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Nem sempre o jornalismo sabe aproveitar as oportunidades de se contar boas histórias. O Globo perdeu a sua durante o período das licitações das linhas de ônibus. Deixou passar a chance de publicar reportagens sobre parte importante da história do Rio de Janeiro, de desvendar alguns dos mistérios que intrigam os cariocas a caminho de casa e do trabalho diariamente.

O emprego de técnicas de investigação da cobertura de políticas públicas tem conseqüências importantes para a sociedade. A curta investigação do repórter Luiz Ernesto Magalhães sobre as empresas que concorriam às licitações das linhas de ônibus no Rio de Janeiro rendeu uma investigação do Ministério Público, cujos resultados podem mudar a vida dos cariocas. Percebe-se que, por ser um repórter especializado, Magalhães soube interpretar três mil páginas de documentos, que lhe renderam uma importante descoberta.

O pouco investimento do jornal no repórter – dois dias fora da pauta – já lhe rendeu uma reportagem exclusiva que, de outra forma, não existiria. As matérias em que não se investiu tempo, não foram tão significativas, ou interessantes para o leitor. Portanto, a hipótese de que somente um repórter especializado com recursos é capaz de entregar reportagens de qualidade se sustenta.

Mas a especialização não é tudo. Viu-se ao longo deste trabalho que a vontade do jornalista de contar uma história é um dos quesitos mais importantes para que uma história seja contada. Um planejamento detalhado, uma pauta bem elaborada e a insistência de um repórter certo de que tem um material rico em suas mãos fazem toda a diferença. É preciso conquistar a chefia. No caso do jornal O Globo, levantar e vender uma bandeira à chefia.

Ao longo da elaboração deste trabalho, viu-se que o jornalismo é uma ciência desregrada, mas não sem regras. É possível traçar alguns padrões de apuração e escrita e eleger métodos de trabalho eficientes. Apesar disso, o envolvimento de cada repórter com seu tema é o que vai determinar a qualidade de uma reportagem. Afinal, cada matéria é o julgamento do repórter que a escreveu e não há como fugir disso.

O envolvimento da autora com o tema de transporte público pode ter causado uma supervalorização do assunto por este trabalho. Contudo, acredita-se que os argumentos desenvolvidos com base na pesquisa justificaram bem a necessidade de uma

cobertura de qualidade. Principalmente dentro do contexto da cidade partida. É difícil, no entanto, em uma cidade como o Rio, de tão variados problemas, pontuar o que é mais importante. E, nesse sentido, reforça-se o poder da vontade política do repórter de tratar de um assunto, que vai permitir que uma pauta salte aos olhos do editor durante uma reunião de pauta.

A transformação dos jornais em “empresas de comunicação”, contudo, muda os valores dos jornalistas, que prestam mais atenção à importância comercial de seu trabalho, em detrimento do seu valor cívico. Essa mudança é essencial para compreender a cobertura de políticas públicas da imprensa brasileira, já que essas reportagens têm seu valor cívico mais exacerbado e perdem muito de seu sentido quando se tornam produtos industriais.

Uma das experiências mais ricas deste trabalho foi comparar reportagens de dez anos atrás com matérias de hoje. É impossível não notar a diferença e difícil não se assustar com elas. Os repórteres atualmente são não só menos preparados, como mais adaptados à produção industrial. O que mais assombra é a falta de senso crítico da própria empresa em relação ao que produz. Certas matérias – publicadas até com destaque – são equiparáveis a releases de assessorias de imprensa.

Também falta aos repórteres conhecimento da cidade e do país. Não basta saber ler o Diário Oficial, é preciso andar na rua, ir de trem a Bangu de vez em quando para ver como andam as coisas por lá. Afinal, é impossível, ao sair do Centro, não se surpreender com São Cristóvão. O bairro que um dia abrigou o palácio do imperador pode parecer a um desinformado o palco de uma guerra, que destruiu prédios antigos e esburacou as ruas e calçadas.

É compreensível a dificuldade dos repórteres em embarcar nessas pequenas aventuras cotidianas. O trabalho cansativo e longo, preso em uma redação climatizada e sem janelas, vai de encontro à necessidade de ser viver no mundo lá fora. Como pensar em uma pauta diferente dessa forma? Muito difícil. Os salários indignos fazem parte dessa equação frustrante, principalmente quando se fala de repórteres iniciantes, que, por falta de recursos, vivem na aba dos pais, adiando a vida de adulto, que faz um repórter se deparar com idéias de reportagens muito mais facilmente.

Este trabalho aponta um caminho para estudos mais aprofundados não só sobre as conseqüências da cultura empresarial sobre o jornalismo brasileiro, mas também das

formas de se escapar delas. As iniciativas de agências de jornalismo independentes ainda são muito tímidas no Brasil e há uma desconfiança geral de que jornalistas que trabalham dessa forma estão à beira da mendicância.

Seria valioso para a profissão que houvesse estudos nessa área para fortalecer os jornalistas, que hoje são reféns das grandes empresas e dos salários miseráveis e não sabem como se desvencilhar disso. Mesmo repórteres graduados e bem pagos não se mostram satisfeitos com a atual conjuntura. Sentem-se presos a uma linha editorial e a um método de trabalho que vai de encontro à elaboração de reportagens importantes para a sociedade.

Nesse sentido, este trabalho faz um apelo às faculdades de jornalismo, que têm em mãos o poder de mudar essa conjuntura. Formar jornalistas críticos ao mercado não basta. É preciso ensiná-los como é possível trabalhar de forma diferente e como ganhar dinheiro com isso. A última parte é a mais importante, pois, como foi relatado ao longo dos capítulos, é quase impossível escrever reportagens de fôlego sem recursos e não se deve esperar que todo jornalista abdique de um salário decente com o qual possa sustentar sua família. Há que se buscar e propor alternativas viáveis para a sobrevivência das reportagens investigativas.