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1. GESTÃO DO ATENDIMENTO AO PÚBLICO

1.3. DESAFIOS DA OUVIDORIA PÚBLICA NO BRASIL

1.3.1. Breve Histórico

A origem histórica da ouvidoria remonta à Suécia, com o surgimento da figura do Ombusdman, entre os séculos XVIII e XIX. A expressão, de origem escandinava, resulta da junção da palavra

ombud (representante ou procurador) com a palavra man (homem), significando, na tradução

comum do termo, representante do povo ou provedor de justiça.

A sua função era de fiscalizar a aplicação das leis por parte dos funcionários públicos, fato que mostra o fortalecimento dos direitos do cidadão diante do poder do Estado.

Em sua concepção original, considerava-se o ombudsman, basicamente, um instituto do direito administrativo de natureza unipessoal e não contenciosa, funcionalmente autônomo e formalmente vinculado ao Legislativo, destinado ao controle da administração e, nessa condição, voltado para a defesa dos direitos fundamentais do cidadão.

ATA – Gestão de Pessoas e do Atendimento ao Público – Prof. Rafael Ravazolo

Tal conceito foi ampliado (a figura do ouvidor não está necessariamente vinculada ao Legislativo) e hoje os papéis do ombudsman abrangem: proteger o povo das violações dos direitos, abusos do poder, erros, negligência, decisões injustas e má administração, a fim de aprimorar a administração pública e fazer com que os atos do Governo se tornem mais abertos e que o Governo e os funcionários sejam mais transparentes.

No Brasil, apesar de manifestações anteriores, só no final da década de 80 (após o fim do regime militar) é que iniciativas em torno da participação social começam a reaparecer. Aqui, o

ombudsman é conhecido como “ouvidor” e o seu local de atuação é a “ouvidoria”.

Em 1986 nasceu a primeira Ouvidoria Pública do país (prefeitura de Curitiba/PR). Em 1992 foi criada a Ouvidoria-Geral da República, que teve seu nome alterado (em 2004) para Ouvidoria- Geral da União e está vinculada à Controladoria-Geral da União.

Atualmente, existem mais de 170 Ouvidorias Públicas em órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, supervisionadas tecnicamente pela Ouvidoria-Geral da União.

1.3.2. Competências

Já se alcançou certo consenso acerca do conceito, das características e das atribuições principais de uma ouvidoria. A ouvidoria é um instrumento que visa à concretização dos preceitos

constitucionais que regem a administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência), a fim de que tais preceitos se tornem, na prática, eixos norteadores da prestação de serviços públicos.

Além desse objetivo primeiro, são atribuições principais de uma ouvidoria pública: • Indução de mudança;

• Reparação do dano; • Acesso à administração; • Promoção da democracia.

Ouvidoria Pública deve ser compreendida como uma instituição que auxilia o cidadão em suas relações com o Estado. Deve atuar no processo de interlocução entre o cidadão e a Administração Pública, de modo que as manifestações decorrentes do exercício da cidadania provoquem contínua melhoria dos serviços públicos prestados.

A ouvidoria não é apenas um canal entre o cidadão e a Administração Pública. Sua atuação é diferente da atuação de um serviço de atendimento ao cidadão (SAC), a exemplo dos 0800, Sala do Cidadão, Fale Conosco, Call Center, etc., pois a ouvidoria tem possibilidade de tratar as manifestações da sociedade com maior acuidade.

A ouvidoria é, sobretudo, um instrumento de fortalecimento da democracia participativa (juntamente com os conselhos e as conferências), voltada para a satisfação das necessidades do cidadão.

Por um lado, oferece ao cidadão um “novo canal” para resolução de problemas vivenciados rotineiramente na prestação se serviços públicos e, por outro, oferece ao Estado uma oportunidade de qualificar a prestação desses mesmos serviços públicos, a partir das manifestações recebidas. Em suma, promove a interação equilibrada entre legalidade e legitimidade.

Nesse aspecto, reside a grande arte da ouvidoria: seu papel não é o de se contrapor ao órgão/ entidade, na defesa do cidadão, mas de garantir ao cidadão ter sua demanda efetivamente considerada e tratada, à luz dos seus direitos constitucionais e legais.

A existência de uma unidade de ouvidoria na estrutura de um órgão público pode estreitar a relação entre a sociedade e o Estado, permitindo que o cidadão participe da gestão pública e realize um Controle Social sobre as políticas, os serviços e, indiretamente, os servidores públicos.

Na prática, as Ouvidorias podem desempenhar as seguintes funções/atribuições: • Garantir o acesso à informação e a transparência da gestão pública;

• Responder aos cidadãos; • Atuar na mediação de conflitos;

• Sugerir mudanças na política institucional e em sua operacionalização;

• Ouvir e compreender as diferentes formas de manifestação dos cidadãos (solicitação de informação, reclamação, denúncia, elogio e sugestão) como demandas legítimas;

• Viabilizar o exercício da cidadania participativa e reconhecer os cidadãos, sem qualquer distinção, como sujeitos de direitos;

• Qualificar as expectativas dos cidadãos de forma adequada, caracterizando situações e identificando os seus contextos, para que o Estado possa decodificá-las como oportunidades de melhoria;

• Elaborar relatórios de avaliação crítica da atuação da instituição: demonstrar os resultados produzidos, avaliando a efetividade das respostas oferecidas e elaborando relatórios gerenciais capazes de subsidiar a gestão pública.

Uma ouvidoria “ativa” é assim denominada pela natureza proativa de suas atividades: não apenas recebe demandas dos cidadãos e atua sobre elas, mas se incumbe de identificar e levantar informações junto aos cidadãos para subsidiar as decisões da alta direção do órgão/ entidade quanto às melhorias e inovações que podem ser implementadas.

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As competências específicas da Ouvidoria-Geral da União, por exemplo, são determinadas pelo artigo 14 do Decreto nº 8.109, de 17 de setembro de 2013.

Art. 14. À Ouvidoria-Geral da União compete:

I – realizar a coordenação técnica das atividades de ouvidoria no Poder Executivo federal, e

sugerir a expedição de atos normativos e de orientações;

II – receber as denúncias direcionadas à Controladoria-Geral da União e encaminhá-las,

conforme a matéria, à unidade, órgão ou entidade competente;

III – receber e analisar as manifestações referentes a serviços públicos prestados pelos órgãos e

entidades do Poder Executivo federal, propor e monitorar a adoção de medidas para a correção e a prevenção de falhas e omissões na prestação desses serviços;

IV – receber e responder os pedidos de acesso à informação de que trata a Lei no 12.527, de 18

de novembro de 2011, apresentados na Controladoria-Geral da União, e submetê-los, quando couber, à unidade responsável pelo fornecimento da informação;

V – assistir o Ministro de Estado na deliberação dos recursos referidos no parágrafo único do

art. 21 e no caput do art. 23 do Decreto no 7.724, de 16 de maio de 2012;

VI – acompanhar, em articulação com as demais unidades da Controladoria-Geral da União, o

cumprimento das decisões proferidas no âmbito do art. 23 do Decreto no 7.724, de 2012;

VII – promover capacitação e treinamento relacionados às atividades de ouvidoria no âmbito

do Poder Executivo federal;

VIII – promover a conciliação e a mediação na resolução de conflitos evidenciados no

desempenho das atividades de ouvidoria entre cidadãos e órgãos, entidades ou agentes do Poder Executivo federal;

IX – produzir estatísticas indicativas do nível de satisfação dos usuários dos serviços públicos

prestados no âmbito do Poder Executivo federal; e

X – promover formas de participação popular no acompanhamento e fiscalização da prestação

dos serviços públicos.

1.3.2.1. O que a ouvidoria não deve fazer

• Apurar denúncias de irregularidades e infrações (disciplina e processo administrativo) ou realizar auditorias;

• Desempenhar ações de assistencialismo e paternalismo;

• Agir com imediatismo (resolução apenas do caso apresentado); • Atuar como central de atendimento.

1.3.2.2. Ouvidoria e Lei de Acesso à Informação

As Ouvidorias públicas e a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) são exemplos de instrumentos institucionais e jurídicos que, ao lado dos outros canais de participação e controle social existentes, buscam operacionalizar o princípio da democracia participativa consagrado na Constituição.

A LAI, em seu artigo 9º, criou o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) nos órgãos e entidades do poder público com o objetivo de: atender e orientar o público quanto ao acesso a informações, informar sobre a tramitação de documentos nas suas respectivas unidades administrativas e servir de referência para a solicitação de documentos e requerimentos de acesso a informações.

Estabelece, ainda, que cada órgão público deve designar uma autoridade responsável pelo monitoramento e implementação do SIC. Embora não exista definição legal de que as ouvidorias sejam responsáveis por este serviço, na prática, muitas delas vêm assumindo tal responsabilidade.

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As ouvidorias devem observar etapas importantes no processo de execução da LAI:

1. Protocolo do pedido de informação no SIC – realizar monitoramento e verificação dos

prazos na tramitação do pedido de informação;

2. Resposta ao solicitante – monitorar a tramitação da resposta, verificar a análise do mérito

da resposta e apontar se é satisfatória, parcialmente satisfatória ou insatisfatória e, em caso de negativa de acesso, apontar se os requisitos do art. 16 da LAI foram observados;

3. Protocolo de recurso – monitorar a tramitação e como foi elaborado o parecer dirigido à

autoridade superior, contendo análise do mérito;

4. Resposta ao recurso – monitorar a tramitação da resposta e a análise do mérito da resposta

(apontar se é satisfatória, parcialmente satisfatória ou insatisfatória) e, em caso de negativa de acesso, verificar requisitos do art. 16 (apontar hipóteses de recurso), além de acionar monitoramento da OGU (risco de recurso de forma);

5. Relatório trimestral – monitorar a elaboração e cumprimento dos prazos do relatório sobre

os temas, as informações e as perguntas mais frequentes para que possam constar nos sítios da instituição, visando incrementar prática de transparência ativa, ou seja, aquela que é desenvolvida sem a necessidade de uma demanda ser encaminhada previamente;

6. Pesquisas de satisfação – realizar regularmente pesquisa de satisfação dos solicitantes.

1.3.3. Diretrizes

As linhas-guia de organização e o funcionamento das ouvidorias públicas são: • Zelo pela celeridade e qualidade das respostas às demandas dos seus usuários;

• A objetividade e a imparcialidade no tratamento das informações, sugestões, reclamações e denúncias recebidas de seus usuários;

• A gratuidade de suas atividades e serviços;

• A preservação da identidade dos seus usuários, quando por eles solicitada expressamente; • A pessoalidade e a informalidade das relações estabelecidas com seus usuários;

• A defesa da ética e da transparência nas relações entre a Administração Pública e os cidadãos;

• A transparência e a moralidade da atuação dos órgãos e entidades públicas; • A atuação coordenada, integrada e horizontal entre as unidades de ouvidoria;

• O aprofundamento do exercício da cidadania dentro e fora da Administração Pública.

1.3.4. Público-alvo

Público externo: são pessoas ou grupos de pessoas que demandam os serviços oferecidos pela entidade e utilizam a ouvidoria como canal para se manifestarem.

O público interno são os servidores/empregados. A ouvidoria permite uma administração participativa, procurando subsidiar o atendimento de reivindicações de funcionários, exercendo um controle preventivo e corretivo de arbitrariedades ou de negligências, de problemas interpessoais ou, ainda, de abuso de poder das chefias.

1.3.5. Dificuldades

As dificuldades encontradas pela ouvidoria pública geralmente estão localizadas dentro da própria unidade/instituição.

a) Descrença por parte do cidadão quanto aos resultados a serem alcançados; b) Reação interna negativa dos integrantes da organização;

c) Corporativismo;

d) Obstrução de canais internos de relacionamento que impedem a atuação da ouvidoria.

O efetivo funcionamento das ouvidorias depende, cada vez mais, de sua integração sistêmica. Para tanto é necessário que elas se relacionem de forma colaborativa (não hierárquica), continuada e em rede, presencialmente e/ou virtualmente, independentemente da localização física, visando compartilhar conhecimentos, aprender e gerar inovações no trabalho das ouvidorias. A contínua troca de informações sobre conceitos, fluxos, procedimentos internos, normativos, experiências e relações internas e externas proporcionam um crescimento mútuo das ouvidorias numa teia de relações onde todas ganham.

Os requisitos básicos para o funcionamento de uma ouvidoria são: • Instituição de Mandato.

• Acesso irrestrito a todas as informações. • Autonomia

• Acesso direto à alta direção e a instância máxima de decisão.

• Estrutura organizativa e orçamento condizentes com as necessidades.

1.3.6. Perfil do Ouvidor

O ouvidor do Poder Executivo tem perfil técnico-político – é um burocrata de quem são requeridas competências e habilidades pessoais e comportamentais que envolvam capacidade de liderança, de articulação, coordenação, mediação de conflitos, etc. (policymakers).

No Brasil, o ouvidor não tem poder para determinar a reformulação de decisões. Mesmo havendo prejuízo ou constrangimento para o cidadão, o ouvidor conta apenas com o poder da argumentação exercida publicamente. A função do ouvidor é baseada nos princípios

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constitucionais, consagrados no artigo 37, que são legalidade, legitimidade, imparcialidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Em decorrência da sua função e de seus objetivos, os requisitos capazes de garantir a autonomia do Ouvidor são: a unipessoalidade, a magistratura da persuasão, a desvinculação do poder institucional, a desvinculação político-partidária e a existência de mandato e atribuições específicas.

• Unipessoalidade: essa característica é intrínseca à ouvidoria, o único instituto unipessoal da administração pública brasileira. Trata-se de um órgão que não tem poderes administrativos e que, consequentemente, depende, em larga medida, da sua força institucional e das prerrogativas do seu titular para tornar efetivas as suas propostas. Não pode, pois ser diluído em um colegiado, ou ter vários responsáveis, supostamente Ouvidores, repartindo as suas funções em uma mesma instituição, para uma mesma clientela ou, ainda, exercê- las simultaneamente com um outro cargo na administração. É indispensável “alguém que seja identificável", a quem se possa recorrer e que seja dotado de estatura e autoridade moral.

• Magistratura da persuasão: a ouvidoria, como órgão do Governo, é uma completa contradição em termos. O ouvidor, por definição, não tem poderes administrativos. Se os tivesse, seria o fiscal de si mesmo, o que, do ponto de vista do controle efetivo da administração, equivaleria a nada. Sua ação não é coercitiva, atuando movido pela sua força moral, pelo respeito constituído através da imparcialidade de suas ações. É de fato um poder sem poderes, que desta própria condição paradoxal concretiza sua base de apoio e força.

• Desvinculação do poder institucional: existem ouvidores que são integrantes do staff governamental, ou da direção da instituição em que atuam. Tais ouvidorias não atuam naquilo que é essencial para uma Ouvidoria Defensora de Direitos: a indução de mudanças e a investigação de denúncias – inclusive contra o gestor – justamente por ser este o superior hierárquico do ouvidor. São os ouvidores obedientes, cujo limite para o exercício das atribuições do cargo é a não contrariedade de quem os nomeou e que pode demiti-los. • Desvinculação político-partidária.

• Mandato e atribuições específicas: ouvidoria plena, independente, seria quando o seu titular detém mandato certo, escolhido com a participação da sociedade ou pelo colegiado máximo da instituição em que atua e cujas atribuições garantam a autonomia inerente às necessidades de seu cargo, conforme as situações analisadas na última secção. Entre estas, o poder de fazer propostas e denúncias, divulgá-las livremente e dispor de garantias mínimas para que o dirigente interpelado responda às suas solicitações. Além do direito de fazer investigações preliminares, podendo requerer, quando necessária, a realização de sindicância pelos órgãos competentes.

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