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Primeiras evidências construídas pela FSP em torno das posições enunciativas de

4. ENTRE AS INSTABILIDADES DOS DIZERES: CONTROLE SOCIAL DA MÍDIA,

4.1. O ano da eleição presidencial brasileira de 2010: antecipações e análise das condições de

4.1.1. Primeiras evidências construídas pela FSP em torno das posições enunciativas de

Na reportagem Dilma nega ter apoiado pontos polêmicos de programa (22/07/2010), o título do texto publicado pela FSP evidencia ao leitor que são questões que têm cunho polêmico e, logo, serão retomadas, dado importante ao analisarmos a construção deste discurso midiático que circula hegemonicamente, e, neste caso, comprovado pelos dois primeiros sublinhados:

(6) […]

Em entrevista à TV Brasil, Dilma se posicionou contra o controle social da mídia e a taxação das grandes fortunas. A candidata afirmou também que a redução da jornada de trabalho deve ser negociada entre empregados e trabalhadores.

O

controle social da mídia e a taxação das grandes fortunas foram os pontos mais polêmicos do primeiro programa apresentado ao TSE. Após críticas de aliados, Dilma apresentou uma segunda

versão que omitia esses itens .

A candidata petista ainda prepara uma terceira versão do documento que estabelece as diretrizes de seu eventual governo.

Na entrevista, Dilma saiu em defesa da liberdade de imprensa. "O único controle que existe é o controle remoto. Sou contrária ao controle do conteúdo. No que se refere a controle social é impreciso. Não existe controle social que não seja público", disse.

Para ela, "é inadmissível a censura à imprensa, ao conteúdo, à critica". "Sou rigorosamente contrária ao controle da imprensa", completou.

A petista disse ainda que nunca um governo recebeu tantas críticas por parte da imprensa e insinuou que há políticos que interferem na mídia. Disse, porém, nunca ter ligado para qualquer veículo para reclamar. […] (do texto da FSP, 22/07/2010 – Dilma nega ter apoiado pontos

polêmicos de programa, grifos nossos)

A reportagem da FSP mostra que, em um primeiro momento, a candidata incluiu em seu programa de campanha política o tema do controle social da mídia, e que, aparentemente, se podia falar deste assunto naquela conjuntura – estando presente, assim, a construção de certa continuidade em relação às propostas de Lula; este acontecimento se deu no momento em que se discutiam polêmicas tomadas pela FSP como de natureza semelhante, quais sejam, a taxação de

grandes fortunas e a redução da jornada de trabalho, criando equivalências de sentido entre

os enunciadores políticos falam, neste sentido, juntamente a outras políticas que vão contra os moldes desta livre associação empresarial: tal proposta se dá como um possível atentado à conjuntura capitalista (ainda que a fala de Dilma recortada pela FSP tenha criado distâncias entre os sentidos de controle social da mídia e censura), leitura que se coaduna à emergência de sentidos da ordem do alerta e do receio quando a FSP constrói sua posição e a de outros enunciadores midiáticos.

Vale ressaltar, também, que o enunciador midiático evidencia a obrigatoriedade da apresentação deste documento, depois da ocorrência de uma minirreforma eleitoral13; a apresentação deste dado é um dos que confere contornos especiais a tais propostas, pois uma responsabilidade jurídica foi imputada aos candidatos, e tão pronto como se deu a sua circulação, o PT se viu compelido a silenciar aquilo que havia sido dito.

Assim, esta foi uma das maneiras pelas quais se realizaram posições enunciativas na grande mídia: contestando-se a coerência de Dilma Rousseff, bem como de outros enunciadores políticos que se propõem certa regulação. Neste sentido, a FSP sublinha que não se trata de dizeres que circularam amistosamente nesta determinada formação social, fazendo com que se gerasse uma segunda versão que silenciava tal discussão. Isto nos leva a observar que a emergência das posições enunciativas que tal dizer colocou, quando pensado para a construção deste lugar de candidata na grande mídia, foi de alguma forma controlada por parte do PT, agora em favor de uma apologia ao direito manifesto da liberdade de expressão, mesmo dadas as pressões de setores do partido – não só neste ano eleitoral – para que tal tema fosse não apenas uma pauta, mas uma prioridade.

Por sua vez, na fala da candidata Dilma trazida em discurso direto a questão da existência ou do estabelecimento de um controle é transplantada de um campo do polêmico – aquilo que suscita interpretações, comentários, avaliações, onde a polissemia é negociada – e foi trazida para o âmbito do sem sentido (o nonsense), lugar em que os vínculos entre palavra e coisa, fundamentalmente já instáveis, extrapolam uma questão referencial, criando um efeito polissêmico que vai em direção à construção do humor: desvencilha-se da responsabilidade de 13FOLHA DE SÃO PAULO. 03/10/2010 - Campanha não teve discussão de propostas. Disponível em

falar sobre aquilo (e, neste caso, de uma definição precisa e não contraditória a respeito de tal proposta) valendo-se da construção humorística, relacionando-a ao objeto controle remoto, um elemento bastante familiar aos brasileiros desde que a televisão começou a ganhar prestígio em nossa sociedade, remetendo a uma garantia de soberania daquele que interpreta, fortalecendo uma posição contrária à regulação da mídia por uma oposição entre o controle social e um 'controle individual'.

Esses dizeres de Dilma Rousseff antecipam uma espécie de cisão, marcada nas reportagens da FSP, que se mostrará acentuada entre as propostas da candidata – também, a partir do lugar de presidente eleita do Brasil – e a dos integrantes do Partido dos Trabalhadores. Neste primeiro momento, seus colegas de partido insistentemente recorrerão à necessidade de discutir a proposição de regulação, ao passo que a presidente Dilma Rousseff não aparece mais como filiada a tal questão depois de alguns desenrolares da eleição presidencial de 2010. Mais do que isto, vemos que o instante em que se trata tal proposta inicial que inclui o controle social da

mídia será, basicamente, o único momento em que as reportagens indicam alguma filiação

explícita da candidata a este enunciado neste ano. Mesmo depois de que pudemos constatar deslizamentos nos usos destes dizeres, de modo que os gestos de designação foram renovados, não veremos uma filiação marcada de Dilma Rousseff a qualquer uma destas propostas de controle neste ano, como o faz, por exemplo, o próprio ex-presidente Lula.

Estas são, de início, algumas evidências que se constroem ao leitor a respeito da posição enunciativa de Dilma Rousseff na FSP, sobretudo em relação a um primeiro instante em que a candidata se filiou à proposição de uma regulação, mais especificamente ao controle social da

mídia. Veremos, mais adiante, que tais potenciais efeitos de estabilidade serão rediscutidos e

novamente colocados em xeque pelo órgão midiático, cuja leitura proposta (ou imputada?) se valeu, inclusive, da interpretação e circulação de determinadas imagens.

Antes, no entanto, os posicionamentos enunciativos que puderam emergir a respeito da oposição ao governo, sobretudo a partir da figura do candidato José Serra (PSDB), são também dignos de comentário para compreender como a FSP constrói as posições dos partidos políticos em torno do problema da regulação da mídia. Uma vez que estamos diante de uma corrida eleitoral, em que os embates político-partidários aparecem com grande força e visibilidade (e

mesmo com determinada agressividade, se se pensam, por exemplo, os debates políticos televisivos, tradicionalmente circulados em rede nacional, também sob modalidades enunciativas específicas), parece-nos importante que mostremos aspectos mais concretos de como se puderam realizar tais posições de enunciadores políticos contrárias (ou não) à proposição de uma regulação da mídia.

Como se conformam e estabilizam as posições enunciativas que a FSP enquanto órgão midiático pôde demonstrar, em relação ao que pôde ser dito por aqueles que não-veladamente estão contra algumas das principais políticas do governo e do PT? Afinal, esta foi uma forte bandeira do PSDB – principal partido de oposição à Dilma Rousseff – nas eleições de 2010 e, também, em 2014. A mídia, conforme faz parte de seu trabalho simbólico ao qual a sociedade se fia, propõe-se, em primeira instância, a mostrar uma versão bastante “fiel” e imparcial do que seriam tais acontecimentos; no entanto, conforme concebemos em Análise do discurso, não há lugar para a imparcialidade no gesto de enunciar e, sobretudo, nos potenciais de fazer circular massivamente determinados sentidos e não outros – recursos e poderes sempre disponíveis a meios hegemônicos como a FSP.