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3. O JORNALISMO INVESTIGATIVO

3.1. Breve história do jornalismo investigativo como gênero

Em 1964, nos Estados Unidos, uma reportagem que denunciava a corrupção policial inaugurou a categoria “jornalismo investigativo” do prêmio Pulitzer, o mais importante da imprensa norte-americana. (KOVACH; & ROSENSTIEL, 2003: 109). O fato não sinalizou um nascimento de um gênero, mas sim o amadurecimento das técnicas jornalísticas dos repórteres norte-americanos através de 200 anos de existência.

Segundo Leandro Fortes, foi apenas na era Collor que os métodos investigativos já comuns nos Estados Unidos foram institucionalizados nas redações brasileiras (FORTES, 2005: 15). A pesquisadora Cleofe Monteiro de Sequeira, por sua vez, acredita que o gênero começou a ser praticado com força no Brasil já na década de 1970 (SEQUEIRA, 2005: 31). A competição com os jornais televisivos teria impulsionado os veículos impressos a se reinventar e buscar formas mais transcendentais de fazer jornalismo. Era preciso, na época, se contrapor ao imediatismo da televisão.

Já se encontra indícios de investigação no jornalismo policial na passagem do século XIX ao XX, à medida que a imprensa se industrializava no Brasil. Os jornais

brasileiros desde o início de seu aparecimento carregavam a característica do comentário político, que não valoriza tanto a investigação. Porém, esse perfil começou a se modificar nos anos 1950 com a chegada dos ensinamentos norte-americanos de objetividade trazidos pelo Diário Carioca (WERNECK SODRÉ, 1966: 200).

O marco do jornalismo investigativo no mundo é o caso Watergate, reportado pelo jornal Washington Post a partir de 1972, que colaborou para a derrubada do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, em 1974. A partir dessa cobertura, um grande número de jornais americanos montou equipes investigativas para criar suas próprias grandes coberturas. A tradição do jornalismo investigativo é mais forte nos Estados Unidos do que na Europa, onde se pratica mais o jornalismo interpretativo.

A imprensa brasileira tem abandonado o jornalismo investigativo aos poucos, à medida que os grandes jornais brasileiros adotam a linha “empresarial” (DINES, 1986: 91). Ou seja, preferem informar sem se comprometer, com escândalos, denúncias etc. “Vemos pela primeira vez o surgimento de um jornalismo baseado no mercado, mais e mais divorciado da ideia de responsabilidade cívica” (KOVACH; & ROSENSTIEL, 2003: 49). Nos Estados Unidos o núcleo jornalístico é cada vez mais insignificante perto dos outros negócios das empresas de comunicação, cujos interesses muitas vezes se sobrepõem à missão do repórter de informar seu leitor de determinado acontecimento.

Para Dines, o “golpe fatal” para os repórteres investigativos foi o surgimento dos departamentos de informação dentro das empresas e dos governos, hoje conhecidos como as assessorias de imprensa. “O autoritarismo de 1964 trouxe nossa imprensa para a era da ‘nota oficial’” (DINES, 1986: 91). O jornalista não investiga mais a maioria dos assuntos e as fontes de informação se fecham cada vez mais, e se transformam em “guichês” por onde são liberadas as informações que lhes convém. Com a internet, é ainda mais facilitado o acesso a declarações e informações com alto grau de interesse por parte dos emissores. Dessa forma, o “jornalismo de afirmação” se fortalece em prejuízo ao “jornalismo de verificação”.

Repórter do jornal O Globo há 11 anos, Fábio Vasconcellos10 ressalta que muitas assessorias de imprensa se empenham em derrubar as pautas dos jornalistas. Dá-se a esse comportamento o nome de “gerenciamento de crise”: as assessorias sabem que o

10 Entrevista concedida à autora no dia 3 de novembro de 2011 no prédio do jornal O Globo, na Rua

repórter está investigando uma matéria ruim para o seu cliente e se esforça para “criar” um fato novo que inviabilize a publicação da notícia. Por exemplo: sabendo que o repórter está trabalhando em uma reportagem sobre a falta de regulação do espaço aéreo, solta-se uma nota relatando a criação de uma nova regra para regular o setor.

Os repórteres acreditam que há assessorias de imprensa que realmente ajudam o jornalista, dando senso de urgência aos burocratas de quem se precisa extrair uma informação. Contudo, a orientação política de certos governos e empresas pode ver no departamento de imprensa uma forma de blindar-se dos jornais e revistas. Há formas de se combater essa blindagem na Justiça, mas a maioria dos veículos opta por não sofrer esse desgaste com a fonte. Da mesma forma, alguns jornalistas só recorrem às assessorias de imprensa em último caso, preferindo se valer de outras fontes, cujo acesso é condicionado a sua competência e experiência em investigações.

Com a crise das redações, o problema deflagrado pelas assessorias de imprensa ficou ainda mais gritante, visto que não são os repórteres não tem tempo ou recursos para fazer reportagens bem feitas quando as assessorias, ao fornecer os melhores salários e benefícios, acabam abrigando os melhores profissionais. A repórter Elvira Lobato costuma dizer que existem dois exércitos desiguais: o das assessorias de imprensa e o dos jornalistas – para ela, os assessores não estão despenhando a função de jornalistas. Desiguais também porque os assessores dispõem da informação que o repórter esta buscando, e por isso, muitas vezes, tem um jogo de cintura mais adequado a determinada situação.

Ao mesmo tempo em que a concorrência com a mídia eletrônica estimulou os jornalistas a se diferenciarem por meio de reportagens mais bem trabalhadas, ela causou a perda gradual da rentabilidade do jornalismo impresso. Esse processo apenas se intensificou com o surgimento da internet. A informatização também transforma o sistema de trabalho jornalístico. O tipo de profissional que as empresas de comunicação procuram hoje é completamente diferente do que era valorizado há 20 anos, por exemplo. Hoje, o repórter tem que ser rápido, dinâmico, heavy user de internet. Além disso, à medida que a grande reportagem perde espaço para a rapidez da internet, fica mais difícil que os jornais dispensem repórteres dos trabalhos do dia-a-dia para se dedicarem a reportagens investigativas. Ao repórter investigativo têm sido cada vez menos relegados os insumos necessários para a realização de seu trabalho. Mais grave:

esse tipo de repórter vai ficando cada vez mais velho à medida que as empresas valorizam a contratação de jovens dinâmicos e multifuncionais.

Para Sequeira, o ambiente das redações atuais é adverso ao jornalismo investigativo em quatro frentes: “quanto à lógica do sistema de trabalho jornalístico desenvolvido nas redações, à apuração das informações, à elaboração do texto e ao método de edição” (SEQUEIRA, 2005: 58). O sistema de trabalho é rápido, a apuração é superficial, os textos são fragmentados e a edição preza por textos curtos. O desafio dos editores e diretores de redação, hoje, é produzir mais com menos jornalistas, menos qualificados. A maioria dos executivos de empresas de comunicação trabalha em programas de “Gerência por Objetivos” (KOVACH; & ROSENSTIEL, 2003: 95), que procuram “otimizar” o trabalho das redações e assim distorcem o papel do jornalista, cujo dia-a-dia de trabalho passa a ser monitorado de perto. Esse tipo de administração se esquece de que a jornada de trabalho de um repórter não é flexível – muitas vezes, o jornalista precisará passar dias mergulhado em uma investigação para escrever uma reportagem completa.

A lenta agonia do jornalismo investigativo e sua substituição pelo jornalismo oficioso, declaratório e repleto de denúncias em off pouco fundamentadas têm um preço para a sociedade, à medida que entendemos que o jornalismo investigativo leva ao seu leitor “uma informação que grupos de poder querem omitir ou sonegar da sociedade, sem simplificações reducionistas e sem tentar neutralizar seu impacto perante a sociedade” (SEQUEIRA, 2005: 59).

De acordo com Wolf, existem valores notícia ligados ao produto da comunicação, como: o quão acessível é um acontecimento para o jornalista e quanto mais curta for a notícia, melhor (WOLF, 1999: 90). Contudo, ele ressalta que esses critérios são tão mais fortes quanto menos importante for a notícia. Contudo, com o crescimento do perfil empresarial das empresas, eles se tornam cada vez mais relevantes e, hoje em dia, quase qualquer lugar no Brasil é inatingível – dadas as dimensões continentais do país – e poucas reportagens podem ser complexas a ponto de não poderem ser resumidas para o leitor em um box.

Nesse sentido, os jornalismos de políticas públicas e investigativo se encontram. O uso de técnicas investigativas no tema de políticas públicas é imprescindível para que

uma reportagem desempenhe seu papel de informar o leitor sobre um assunto não trivial que influencia diretamente sua vida como cidadão.

A crise do jornalismo investigativo nos Estados Unidos provocou o surgimento de agências de jornalismo independente especializadas no gênero, em uma tentativa embrionária para não permitir a morte das investigações jornalísticas. O Center for Public Integrity, fundado em 1989 foi a primeira agência norte-americana a ser financiada por organizações filantrópicas, por meio de doações, para desenvolver reportagens de fôlego de alto interesse público. A partir dela, foram aparecendo outras, como Fund for Investigative Journalism, Open Society e Propublica, que chegou a ganhar um prêmio Pulitzer em 2010.

Essas agências passaram a produzir matérias investigativas e a vendê-las para jornais e revistas, que tinha eliminado suas equipes investigativas no meio de tantos cortes de custos. Contudo, os esforços dos jornalistas norte-americanos ainda são considerados frágeis já que, “o apoio da filantropia privada pode desaparecer tão rápido como surgiu” (KOVACH; & ROSENSTIEL, 2003: 195) e ainda existe uma dependência em relação às grandes empresas jornalísticas para a veiculação das reportagens produzidas.