético que questiona a FD(controle da mídia). Aqui, no entanto, ainda que a emergência da imagem não seja um dado neutro, não estamos diante de uma imagem que explicitamente veicule uma das formações discursivas que elencamos, mesmo que a entrevista da

FSP esteja prenhe de sentidos aliados à FD(censura da mídia) e que se tenha buscado o corpo

deste político como um lugar para multiplicar os sentidos das falas primeiras que foram realizadas.

Também, Marco Aurelio é fortemente interpelado pois será um dos responsáveis pela elaboração do programa de governo, desde já polêmico, de Dilma Rousseff. Neste primeiro momento, no entanto, Dilma Rousseff quando interpelada é categórica em afirmar seu avesso a tais propostas, desestabilizando os densos sentidos que constantemente se lhe exigem interpretar e comentar (excerto nº. 6).

Vemos, além disso, uma (ou, ainda, outra) tentativa de esquiva aos sentidos transgressores que a filiação à FD(controle da mídia) poderia trazer: quando a candidata enuncia no que se

refere a controle social é impreciso, restam ainda sem resposta perguntas da seguinte ordem: no que se refere a controle social […], 'quem' (ou mesmo 'o que') […] é impreciso? Claramente, não

estamos diante de um agente explicitado (e muito menos de uma posição enunciativa que neste momento possa, sem surtir equívocos ou atentados a determinadas vontades de verdade, ser preenchida por Dilma Rousseff enquanto sujeito), uma forte tentativa de controle do dizer sobre 'quem' haveria enunciado tais propostas. Não se trata da posição que é defendida por Dilma Rousseff neste momento, que se vale, além da questão do humor, da negação do controle de conteúdo. Tal nível de afirmação é novamente trazido neste mesmo texto pela FSP ao comentar o primeiro programa de governo apresentado aos eleitores neste ano de 2010 (excerto nº. 6).

A oposição, ainda em forte ataque ao modo como entende tais ações do PT em relação à mídia, é retomada em paráfrase pela FSP, já em um momento em que o enunciado controle

social da mídia é bastante relacionado a sentidos autoritários que são resgatados:

(26) Neles, [Serra] ataca o governo federal, fala de suas origens, e compara, veladamente, o presidente Lula ao rei francês Luís 14, cujo lema era “o Estado sou eu”. (d o texto da FSP em

paráfrase da apresentação de proposta do candidato ao governo José Serra – PSDB, 03/10/2010 –

Campanha não teve discussão de propostas)

A FSP, neste momento, lança uma breve – porém muito emblemática – interpretação do acontecimento, mais pontualmente sobre como o silenciamento destas primeiras propostas apresentadas no programa de governo, discutidas no início da eleição de Dilma Rousseff. Os dizeres que aparecem sobre a questão endossam o ultimato em relação à circulação na FSP deste enunciado nos textos que estão ainda em devir:

(27) Para evitar críticas de que um governo Dilma contemplaria propostas das alas radicais do PT, o texto abandonou o controle social da mídia, a taxação de grandes fortunas e a redução da jornada de trabalho. (do texto da FSP, 15/10/2010 – Novo programa de governo de Dilma traz críticas a

Serra)

Este enunciado aparece, ainda, em leve tom polêmico a partir de uma entrevista com Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, mas marcado, sobretudo, pela presença da FD(censura da mídia), que logo corrobora a posição que, até então, é defendida pelo órgão midiático. Seria possível, por exemplo, que neste momento emergisse uma entrevista em mesmo tom e destaque realizada com Franklin Martins, forte partidário da FD(controle da mídia)? Afinal, estamos falando da reportagem que encabeça imageticamente e verbalmente a seção Poder da FSP neste dia:

(28) Ou você tem liberdade de imprensa ou não tem. O controle é uma liberdade consentida. A liberdade de imprensa não tem que ser consentida, ela é a razão de ser de uma democracia.” (Hélio Bicudo, um dos fundadores do Partido dos trabalhadores, quando interpelado a opinar “sobre as propostas de controle social da mídia defendidas por setores do PT” […]. 29/09/2010 –

ENTREVISTA: HÉLIO BICUDO)

Neste sentido, observando como aparecem nuanças do modo como a posição defendida pela FSP enquanto instituição já bem assentada e estabelecida no mercado da informação brasileiro, nota-se que em um dos poucos momentos em que pôde emergir o posicionamento de Plínio de Arruda Sampaio, candidato à presidência pelo PSOL, a defesa deste enunciado também foi realizada:

(29) [Ele defendeu o] “controle social sobre os meios de comunicação de massa” […]. (Plínio de Arruda Sampaio, candidato à presidência da república pelo PSOL em 2010, 27/09/2010 – Plínio

afirma que a Folha não publica notícias sobre seu nome “nem a pau”, sublinhadas nossas)

Traz-se, assim, uma defesa de tal proposta; pensando a posição construída pelo enunciador midiático, ainda que o título da reportagem exemplifique a potencial raridade da

emergência de dizeres deste candidato de menor expressão sobre o tema – e, logo, a respeito da necessidade de regulação da mídia, para 'dar-lhe voz' –, conforme vimos na análise realizada na seção 4.3., a FSP reafirmou a veiculação de entrevista e reportagens sobre o candidato, opondo- se à necessidade de controle. Ao comentá-la, neste mesmo texto, ao seu fim, a FSP traz a reiterada posição de Dilma Rousseff nestes momentos finais do ano eleitoral:

(30) Dilma Rousseff (PT), que foi escolhida para comentar a resposta de Plínio, defendeu a liberdade de imprensa. (do texto da FSP, 27/09/2010 – Plínio afirma que a Folha não publica

notícias sobre seu nome “nem a pau”, sublinhadas nossas)

Tão logo tal proposta de controle social é deixada de lado em proveito de outras, justamente porque a sua emergência, antes amistosa, parece agora estar condenada em tal conjuntura histórica, deixando grande margem para que se interprete no corpus tal expressão a partir de uma filiação à FD(censura da mídia), relacionando-a a um sentido transgressor, que é o do estabelecimento de uma censura.

Neste sentido, Franklin Martins, um dos próprios idealizadores destas propostas, evidencia tal problema em relação a esta ordem. De fato, a partir de 2010 nota-se um desuso da expressão controle social da mídia quando da defesa da FD(controle da mídia). Comumente, entretanto, a expressão aparece no embate televisivo e nas chamadas jornalísticas.

Ainda assim, há muitas formas de dizê-lo, e a passagem seguinte evidencia que os sentidos atribuídos em um primeiro momento ao controle social da mídia deslizarão, conforme vemos na paráfrase feita de falas de ministros da gestão Lula realizada pela FSP, pouco depois da filiação à FD(censura da mídia) de Franklin Martins (excerto nº. 3):

(31) Durante as eleições, o presidente Lula queixou-se da grande imprensa. Além disso, alguns de seus ministros patrocinaram eventos para discutir novos controles sociais da mídia ao sugerir que a legislação atual não seria suficiente para garantir um fluxo democrático de informações. (do texto da FSP, 25/11/2010 – TV Cultura debate liberdade de imprensa, grifos nossos)

Aqui, já não se realizam, por exemplo, referência aos renovados controles sociais da

mídia com aspas, o que mostra contornos da estabilidade que tal dizer tomou. A posição realizada

pela paráfrase que emergiu na FSP é bastante clara, conforme mostra o grifo em sublinhadas: ainda que não se cite a censura, há a gravidade de que seus ministros patrocinaram eventos para discutir a opaca proposta de censura em que se funda a FD(censura da mídia), acusação já

realizada pelo candidato do PSDB à presidência em 2010 José Serra a respeito do uso de dinheiro público para tal (excerto nº. 7), por exemplo.

Há, por outro lado, um dizer importante nesta mesma fala que trouxe a FSP: o deslizamento de sentido, efetuado aqui do uso de controle social da mídia para a questão da garantia de um fluxo democrático de informações será importante para compreender a emergência de outras maneiras de falar sobre este controle. Também, mesmo a candidata Marina Silva, que se filia a tal proposta, não toma posição juntamente ao PT por não reconhecer como legítima a proposta idealizada no governo Lula, de modo que em determinado momento a candidata o trata a partir de uma filiação que diz respeito à FD(controle da mídia), por fazer uma defesa de tal controle social, relacionando-o à liberdade de imprensa, mas que conserva alguns elementos da FD(censura da mídia) ao caracterizar a proposta do PT, quais sejam: certa referência ao risco à liberdade de expressão e um apontamento para formas veladas de silenciamento (pela escolha

aparelhamento). A candidata, ainda, evita evocar o dizer “censura” – o que também se mostrou

como uma característica da FD(controle da mídia) – de modo que não se abre margem para que se impute a ela a responsabilidade de tal dizer, o que seria possível caso se acusasse os demais filiados a tal questão em um sentido jurídico.